Minha ultra aventura do segundo semestre de 2015 foi em plena Selva Amazônica, na Floresta Nacional dos Tapajós, no Pará : a Jungle Marathon 260km, dividida em 6 estágios. Uma prova incrível e desafidora!
A decisão de fazer a prova foi tomada em 2013, mas na época motivos particulares não permitiram que eu participasse. Isso, na verdade, foi ótimo, porque assim tive tempo de me preparar melhor. Desde então, fiz algumas provas duras, onde errei e acertei e principalmente, ganhei a experiência que me deu a certeza sobre quais equipamentos eu usaria na prova. Tudo havia sido muito bem testado, pois a Jungle Marathon é uma prova na qual não se pode improvisar nada! Eu conhecia as coisas que poderiam me tirar da prova e decidi que elas não estariam comigo!
Fui sozinha, sem conhecer ninguém!!! A única mulher brasileira!!!! Mas eu sabia que faria amizades e foi isso o que aconteceu logo que me juntei aos outros brasileiros: Marlon, Alex, Frank, Jefferson e Henrique, na praça da cidade de Alter do Chão, lugar determinado pela organização para o encontro dos competidores. Ali fomos encaminhados a um desses barcos típicos da região.
O barco partiu às 23:30h, subindo o Rio Tapajós em uma viagem que duraria 12h. Logo que embarquei montei minha rede no último andar do barco e a partir daquele momento, como parte das regras da prova, tornei-me autossuficiente, com direito apenas a águas fria e quente fornecidas pela organização! Desembarcamos em uma comunidade com 75 habitantes às margens do Tapajós chamada Belterra. Estava tudo organizado para montarmos nosso primeiro acampamento. Ali começaria a prova!
No segundo dia dormindo na rede, meu corpo doía muito. Definitivamente dormir em rede precisa de técnica e adaptação. E para isso eu não tinha me preparado! Precisei até tomar um analgésico!!! No decorrer da prova acabei me acostumando, mesmo assim o sono nunca era tranquilo, era um sono picado, péssimo para uma boa recuperação.
Nos dois dias que antecederam a prova tivemos instrução de sobrevivência na selva com militares do exército e palestra com a equipe médica inglesa. Embora bastante informativas, o que usei mesmo durante a competição foram as recomendações que me foram passadas pelos amigos Roberto Arneiro e Marcelo Sinoca, que já haviam feito a prova e também as dicas do Henrique e do Frank, competidores que estavam lá para fazer a prova pela segunda vez. Além disso, contei também com a experiência do meu treinador Caco Fonseca, acostumado a esses perrengues.
Minha estratégia era fazer uma prova tranquila, sem muito desgaste nos primeiros estágios, me cuidando para completar os 260km! Esse seria o prémio, completar a prova e voltar para casa inteira!!!!
1º estágio : uma amostra da prova!
A largada foi na Prainha, à beira do Rio Tapajós, onde a areia fofa não deixava correr. Esse estágio foi uma amostra do que teríamos pela frente: selva, rios, pântanos, estradas e areia. O primeiro PC estava à beira de um igarapé de águas cristalinas, mas assim que o atravessei entrei em um pântano, meio escuro e assustador para aquela hora do dia. Com uma mochila de 12kg nas costas era difícil não “atolar”. Procurava puxar o pé com cuidado para o tênis não ficar preso. Adorei este estágio! Na chegada as crianças da comunidade nos esperavam para correr junto até o pórtico, foi sensacional!!!! Chorei muito quando cheguei! Estava emocionada! Era tudo que eu queria, estar ali na selva, sentir a força da natureza e toda aquela energia.
2º estágio: Feliz por estar na Selva!
A largada às 7h iniciava com uma travessia de um rio profundo de 100m de comprimento, que eu achei muito divertida!!! Este estágio também foi ótimo!!! Corria quando podia e imprimia um ritmo bom no trekking. Finalizei bem este estágio. Inteira! Soube então que havia chegado junto com o 2º e o 3º lugar femininos, estava na 4ª posição!
Todos os dias a rotina era a mesma, assim que eu cruzava a linha de chegada já procurava um lugar para montar a minha rede, depois cuidava de mim e quando tinha rio era sensacional, tomar um banho era muito bom!!!!
3º estágio: 38km de selva
Já na largada uma travessia de rio de 300m de comprimento. Comecei tranquila, enquanto alguns nadavam eu preferi ter como apoio a corda que atravessava o rio. Ainda no inicio da travessia a corda afundou e, de repente, tudo fugiu ao meu planejamento! Fiquei nervosa, me sentia pesada, achei que fosse afundar, que fosse me afogar! Foi como se eu perdesse o rumo, não conseguia me deslocar, abracei a mochila e segui nadando, mas o deslocamento era muito lento e me deixava cada vez mais tensa. Naquele momento percebi que tinha que mudar a estratégia de qualquer maneira, não podia deixar nenhum pensamento ruim tomar conta!
Assim, foi com uma sensação de grande alívio que cheguei em terra. Tudo aquilo me deixou exausta! Coloquei a mochila nas costas e sai caminhando muito lentamente, vi muitos passarem por mim. Meu pensamento continuava muito confuso, precisava respirar, acalmar! Pensava: “vou só caminhar, calma, respire, respire!” Demorei um certo tempo para recuperar. Mas decidi que aquilo não iria me fazer perder o espirito de alegria que me acompanhava durante a prova!
No caminho atravessamos a Aldeia de Bragança e a de Marituba, comunidades indígenas da Flona, onde as crianças nos esperavam com entusiasmo. Esse estágio foi de subidas e descidas muito íngremes dentro da mata fechada. Durante o percurso a atenção era redobrada: cuidava onde eu pisava, onde precisava me apoiar, tomando cuidado com aranhas ou cobras nas árvores, ao pular os troncos caídos e com os enormes caminhos de formigas pelo chão.
O acampamento nessa etapa foi no meio da selva, em um lugar onde vive a maior população de onças da região. Fora isso, não tinha nenhum rio por perto e depois de 7hr correndo naquele calorão, ficar sem água foi algo que também tive de aprender. Mas, como disse um amigo: “esta é uma corrida de desapego!!!!”
Quando escurece a selva muda os seus sons. O canto dos pássaros se cala e dá lugar aos sons de outros animais noturnos. E pelo chão era intensa a movimentação de enormes aranhas, escorpiões e inclusive cobras. Os vigias estavam agitados e passaram a noite armados, rondando o acampamento…
4º Estágio – a Maratona!!! 42km de selva e pântanos
Neste dia tinha a sensação de estar sendo observada o tempo todo em que estive na mata! Atravessei um igarapé com água ora pela cintura, ora pelo peito. Nesse lugar havia árvores caídas pelo caminho e para seguir tinha que pular sobre algumas e em outras precisava mergulhar para passar por baixo! Na sequência, passei por um pântano muito sinistro, um emaranhado de galhos e raízes em meio a lama, que às vezes ficava na altura da cintura e que foi bem difícil de transpor.
Quando saí dali cruzei um lugar lindíssimo com praia de água doce e areia branquinha. Na beira d’água as pedrinhas me chamaram a atenção, eram tão bonitas que trouxe de presente para pessoas que gosto muito! Desse local pegamos um estradão. O sol castigava e já passava do meio dia quando ouvi que a australiana que estava uma posição atrás de mim no ranking, se aproximava a passos firmes.
Eu tinha acabado de levar um belo tombo, tinha ralado o joelho, batido o quadril, estava com dor e ainda faltavam uns 7km até a chegada. Então, calculei que se eu a deixasse seguir na minha frente, naquele ritmo perderia a vantagem que tinha dela. Resolvi correr! Naquele sol escaldante e com aquele mochilão nas costas! Para minha surpresa, ela não parou e nem caminhou durante todo percurso no estradão de areia fofa. Foi insano! Naquele momento corri, junto em pensamento, com todos meus amigos que estavam torcendo por mim, lembrava de cada um e do que me diriam. Tirei uma força do fundo da alma para conseguir chegar junto com ela!
Exaustão total!!!!
5º estágio – 108km A etapa longa!!!
Largamos às 4:30h na praia e por algum tempo beiramos o rio, mais alguns quilômetros de sobe e desce por estrada, e ainda no escuro entrarmos na mata fechada. Foi nesse percurso que a marcação esteve péssima! Eram muitas trilhas de mateiros que se emaranhavam e era comum eu me dar conta que não estava na trilha certa e precisar voltar para encontrar a última marcação. Assim foi por muitos quilômetros! Nessa etapa perdi uma das minhas garrafas de água, mais distância, menos água!
De volta ao estradão, a temperatura começava a aumentar, eu alternava corrida com trekking forte, pensava que não podia “ferver”, mas precisava chegar antes das 15.30h no PC do corte!!! Então, travei uma batalha com meu corpo para conseguir chegar. Às 14h a temperatura já batia nos 44ºC e foi assim que fiz mais de 35km no estradão sem nenhuma sombra, com pontos de abastecimento muito distantes uns dos outros. Precisei economizar minha água para não faltar.
Consegui chegar ao PC às 15:20h!!!! Somente outros 13 competidores conseguiram chegar antes do corte e apenas dois deles (a australiana e um americano) não quiseram continuar, preferiram ficar. Os demais que chegaram depois das 15:30h foram obrigados a parar e dormir ali.
Assim que cheguei, o Frank, um dos brasileiros, me informou que tínhamos que sair em 5minutos, do contrário seríamos obrigados a ficar também. Assim, mesmo exausta, eu resolvi continuar. No início estava lenta, mas depois de recuperada imprimi um ritmo melhor para conseguir sair da mata fechada antes de escurecer. Eram 15km para o próximo PC, mas parecia que andávamos em círculos, não rendia! O percurso não estava bem marcado, foi difícil, mas finalmente cheguei à estrada. Pensei que estivesse perto, mas o tempo passava e nada de encontrar o posto de controle.
Já estava escuro quando resolvemos parar em frente a uma igrejinha. Sentei e tirei o tênis, meus pés estavam enrugados, brancos, terríveis, muito inchados e com bolhas. Já estava difícil para caminhar. Depois de descansar um pouco, andei de chinelos até o PC!
No PC fiquei um tempo secando e cuidando dos meus pés. Notei que as irritações que eu tinha nas pernas estavam aumentando, estava sentindo calafrios, minha boca queimava, todo meu corpo já estava gritando!!!
Voltei para a trilha por volta da meia noite. Segui pela praia margeando o rio e logo atravessei outro rio, novamente o tênis estava molhado! Neste percurso deveria fazer três travessias de rios mas “consegui” fazer cinco!!!
Na travessia mais longa o rio tinha mais de 600m de comprimento e aí vivi um dos meus piores momentos em uma prova. Tive medo de morrer naquele rio frio e escuro, na escuridão da madrugada, sem conseguir enxergar nada, apesar da lanterna de cabeça. Mesmo sabendo que o Frank estava por perto, à medida que eu avançava no rio me dava conta de que a outra margem ainda estava muito longe e, apesar de ter uma corda para me guiar, estava aterrorizada! Só pensava nos meus filhos!
A experiência de quase me afogar na terceira etapa tinha sido marcante. Precisei me concentrar muito em só um objetivo: sair o mais rápido do rio! No meio do caminho havia uma árvore que eu abracei para descansar e pensei: “Vamos dividir a árvore Sucuri!!!!” Sim, em meio ao meu pavor, tive que brincar comigo para relaxar, pois sabia que estes rios abrigam jacarés, piranhas, sucuris, arraias e outros bichinhos.
Caminhei por uma pequena porção de terra e quando chegamos na beira de outro rio para atravessar, não consegui! Tive que parar, precisava retomar a coragem, sentei no chão e apaguei! Não sei por quanto tempo, acordei com o Frank me alertando que não podíamos ficar ali, pois era perigoso.
Quase 4hr da madrugada perdemos completamente a marcação, não tinha para onde ir… Fizemos fogo e colocamos as redes, estava com quase tudo molhado dentro da mochila, inclusive a rede. Assim que começou a amanhecer, levantamos acampamento e voltamos a procurar a marcação. Encontramos a marca da trilha completamente fora do alinhamento das outras!
Me distanciei do Frank, segui pela trilha beirando o rio e o terreno mudou. Ora seco, ora molhado em um emaranhado de raízes. Estava sozinha na trilha quando vi macacos fazendo muito barulho. Eles subiram rápido nas árvores e em seguida começaram a pular lá no alto, tamanho barulho que dava medo! Na palestras haviam falado de muitos animais, menos de macacos!
Depois de trilhas e estradões, finalmente cheguei à praia! Antes de chegar ao PC 10 eu estava no limite das minhas forças físicas e minha cabeça começava a dar sinais de desgaste emocional, então comecei a chorar! O calor estava muito forte e eu ainda estava sem água! Cheguei no PC chorando! No meu limite!!!! O médico me confortou dizendo que faltava pouco e que eu já tinha feito a pior parte!
Continuei firme, mas pela margem do rio se via uma vasta extensão de praia desertas!!! Ainda estava muito longe!!!
Quando cheguei tive uma enorme surpresa: meu marido e meu filho caçula estavam me esperando no acampamento. O combinado era encontrá-los no último dia de prova e não neste.
Assim que eles foram embora segui meu ritual diário. Armei a rede, comi e fui verificar a mochila: me assustei quando percebi que não tinha comida para o jantar nem para o café do dia seguinte antes da prova, só uma sopa em pó, 3 géis e 1 barrinha que deveriam ser a comida durante os 25km restantes da prova… Os demais competidores continuaram chegando durante toda noite, o último chegou às 5:30h da manhã. Assim, a largada foi adiada para as 9:30h.
6o estágio: A chegada!
Mais uma vez me enganei quando pensei que a última etapa seria fácil!!!
Foram 25km de praias com “um sol” para cada competidor! Atravessei alguns rios, areia fofa, calor escaldante e em fim a grande chegada!!!! Então um misto de satisfação e angústia tomaram conta de mim: primeiro por estar finalizando a prova e outro por estar chegando ao fim de uma grande experiência!!!
Com um abraço apertado no homem que mais amo e no meu outro “homem caçula”, finalizei os 260km da Jungle Marathon!!!!
Katia Ronise Fernandes
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