Se você acha difícil associar as relações de competitividade no esporte com as relações afetivas, de solidariedade próprias da condição humana que leva as pessoas a se interagirem, compartilharem emoções, expectativas é porque você não conhece a Noite do Perrengue, prova de corrida de aventura organizada no Estado mais hospitaleiro do Brasil: a Bahia.
O que marcou esse evento que aconteceu no Sauípe no último fim de semana não foi só a adrenalina, mas a hospitalidade, a alegria e a leveza do povo baiano.
Nas competições em geral, o que se espera encontrar como desafios para a hospitalidade são a competitividade e o déficit de solidariedade. O relacionamento entre os atletas, na maioria das vezes, se reveste de um caráter de isolamento, marcado por interesses conflitantes, pela morte da afeição entre os competidores. O acirramento da concorrência, pela busca de melhores resultados na prova faz com que se assumam posições racionais, objetivas na competição, deixando de lado os sentimentos. E as relações de afeto, quando aparecem, são para atender a interesses imediatistas, voláteis e individualistas.
Diante disso, há que se perguntar se existe espaço nestas relações para a inclusão de generosidade e partilha numa competição esportiva. Pois eu respondo, com toda propriedade, que na corrida de aventura sim e na Noite do Perrengue muito mais ainda!
Nessa sociedade capitalista em que tudo se vende, o baiano, mais especificamente aquele que vive a corrida de aventura, se doa, se abre para o acolhimento, para a troca de afeto. Foi exatamente isso que senti desde o dia em que chegamos (eu e meu atleta favorito – meu namorado), sem reserva em hotel algum, e nos foi ofertada, pelos organizadores da prova, Arnaldo Maciel e Gustavo Chagas, hopedagem na casa cedida para a coordenação do evento.
Durante essa estadia, acompanhei os bastidores da organização da corrida. Organizadores e colaboradores oficiais e extraoficiais, se empenhando com amor para que a prova fosse perfeita. No briefing, foi muito emocionante ouvi-los falar (com aquela paixão que os corredores de aventura conhecem muito bem) do esporte, do histórico familiar deles e de alguns atletas de expressão no mundo da corrida de aventura.
E mais emoção ainda durante a prova, até para quem não estava competindo, mas só acompanhando, como eu, curtindo aquela noite de céu estrelado a mil, torcendo e vibrando com a energia dos atletas.
A competitividade na corrida de aventura e mais ainda, na corrida de aventura na Bahia, não se baseia na idéia de confrontos, de interesses pessoais, ao contrário, ela faz com que as pessoas trabalhem e lutem para melhorar sua posição na prova com muito respeito pelos iniciantes e admiração pelos veteranos. Aqui, os atletas não se isolam e não são egoístas. Na disputa, o sucesso e o fracasso dependem do ponto de vista, o último a chegar se sente campeão por ter terminado a prova e comemora na mesma intensidade que quem subiu no pódio.
Pude testemunhar também que a convivência entre as pessoas, no desenrolar de uma prova de aventura, gera laços e vínculos sociais que são importantes para sustentar a paixão pelo esporte, gerar relações de amizade e companheirismo entre os atletas. E finalmente, posso dizer que, se todos os atletas, de qualquer modalidade esportiva, fossem como os corredores de aventura da Noite do Perrengue, as competições seriam mais humanizadas, mais hospitaleiras, mais generosas e mais solidárias.