Eu não corro, mas a corrida flui em mim: correr é viver.
A cada novo desafio de Trail Run, sempre procuro estudar o percurso para traçar as minhas estratégias. Quando vai se aproximando o grande dia, faço mentalizações.
Largamos no dia da prova. Tomei a dianteira e comecei a ganhar terreno, concluindo o primeiro objetivo da estratégia, logo que cheguei na Toca do Lobo. Tentei ser o mais rápido possível na checagem de equipamentos. Assim que iniciei a subida da Serra Fina me sentia a todo instante como se estivesse correndo na Serra dos Órgãos.
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Enquanto atacava o ponto mais alto do Capim Amarelo, observei a aproximação de um atleta. Iniciamos a descida do Capim Amarelo e perdi a liderança da prova. Todavia, me mantive concentrado, com foco no meu alvo. Na Pedra da Mina, o vento gelado esvaziou a minha alma e me tornou uma criança, correndo dos seus fantasmas invisíveis, como se estivesse indo para escola (em minha mais tenra infância) e me senti forte, seguro.
Observei rapidamente a crista da serra que tinha ficado para trás e iniciei a descida mais aguardada. Assim que comecei a descer me tornei o terceiro colocado, sendo ultrapassado pelo atleta Daniel Meyer. Busquei não deixá-lo se afastar e explorei cada pedra do caminho com pisadas ligeiras e precisas, conseguindo prevalecer sobre ele.
Segui até o PC Paiolinho, onde fiz uma parada estratégica e bem longa, pensando: “a prova começa agora”. Segui correndo forte e minutos depois estava novamente em segundo lugar.
Os próximos dez quilômetros (mais ou menos) foram bem rápidos, buscando ganhar distância do terceiro colocado e me aproximar do primeiro colocado, meu amigo Chico Santos.
Todavia, tive que fazer algumas paradas pois sentia dores terríveis nos pés. Isso não tirou o meu foco em nenhum momento. Nos próximos quilômetros, ora sentia satisfação pela conquista da segunda posição geral, ora me via caçando o primeiro lugar com todas as minhas forças. E o momento crucial foi durante a aproximação do Campo do Muro, quando parei no PC e observei que tinha conseguido diminuir a diferença significativamente em relação ao primeiro colocado.
Prossegui morro acima, a noite chegou com toda a sua escuridão e ultrapassei os atletas que competiam nos 62km subindo com força total, em sua maioria mulheres fortes e guerreiras.
Após minha chegada ao topo do morro desci rápido, encarando um trecho bem técnico. O que me ajudou bastante foi a estratégia, que utilizei como trunfo na manga, de usar duas lanternas. Isso me permitiu uma visão melhor diante da escuridão e logo que cheguei ao PC Casa de Pedra, fiz uma parada bem rápida. Morro abaixo, finalmente alcancei o meu amigo Chico. Trocamos algumas palavras e segui forte até a linha de chegada.
A atmosfera da linha de chegada foi a melhor de todas que já tive a oportunidade de cruzar até hoje. Naquele momento, passou a fluir toda a energia, que ainda restava, através das pernas, sem palavras pra descrever tudo o que senti. Na verdade, acho, nem existem palavras. Tive que me conter pra não chorar: me senti cruzando a linha de chegada da tão sonhada prova de 100 milhas do UTMB ali mesmo em Passa Quatro, como um portal mágico unindo os tempos.
O mais gratificante, que levo comigo para sempre, além da crista espetacular da Serra Fina (que ficou gravada na minha memória), foi o carinhoso cumprimento e reconhecimento por ter me tornado mais um missioneiro do trail run brasileiro.