Confira a entrevista com a carioca Manuela Vilaseca, da equipe Merida/Cateye/TMP que convidada pela equipe argentina Cristágua, liderou o time para a vitória na categoria Mista na corrida de aventura com percurso de 550km pela Patagônia Argentina
(Fonte: Mbike Comunicação)
"A corrida Tierra Viva foi a mais linda experiência nas corridas de aventura. Foram 550km de muita beleza, adrenalina, emoção e superação. Gostaria de conseguir traduzir o que foi, de transmitir o que meus olhos viram. A Patagônia é uma região maravilhosa do nosso planeta e, ao meu ver, é o lugar mais lindo do mundo. Não existe coisa que se compare àquele lugar. Pedalamos por caminhos lindos, onde não se via uma viva alma. Remamos em enormes lagos de água gelada que, por sorte nossa, estavam adormecidos quando lá passamos. Caminhamos por desfiladeiros a 2500m de altitude num visual que só quem estava lá pode entender. Aos pés do vulcão Lanin conseguimos nos dar conta de que somos muito pequenos, somos quase nada. Para estar lá temos que pedir permissão para passar. A força da natureza é imensurável e basta apenas um sopro para que sejamos dispensados de lá. A energia que envolveu a nossa equipe foi inacreditável. Nossos tempos pareciam ter sido calculados. Tínhamos luz até onde precisávamos. Melhor exemplo disso foi no último trekking, quando chegamos ao cume do Malo, a 1973m de altitude, onde uma cruz sinalizava seu ponto mais alto. Apenas um pequeno filete de sol aparecia atrás das montanhas para marcar a despedida do dia e entrada da noite. Nossa chegada, mais incrível ainda. Remamos 30km no lago Lacar, que de tão adormecido parecia um espelho. Tudo em volta era refletido de forma que a paisagem ficasse ainda mais surreal. Chegando em San Martin fomos recebidos por familiares, que tão ansiosos nos esperavam. Ali teve gosto de chegada, mas ainda tínhamos que pedalar 10km para finalizar a prova. Pedalamos, escoltados de amigos buzinando e vibrando com o nosso feito. Nos sentíamos gigantes. A chegada no acampamento foi emocionante e finalmente conseguimos respirar aliviados e satisfeitos por ter finalizado em primeiro lugar uma corrida tão dura. Ao sairmos do pódio veio o primeiro sopro. Esse sopro foi seguido de outro, e em pouco tempo um vendaval. O lago Lacar estava em fúria e uma tempestade estava prestes a desabar. Depois de nossa chegada nenhuma equipe mais chegou. A corrida foi neutralizada e as equipes resgatadas por segurança", relembrou Manuela Vilaseca.
1 - Essa foi a corrida mais longa, dura, com variação de temperatura e altimetria que você já fez?
Manu - Eu já corri algumas expedições desse tipo, como Ecomotion, Brasil WIld Extreme, Desafio de Los Volcanes, e Portugal XPD Race. Elas são provas em quartetos mistos, que duram em média 4 dias, e que envolvem atividades como mountain bike, canoagem, trekking e técnicas verticais. No Tierra Viva pegamos temperatura abaixo de zero e meu corpo não está acostumado a isso. Eu moro no Rio de Janeiro e aqui não tem inverno! A água também é muito gelada. Quando me falaram que ia ter que atravessar um rio nadando deu vontade de chorar... RS.
2 - Por quê?
Manu - Para começar eu corri numa equipe argentina e nem conhecia meus companheiros de equipe. Eles não falavam minha língua e eu me virava para falar com eles. Isso, querendo ou não, já é um fator contra. Gostaria de ter conversado mais com eles mas se não ficasse prestando atenção no que estavam falando me perdia. Eu considerei o Tierra Viva a prova mais dura porque, além de ser numa região onde nós brasileiros não estamos acostumados a correr, foi uma prova expedicionária de 550km e sem equipe de apoio, o que dificulta bastante o desempenho da equipe. Sem equipe de apoio os atletas são obrigados a se organizar sozinho durante a prova, quando o cansaço não nos permite sequer pensar. Outro grande fator agravante é a falta de comida. Com equipe de apoio comemos de verdade, enquanto quando nós estamos por conta própria acabamos conseguindo comer quando tem algum lugar aberto, servindo comida, e num momento onde podemos nos dar ao luxo de parar e esperar. O que conseguimos cozinhar acaba ficando intragável! Rs..
3- Vocês venceram na categoria mista, não foi?
Manu - Sim, nós vencemos na categoria quarteto misto e ficamos em 4º lugar no geral. A corrida de aventura consiste em equipes mistas de 4 pessoas. Na maioria das corridas não é permitido qualquer outra formação, inclusive no campeonato mundial. As 3 equipes que chegaram na nossa frente eram duplas de homens. Além de serem menos pessoas, o que é muito mais fácil de administrar (por exemplo, a chance de um pneu furado é dobrada quando se corre em quarteto), também não tem mulher na equipe. Nenhum quarteto masculino chegou na nossa frente. Das 50 equipes que largaram só as 4 primeiras fizeram os 550km de prova completos porque a condição do tempo virou e a organização foi obrigada a neutralizar a prova. Foi um enorme feito para mim. Eu fui a única mulher a completar a prova!
4- Acompanhei pelo site da prova que até o segundo dia vocês estavam na segunda colocação geral, mas depois foram ultrapassados, o que aconteceu?
Manu - Sim, nós começamos a prova já muito bem. Mas na canoagem cometemos um erro grave, que inclusive nos custou o primeiro lugar no geral. Deixamos de pegar um PC dentro do lago e só nos demos conta quando chegamos de volta ao PC camp. Trocamos de roupa, comemos, nos aquecemos e tivemos que voltar para dentro d’água para pegar o PC4 que ficou faltando. Além dos 60km de canoagem que fizemos, tivemos que remar 26km a mais. Isso nos jogou nas últimas posições da prova, para nosso desespero. Mas nessa hora foi importante porque não perdemos o foco. Era apenas o início e poderíamos reverter o jogo. E fizemos isso prontamente, já que no trekking seguinte, estimado em 8 horas para as primeira equipes, fizemos em 6:30. Isso nos trouxe de volta para o jogo.
5- Qual foi a característica peculiar desta prova?
Manu - Essa prova, para mim , é uma prova mágica. Ter a oportunidade de estar numa região inóspita no meio de uma corrida é realmente demais. É uma beleza muito diferente da beleza daqui. Eu moro numa cidade maravilhosa e reconheço isso toda vez que saio de casa para treinar. Eu vibro com o Rio de Janeiro. Mas a Patagônia é muito diferente disso. Eu acho que nem sei explicar direito o que acontece lá. É coisa de outro mundo mesmo.
6- Como funcionou o descanso desta prova, em alguns momentos, fotos do site da organização mostraram os competidores dentro de cabanas.
Manu- Talvez os chalés que tenha visto eram alguns PCs. Nós não dormíamos lá dentro. Era só assinar o PC e ir embora. Nós éramos obrigados a levar uma barraca e, se decidíssemos dormir, poderia ser dentro dela.
7- Existia alguma regra ou obrigação de paradas?
Manu - Não existia parada obrigatória. Cada equipe decidia se queria descansar ou não. Nós largamos na segunda feira e só paramos para dormir na quarta feira à meia noite. Dormimos por 4 horas para encarar os trechos “finais” da prova. Remamos 30km, fizemos um trekking de 32km (que durou 12 horas) e tínhamos que remar os 30km de volta e pedalar mais 10km até a chegada. Chegamos do trekking à meia noite de quinta feira e vimos que as outras equipes estavam muitas horas atrás de nós. Decidimos dormir até amanhecer para remar de volta. Foi uma sábia decisão porque descansamos bem e ninguém nos passou.
8 - Como é a sensação de superar mais de 500km apenas com sua própria força e vontade?
Manu - É o que nos faz amar tanto a corrida de aventura. Não levamos nada dessa vida, apenas isso. O aprendizado, o crescimento, as amizades, os lugares por onde passamos. Acredito que tudo isso é o que fica. E depois de uma prova dessa voltamos para casa gigantes. Os problemas do dia dia se tornam muito pequenos. Depois disso vejo que muita gente perde a vida se preocupando com besteiras. Eu vivo a vida intensamente e quero continuar assim até o final dela.
9 - Qual foi o maior aprendizado/ experiência que obteve?
Manu - Acho que nessa prova vi, mais uma vez, que quando queremos muito uma coisa podemos conseguir. Basta lutar por ela. Tudo na vida a gente consegue.
10 - E como pode usar essa experiência no Mountain Bike?
Manu- Eu estou me preparando para a prova mais dura de todas, a Transportugal. É uma prova que conta muito com a força mental, que eu consegui obter na corrida de aventura. Apesar dessa prova ser 100% mountain bike eu sou vou poder encará-la por causa do preparo da corrida de aventura. Vou pedalar sozinha, com um GPS, e atravessar Portugal de norte a sul. Muita gente não teria coragem de fazer isso, mesmo tendo preparo físico. Estou muito feliz com mais esse desafio e espero trazer dele muita coisa boa para dividir com as pessoas.
11 - Disseram que voce não participou da abertura da Copa Internacional de MTB porque estava machucada, o que houve exatamente?
Manu - O Tierra Viva foi uma corrida muito dura. Foi muito disputada também, o que fez o ritmo ser forte. Eu senti uma dor no joelho antes da metade de prova e convivi com ela até o final. Quando terminamos a dor era insuportável. Eu tinha apenas uma semana de “recuperação” até a Copa Internacional. Eu não tinha condições de ir e conversei com os meu patrocinadores sobre isso. Eles queria muito a minha presença lá mas me respeitaram e me apoiaram quando achei melhor não participar. O cross country já é muito duro, imagina nessas condições. Quero estar mais preparada para encarar essa prova.
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