A aventura desta vez foi na selva amazônica - Relato de Marcelo Santos na Jungle Marathon

Por Marcelo S. Santos - 22 Out 2009 - 20h51

A aventura desta vez foi na selva amazônica entre os dias 08 e 17 de outubro de 2009. Embarquei no dia 07 de outubro no aeroporto de Porto Alegre (RS) por volta das 19:20 e cheguei em Santarém (PA) as 6:30 do dia 08 e logo fui jogado para dentro de um táxi com uns gringos e seguimos em direção a Alter do Chão, aproximadamente 35km de distância. Chegando lá, entrei em contato com a Jaqueline Terto, vencedora do ano passado na categoria feminina e ela indicou o local de encontro, o restaurante Tribal, onde fui super bem recepcionado pela família da Sr. Marilza. Passei o dia no local e fiz vários amigos e  preparei duas mochilas, uma para prova e outra para levar no barco.

Pegamos o barco por volta das 22 horas, montamos nossas redes e partimos para o local da largada por volta das 3 horas da madrugada. Viajamos a noite toda. Foram vários barcos, de atletas, da imprenssa e apoios. Paramos em um local para mergulho e toda a galera foi para a água. Continuamos a viagem e chegamos em Itapuama, local da largada, por volta das 12 horas. Instalamos as redes de dormir e fomos nos adaptando ao local, bastante rústico e quente. Neste dia já ganhamos informações sobre a prova.

No sábado tivemos um curso sobre sobrevivência na selva e neste mesmo dia tivemos o primeiro caso de mal súbito devido ao calor. Uma gringa desmaiou e caiu de cara no chão. O clima ficou bastante tenso, principalmente para a gringalhada que não estava acostumada ao calor. No mesmo dia fiz uma corrida leve de 30 minutos com uma galera do Pará, pessoalzinho bom de corrida.

Agora já estava valendo, tinha que preparar os kits para a prova: primeiros socorros, roupa, equipamentos e comida para 7 dias, tanto para a competição como para o dia-a-dia. Foram horas de tira e põe, mas acabou que minha mochila ficou com aproximadamente 10kg. Levei 32 gels, 8 barras de proteína, 12 shakes, 6 miojos, 6 sachês de café, 6 sachês de caldo, um saco de sementes e grãos, um saco de frutas secas e repositores. Tentei levar o estritamente necessário, pensando também nos riscos de faltar alimento, pois era uma competição totalmente diferente e nova pra mim. Fiz tudo baseado em relatos de atletas que já haviam participado de edições anteriores.

Após a conferência dos kits, entrega de documentos, avaliação médica, tivemos que entregar uma das mochilas no barco com as coisas que não iríamos usar mais e esperar a largada no próximo dia, prevista para as 7 horas da manhã. Agora era concentrar e tentar fazer o melhor.

Dia 11 de outubro, domingo - acordamos por volta das 5 horas da matina para comer e se preparar para a largada. Sempre momentos antes de cada largada havia um breafing, onde se passava informações sobre o percurso do dia. Feito isso, alinhamos e partimos. Mochila pesada, largada alucinante e de cara um braço de rio para cruzar e molhar dos pés a cabeça. Este primeiro estágio era o mais curto, porém não o mais fácil, tinha 16km e haviam muitas subidas íngremes e descidas. A mochila pesada tornava bem mais difícil o deslocamento e nas curvas ela te jogava para o lado. Enfim cheguei no primeiro acampamento, acredito que entre os 15 primeiros. Logo já fui armando a rede de dormir, lavando as roupas e tênis e tendo cuidados com o corpo. Fiz uma bolha em um dos dedos, mas logo já tratei do pé, pois havia ainda muita coisa pela frente. Este trecho fiz em 3:40, 1 hora a mais que o primeiro atleta, um garoto da região e vencedor do ano passado, ótimo preparo físico.

Logo já fui comer e hidratar e em seguida descansar na rede e aguardar a etapa do dia seguinte. O acampamento era muito mais rústico que o anterior, mas tinha agua à vontade e água quente para preparar algum alimento. Como não havia levado muita comida, procurava ficar a maior parte do tempo possível parado, poupando energia, o que era muito curioso e de certa forma engraçado, mas era o melhor a ser feito.

O primeiro dia de prova mostrou porque é tão difícil uma maratona na selva. Já havia várias desistências e dois atletas passaram muito mal em função do calor e precisaram ser removidos pela equipe médica da competição para a unidade de tratamento intensivo do hospital de Santarém. A equipe médica e os bombeiros trabalharam muito neste dia e isso acabou gerando um clima muito tenso no acampamento. Muitos atletas chegavam cansados e sequelados e logo se deitavam nas redes, não cuidando da hidratação e alimentação e acabavam passando mal.

O segundo dia foi um trecho maior, porém com menor grau de dificuldade. A distância era de 22km, mas com poucas subidas. Largamos da comunidade de Dona Irene e iríamos a Paraíso. A rotina era a mesma: acordar às 5h00 e largar às 7h00 entretando, em função dos diversos problemas de saúde ocorridos no dia anterior, a largada foi adiada para as 8h30 e o trajeto foi reduzido, eliminando em torno de 4km do percurso original. Este trajeto foi bastante rápido, o tempo foi menor que o dia anterior, porém os problemas de saúde continuaram a ocorrer. As ocorrências iam aparecendo e dando bastante trabalho a equipe médica e aos bombeiros, que tinham que se deslocar para resgatar os atletas com problemas.

O número de ocorrências foi tão grande que a organização fez uma reunião com todos os atletas para explicar toda a parte operacional da organização, principalmente com relação a equipe médica e de apoio e depois disso pediram que todos os atletas novamente assinassem um contrato, se responsabilizando pelos atos e decisões durante a prova.

O terceiro trecho - dia 13 de outubro, terça feira - era o segundo mais longo: 38km, partindo de Paraíso para a comunidade de Pini e a dificuldade prevista seria o forte calor. O clima continuava tenso, pois já haviam várias desistências e muitos atletas necessitaram de apoio médico para que pudessem continuar. Nos dois trechos anteriores me poupei no início e cheguei bem. Neste terceiro resolvi começar com um ritmo mais forte, mas infelizmente caí de produção e a parte final, que era melhor para correr por que tinha uma trilha mais limpa, não consegui fazer num ritmo bom. Os pés estavam bons, apenas um ferimento no calcanhar direito, mas tudo sob controle. Esse percurso longo tornou o dia mais curto, mas logo que cheguei fui lavar as roupas, hidratar, comer e descansar.

O quarto dia - 14 de outubro, quarta-feira - seria de 22km, saindo de Pini para Tauari, a princípio bastante rápido, porém havia uma travessia de natação de 200 metros no início, com a opção de usar uma corda ou ir nadando. Fiz a escolha errada. Coloquei a mochila em um saco e amarrei no pé, porém o deslocamento na corda era mais rápido e menos desgastante. Além disso quando sai da água fiquei ansioso para tirar o tempo perdido e não prestei atenção no trajeto e acabei perdendo 20 minutos. Foi muito desanimador, além do tempo perdido e do desgaste desnecessário, perdi o contato com o pelotão da frente e acabei essa etapa sabendo que havia comprometido bastante minha posição e a briga por uma colocação melhor no ranking.

A largada para o quinto e mais esperado trecho foi no dia 15 de outubro, quinta-feira. A distância era de incríveis 89km e prometendo de tudo: saída nadando 350 metros, subidas mais íngremes em seqüência, trilhas, estradas com areia fofa, sol quente fervendo miolos e também passar pela parte mais intocável da floresta, onde talvez houvesse encontro com onças, cobras, porcos e tudo mais.

A saída era de Tauari e a chegada em Aramanai. A largada foi às 6h00 e acordamos às 4h00. Quem conseguisse ir bem neste trecho definiria muita coisa. Descansei bastante no dia anterior, trabalhei bem, cuidei muito bem dos pés e dessa vez coloquei a mochila nas costa e usei a corda e fui um dos primeiros a sair da água. Fi um ritmo forte no início e cheguei a acompanhar os ponteiros por um tempo.

Correr na selva tem seus riscos. Passei por um vespeiro e levei 4 picadas equivalentes a 4 injeções de penicilina. A dor inicial era violenta, mas logo passou. Muitos atletas foram picados, eu escutava os gritos de longe. Corri muito tempo sozinho, mas às vezes também tinha companhia. Muitos atletas paravam nos checkpoints para cuidar dos pés ou se hidratar. Eu procurei parar o mínimo possível, somente para reabastecimento de água e mantive um ritmo firme e constante. No tão comentado trecho de estrada com areia fofa com o sol queimando os miolos, fiz um trote ao invés de caminhar, como muitos estavam fazendo. A caminhada machucava meus pés, preferia correr e além do mais eu me deslocava mais rápido assim.

Eram 10 checkpoints e o dia ia passando. Terminava-se um trecho e tinha outro, e mais outro e mais outro. Eu estava bem posicionado, em torno de 11º e 12º lugar, mas não queria marcar bobeira, pois tinha que recuperar o tempo perdido no dia anterior em função de ter errado o trajeto. Encontrei pelo caminho atletas com os pés destruídos. Realmente correr 89km de uma só vez em terrenos diferentes e em condições extremas de calor e bebendo água quente não é fácil.

Este trecho ainda havia um corte em função do risco do ataque de animais, principalmente a onça. Tinhamos que chegar no checkpoint 4 até as 16h30 no máximo, caso contrário teria que ficar acampado ali e partir somente no dia seguinte, quando amanhecesse. Houve 11 atletas que tiveram que dormir no local. Neste trajeto comi 12 gels, 2 barras de proteína e 4 cajus, e bebi muita água e também joguei muita água na cabeça, o que aliviava o calor por um tempo.

A vantagem de ser corredor de aventura em uma ultramaratona é poder usar os conhecimentos de orientação. Um dos trechos o final era na praia, na areia, e eu  o inicie no final do dia. Logo anoiteceu e muitos atletas perderam o rumo. Vi um atleta que estava na minha frente perdido, mas ele não me viu passar, pois eu estava com a head lamp apagada. Somente liguei quando já não estava mais no campo de visão dele e logo em seguida já haviam light sticks mostrando o caminho a seguir. Porém o terreno era muito irregular e merecia muita atenção e cuidado para não cair ou machucar os pés. O ânimo era grande apesar do cansaço, pois a etapa mais difícil estava no final. Ainda havia um igarapé para atravessar, mas tinha uma corda para auxiliar e com o calor que estava, entrar na água era bastante agradável.

Mais um trecho de estrada para o último check point e mais 7km para o final. A estrada tinha light sticks marcando o caminho e depois indicava uma trilha que descia para a praia. Finalmente o último acampamento, na comunidade de Aramanai! Fui o 11º a chegar, com um pouco mais de 14 horas de prova e fiquei sabendo que o 1º colocado, o sul africano favorito da prova, havia chegado com um pouco mais de 10 horas, na frente inclusive do pessoal da organização.

O cansaço era grande, a vontade era de não fazer nada, mas infelizmente ninguém faria por mim, então refiz a rotina de tirar os tênis, armar a rede, tirar as coisas molhadas da mochila, pendurar. Não era possível tomar banho no rio por causa das arraias, então instalei meu camelback e o usei como chuveiro. Acabei esticando a capa da rede no chão, em frente à fogueira, e fiquei por ali mesmo. Resolvi que naquela noite dormiria no chão. Fiquei conversando com os nativos e comendo o que tinha, grãos, miojo e um shake.

A dor nas pernas e nas costas era grande, mas à medida que ia comendo, bebendo e relaxando, fui me recuperando. A conversa estava boa e aquela altura algo gelado para beber seria muito bom. Mal eu sabia que aquele acampamento era conhecido como a zona do tráfico, tudo se podia conseguir.

Então logo eu ganhei uma cerveja e uma coca-cola bem gelada! Foi ótimo. Enquanto isso eu ia limpando os pés e relaxando, afinal de contas teria o outro dia inteiro para recuperar e descansar para a última etapa da prova. À medida que o tempo ia passando, assistia os atletas chegando muito sequelados. Alguns não tinham coragem nem de comer e logo iam dormir, o que eu acredito ser um grande erro. Enfim, o acampamento estava ficando bem interessante, até um peixe assado eu comi, e passar a noite deitado no chão foi ótimo. Acredito que a dor que eu sentia nas costas era de não estar acostumado a dormir em rede.

Já era dia 16 de outubro, sexta-feira, e tivemos o dia inteiro livre para descanso. Aproveitei ao máximo. Alonguei, tomei banho no rio, fiz massagem. Aliás, tínhamos esse serviço disponível nos acampamentos, com 2 massagistas disponíveis. Atletas continuavam a chegar a todo o momento, às vezes com ajuda dos bombeiros.

A essa altura a perda de massa corporal era visível. O corpo estava definhando. Impressionante o que a falta de alimento causa em pouco tempo. Os suplementos me mantinham bem durante a corrida, mas para o resto do dia era complicado. E também já estava ficando resistente no consumo dos suplementos, eu procurava nem pensar muito, preparava e comia como se fosse a melhor refeição do mundo.

Aquele seria o último dia e eu sabia que havia me dado bem na etapa anterior, então tinha que fazer a última etapa melhor do que todas e tentar superar o competidores próximos de mim. A largada estava prevista para as 7h00. Acordei no dia 17 de outubro, sábado, antes das 5h00. Foi uma noite fria. Logo fui cuidar dos pés. Limpei e os protegi bem com adesivo e esparadrapo, calcei a meia e o tênis e fui comer meu último shake e preparar a mochila. Tirei o máximo de peso, nem água no camelback coloquei, apenas a caramanhola de 500ml da frente com hidratante e uma garrafa de 350ml na mão.

A distância era de 33km com 3 check points para reabastecimento de água, sendo o primeiro a 8,5km, o segundo a 6km e o terceiro a 9km, e mais 9km até a chegada. Tinha que administrar a água para tomar e também jogar na cabeça e fazer durar até o próximo check point. Ainda tinha 5 gels para consumir. O tempo estava bom e ainda não estava tão quente. O trecho era inteiro na areia junto ao rio Tapajós, a maior parte do tempo areia dura, mas tinha uns trechos de areia fofa.

Estava me sentindo bem e sabia que meus pés estavam muito melhores que da maioria dos competidores, então tinha vantagem. Larguei em um ritmo forte e não olhei para trás. Acompanhei por um tempo o número 1 e depois mais um tempo o grande ultramaratonista espanhol, e me mantive focado e decidido a fazer aquele trecho o mais rápido possível.

Minha média estava em torno de 5 minutos por quilometro, muito melhor que a dos dias anteriores, que era de 10 minutos por km, apesar que o terreno agora era melhor e a mochila leve. Mas eu sempre fui atleta de muita força na chegada, essa é uma característica que eu gosto em mim, cresço muito em final de prova.

Após passar pelo último check point eu vinha na sexta posição, apenas com os tops na frente já com grande distância sobre mim. Resolvi então olhar para trás e ver como estava a situação e para minha surpresa eu não enxergava ninguém a uma distância muito grande. Mantive o ritmo forte e cheguei em Alter do Chão abaixo de 3 horas. Fui recebido com muito aplauso, fotos e carinho dos amigos que fiz. No final das contas ganhei 2 posições no geral e 1 na categoria masculina, valeu a pena o esforço.

Fiquei sentado na praça, tomei 10 coca-colas, 4 águas e 6 picolés, foi muito bom isso.

A Jungle Marathon foi uma experiência incrível apesar de toda minha experiência em corridas de rua e em mais de 70 provas de corrida de aventura. Eu passei por muitas coisas novas. Conheci muita gente legal, fiz várias amizades e passei a dar muito mais valor a coisa do tipo: cama, comida e bebida gelada.

Fazer uma ultramaratona dentro da selva amazônica não é pra qualquer um. Não foi a coisa mais difícil que eu já fiz, mas com certeza está no topo. Prova muito dura e estratégica. O terreno era totalmente irregular e os pés ficavam boa parte do tempo molhados.

Venci mais este desafio, minha primeira ultramaratona aos 39 anos de idade e terminei em 5º lugar, sendo o melhor brasileiro colocado. Estou muito satisfeito.

O esporte é uma filosofia de vida pra mim e foi através dele que cresci como atleta e também como pessoa.

Até o próximo desafio.

Prof. Marcelo S. Santos
Atleta de corrida de Aventura

Marcelo S. Santos
Por Marcelo S. Santos
22 Out 2009 - 20h51 | geral |
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