Após a cerimônia de entrega de prêmios do Campeonato Mundial 2013 na Costa Rica nossa equipe recebeu belas pulseiras do organizador do mundial a ser realizado no Equador no ano seguinte. Ficamos em segundo lugar, sendo a primeira vez entre os top 3 do mundo e então decidimos colocar as pulseiras como um compromisso de toda a equipe com a próxima edição da corrida de aventura mais importante no mundo. O AR World Championship é o evento onde as melhores equipes se encontram e se desafiam através de alguns dos terrenos mais difíceis que qualquer humano possa imaginar passar durante uma competição. É definitivamente a corrida do ano! Portanto o acordo seria que treinaríamos duro durante um ano para sermos ainda mais competitivos em 2014!
Um ano se passou e estávamos juntos novamente para outro Mundial. Conseguimos a inscrição ao vencer o Untamed New England, em Maine – EUA, o que nos deu um pouco mais de confiança para esta edição no Equador. O grande desafio deste ano seria a altitude. Nenhum de nós vive acima de 500 m de altitude … então pode-se imaginar o quão difícil seria para fazer uma boa aclimatação para as seções de alta montanha da corrida. Reservamos nossos voos com antecedência e só poderíamos viajar ao Equador oito dias antes da largada, o que realmente não seria suficiente para uma boa aclimatação. Todos nós temos compromissos e ficar um mês antes da corrida no Equador não era uma opção viável. Afim de tentar superar este curto período de aclimatação, eu, Urtzi e Marco nos reunimos na região de Yosemite, Califórnia, para uma semana de treinamento intenso em altitudes de 2500m a 3800m. Acredito que foi muito útil e passamos um tempo incrível desfrutando das melhores trilhas de Sierra Nevada. Jon Ander também fez algumas seções de exposição hipóxia com máscaras em Mallorca, onde ele vive.
Quando nos reunimos em Quito tínhamos uma boa idéia do que teríamos pela frente, já que o organizador divulgou o perfil de altitude e as distâncias de cada seção com antecedência. Isso nos ajudou a moldar os últimos treinamentos e aclimatação para a corrida. Nós fomos muito cuidadosos na semana anterior, indo para alta altitude apenas para algumas caminhadas leves, sabendo que qualquer treino mais forte durante estes dias sacrificaria um ano de treinamento e preparação. Observamos que muitas equipes estavam fazendo muitos treinos em altitude, mas acreditávamos que não poderiamos fazer o mesmo considerando nossas circunstâncias. Em Quito, ficamos em uma casa muito agradável alugada da corredora equatoriana Maria, onde pudemos organizar nossos equipamentos e descansar confortavelmente. Antes de ir para o hotel oficial da corrida terminamos nossos kits de corrida e comida e tudo estava embalado e pronto. Passamos calmamente pela checagem de equipamentos, cerimônia de abertura e todas as outras fases anteriores à corrida. Alguns competidores estavam apostando em nós e como de costume, apenas pensei que seria muito difícil ficar entre os Top5 considerando o alto nível de preparação de pelo menos 6 ou 7 equipes.
A Corrida – 700 km dos Andes para a Costa através Amazônia
Na noite anterior trabalhamos um pouco sobre os mapas, lemos o race book e juntamos nossas coisas para pegar o ônibus logo cedo e seguir para a largada. Foi a primeira vez que eu dormi muito bem antes de uma corrida importante, o que talvez fosse um bom sinal! A corrida começou com 30 km de trekking em quase 4000 m de altitude, subindo a quase 4500 m, o que foi o maior desafio para a nossa equipe. Eu não me sentia bem ao correr nesta primeira seção e Jon Ander tinha torcido o tornozelo três dias antes da largada, por isso seguimos muito lentos durante esta seção, apenas tentando fazer uma boa caminhada para sair dessa altitude o mais rápido possível.
Felizmente chegamos na transição na sétima posição, juntamente com outras três equipes. Fizemos uma transição muito rápida e começamos o downhill com nossas bicicletas. Ficamos muito desapontados em ter uma longa descida em asfalto!!! Decidimos peladar com as nossas Giant Anthem 27,5 full suspension considerando as descidas rochosas que poderíamos encontrar, portanto esse asfalto não era o que esperávamos… mas de qualquer maneira, eu estava muito feliz por conseguir respirar melhor conforme descíamos. É impressionante o efeito da hipóxia em nossos corpos, especialmente em uma competição.
Fizemos uma boa navegação nesta seção de 67Km de bicicleta e terminamos diminuindo a distância das equipes à nossa frente. Nossa transição foi rápida mais uma vez, pegando um pouco de comida para se alimentar no meio de uma longa seção de trekking em subida. Trocamos posições com as equipes Tecnu, Adidas Terrex e Raidlight durante este trekking na selva. Foi uma seção divertida porque tivemos que manter os olhos abertos para não perder a boa trilha que tínhamos que seguir para chegar no topo da montanha, onde a área de transição para outra seção de mountain bike estava localizada. Urtzi fez um bom trabalho, como de costume, e conseguimos deixar as outras equipes para trás no final desta seção.
Quando chegamos no AT3, onde iríamos pegar nossas bicicletas para ir novamente até quase 4000 m, vimos que apenas duas outras equipes tinham chegado, percebendo que algo estava errado … 10 min depois chegaram as equipes Seagate e Silva, o que era difícil de entender porque eles estavam na nossa frente. Como ficaríamos apenas 1 hora por lá, fizemos a transição o mais rápido possível, tomamos um pouco de sopa quente (Chris Forne roubou minha sopa !!!) e dormimos um pouco. Deixamos este AT quase 40 minutos atrás da equipe da França e a equipe do Equador estava quase pronta para sair depois de nós.
A subida da montanha após o AT foi sofrida, porque estávamos com muitas roupas e ficamos com muito calor. Então começamos a suar, esfriou e tivemos que colocar mais roupas. Começou a chover e nós literalmente congelamos nossos traseiros na descida. Queríamos começar a descer o mais rápido possível. Ao mesmo tempo, ficamos muito contentes em ter nossas bicicletas com full suspension, o que fez desta estrada cheia de pedras muito confortável! Quando chegamos a uma certa altitude em que mantivemos por um tempo, começamos a ficar mais lentos. Parávamos para tudo e começamos a perder muito tempo. Ficamos surpresos que a equipe do Equador não nos tivesse alcançado, mas eles certamente chegariam. Na verdade nós os vimos quando estávamos perto de um PC virtual, o que nos ajudou a acelerar um pouco. Mas então, eu tive um pneu furado … e perdemos uns 10 minutos arrumando. E ele não ficou rodando direito, então eu reclamei por mais 6 horas até a próxima área de transição. Pouco antes de terminar esta seção dolorosa de bicicleta vimos as equipes Tecnu e Equador, que estavam mais ou menos 20 minutos atrás de nós. Então fizemos o máximo de força possível e acabamos fazendo um bom trabalho, uma vez que eles chegaram quase uma hora depois no AT4.
Esta foi uma área de transição triste, pois foi onde recebemos a notícia de que tinhamos que parar por quatro horas como penalidade por não seguir as instruções complicadas do race book, referente à seção 3 da corrida. Ficamos muito decepcionados, mas também surpresos como todas as equipes, exceto a Seagate e outra, estavam recebendo a mesma penalização. Eu nunca vi isso na minha vida como corredora de aventura: todas as equipes recebendo uma penalização significa que todo mundo deixou de seguir algo que talvez não estava muito claro ??? !!!
Muito estranho e decepcionante, mas decidimos não gastar mais do que cinco minutos pensando sobre isso. Decidimos pagar apenas uma hora nesta transição e seguir o mais rápido possível para tentar passar pelo dark zone. Sabíamos que ia ser muito difícil, mas nós tinhamos que tentar! Fizemos uma boa seção de trekking e nenhuma equipe nos alcançou.
Chegamos na transição seguinte nos sentindo muito bem e paramos para as 4 horas de penalização. Era a chance de nos recuperar um pouco antes da seção de 160 Km de Mountain Bike que seria decisivo para passar ou não pelo dark zone. Durante o nosso descanso vimos a equipe da França tentando sair sem pagar as 4 horas, o que foi uma idéia muito ruim, então tentamos convencê-los a não sair. Ninguém concordou plenamente com tal penalização, mas ela foi aplicada e tivemos que lidar com isso.
Saímos desta transição algumas horas após a Seagate, na segunda posição. Tentamos manter um bom ritmo para, mais uma vez, passar pela maldita Dark Zone que dividiria a corrida em dois. Nós infelizmente cometemos pequenos erros de navegação e tivemos problemas mecânicos, o que nos custou quase 2 horas no total … Nos mantivemos em movimento e com muita esperança, nós realmente queríamos chegar na transição para a seção de rio o mais rápido possível … E conseguimos !! Perto da 07:00 estávamos nos aproximando da área de transição, muito cansados, mas felizes com a possibilidade de entrar no rio. Decidimos parar por uma hora para comer e fazer uma boa transição. Decidimos não levar provisões extras porque queríamos entrar no rio antes do horário de corte. Corremos e caminhamos o mais rápido possível para chegar e seguir rio abaixo !!! Mas foi divertido. Era uma seção linda e muito boa para dar um pouco de descanso para as pernas também. Por volta das 16:30 nos aproximamos do fim do rio, yeahh !!! Tínhamos conseguido e sabíamos que talvez uma ou duas outras equipes também conseguiria. Isso dividiria a corrida e poderíamos ficar entre os Top 3, se tudo corresse bem até o final da corrida, é claro…
Carregamos nossos barcos para a transição, montamos nossas bicicletas e partimos para uma seção estimada de 4 horas até o céu! Foi uma longa subida, que parecia muito mais longa porque queríamos muito ter comida quente e algumas horas de sono. Estávamos usando os mesmos shorts de bicicleta que usamos na seção anterior de 160Km de MTB e no rio, então cada minuto sobre a bicicleta era muito doloroso naquele momento. Tínhamos ainda uma parada obrigatória de 5 horas na transição, que nos serviu perfeitamente para encarar o trekking na lama pela Amazônia. Encontramos uma boa comida quente, nos limpamos e dormimos como como bebês até que todas as horas de parada obrigatória foram esgotadas. Então partimos para as supostas 16 horas de trekking nos sentindo novos. O GPS estava pronto, embora o que realmente queria era ter mais opções de navegação para tentar ganhar tempo e talvez mudar nossa posição na corrida. Estávamos em segundo lugar, mais de 2 horas atrás da Seagate, e a equipe da França vinha muito perto na terceira colocação. Éramos as únicas equipes que tinham passado pelo Dark Zone. Todas as outras estavam dormindo no rio ou em transições anteriores.
Passamos pela lama da melhor maneira possível. Claro que foi um pesadelo para todos, mas realmente não foi a pior experiência. Até comemos um pouco de cacau no meio do caminho, que aliás, estava delicioso! Ficamos espantados, especialmente Urtzi, em ver como as pessoas vivem em áreas tão remotas. Aquelas famílias por quem passamos precisam caminhar por muitas horas na lama para conseguir acesso a qualquer coisa que necessitem exceto água, cacau e comida básica que possuem em suas casas na floresta. Ficamos contentes em ouvir o Mono Carvoeiro, um macaco muito barulhento encontrado normalmente nas florestas tropicais. Os milhares de sons da floresta fez a nossa experiência mais positiva também. A Amazônia é realmente apenas para algumas pessoas.
Após quase 14h, creio eu, chegamos à última transição, cansados, cheios de lama, mas felizes por estar fora da floresta. A primeira coisa que fizemos foi procurar por comida quente e mais uma vez encontramos o melhor frango com arroz e sopa quente, o que nos encheu de energia suficiente para entrar nos barcos e remar até a linha de chegada. A última seção de caiaque poderia ser fácil, dependendo do horário.
Começamos em torno das 3 ou 4 horas da tarde, por isso tivemos a maré contra em boa parte da seção. Tentamos nos manter acordados e motivados para fazer este último esforço. Ainda pensávamos que a equipe francesa estava logo atrás de nós, por isso não podíamos desistir e continuamos a fazer força. Fomos muito bem até o primeiro PC, mas a partir de então foi muuuiiito longo. Eu estava com muito sono, não conseguia remar sem cair. Eu realmente precisava dormir !!! Mas não havia outra opção a não ser seguir em frente.
Entramos em um canal sem água devido a maré baixa e foi horrível o esforço extra necessário para empurrar os caiaques. Por outro lado foi bom sair do caiaque e andar um pouco e acordar! O último PC foi complicado porque estávamos no local certo, mas alguém o removeu. Tiramos uma foto do lugar e continuamos em frente. Chegamos na costa e parecia um milagre. Ainda estávamos na segunda posição, mesmo nos movendo como zumbis nas últimas horas.
A Seagate já tinha cruzado a linha de chegada há um tempo e então foi a nossa vez de terminar a jornada. Terminamos como vice-campeões no AR World Championship pela segunda vez consecutiva.
A cada ano esta corrida parece ser cada vez mais brutal. Os organizadores tem orgulho em sediar o evento e quer ter certeza de que todos os atletas recebam sua dose de dor. Nos tirou muita energia percorrer todos esse quilômetros no Equador … mas tudo valeu a pena! Cruzamos a linha de chegada felizes e saudáveis!
Nós não teriamos feito isso sem muitas pessoas. Em primeiro lugar gostaríamos de agradecer aos nossos patrocinadores: Columbia Sportswear, Bicicletas Giant, SKINS USA, Nutrisport, Darn Tough Vermont, Spiuk, Nordenmark Adventure, Light & Motion, Epic Kayaks, Quickspeed, Camelbak, Rollerblade, Seland, Breakaway Training e No Tubes.
Também um agradecimento especial à nossa fotógrafa Juliana Povoação, que nos seguiu durante a corrida, tirando e postando belas imagens para que nossa família e amigos pudessem nos ver durante a corrida.
E um agradecimento especial a todos os outros competidores que tiveram tempo e coragem para mergulhar nesta aventura com a gente. Sofremos muito, mas amamos isso!