Dias melhores – relato de Fernando Nazário, campeão dos 114km do Ultra Fiord 2015 – Adventuremag

Vivemos esperando o dia em que seremos melhores, melhores no amor, melhores na dor… Assim, na certeza que se não fosse eu, ninguém iria por mim, segui para a Ultra Fiord em paz espiritual e feliz com a idéia de concluir a prova, pois era uma distância que nunca havia competido antes. Durante meus treinos em minha cidade, procurei meditar e pensar no que poderia encontrar na Patagônia. Doce ilusão em tentar imaginar o que esperar do organizador de uma das corridas de aventura mais selvagens e desafiadoras do mundo em uma ultramaratona de montanha?

Fernando Nazário faz reabastecimento na Ultra Fiord 2015
Foto: Leandro Chavarria – CzPhoto.com.ar

Assim, largamos às 8:30hs com o tempo fechado e muito frio. O ritmo era forte e no terceiro quilometro atravessamos um rio de degelo com água no peito. Deu inicio então à companheira de longa corrida: lama e mais lama. Os primeiros 30 quilômetros foram muito técnicos, passando bosques com muito barro e plantas encharcadas no chão. Mesmo assim os cinco primeiros colocados das categorias 70k e 114k passaram muito próximos um dos outros, todos abaixo de 3 horas.

Encontrei neste momento minha primeiro saco de reabastecimento (drop bag) que continha um refil de hidratação com isotônico, um saquinho com géis, pão com nutela, pão com goiabada e uma palha italiana. Comi um macarrão oferecido pela organização e fui ajudado pelos staffs a manusear minha mochila, pois devido ao frio minhas mãos estavam sem sensibilidade. Sem perder muito tempo, abasteci minha mochila com as comidas do saco de reabastecimento ao mesmo tempo que corria.


Foto: Rodolfo Soto

Pensei que estivesse em segundo lugar no percurso de 114K, mas estava liderando e esse pensamento ao longo da corrida sumiu, pois começou a parte mais dura da competição. Recordo que eu e o Marcelo Sinoca (competidor dos 70K) estávamos juntos, com energia e rindo no trecho entre os quilômetros 30 e 35, que foi de subida muito forte e rasgando mato com espinhos usando as pernas.

Passado este trajeto a atleta brasileira Manuela Vilaseca, com seu fantástico trekking de subida, "cola" em nós e começa a dar o ritmo. Eu havia deixado os bastões de caminhada no Km 30 e usei a força e seu pace para seguir junto entre tombos e afundando os pés na neve até os joelhos. Minha coxa queimava, mas a visão que eu tinha era mais forte que a minha respiração.

Começamos a descer e a nos ajudar com a orientação das marcações no glaciar e no Km 45 entramos novamente num bosque. No bosque pensávamos apenas em correr, sem falar nem conversar, na cabeça apenas o quilômetro 70. Chegando lá limpei os pés, troquei de tênis, comi macarrão e recebi a energia de todos falando que eu era o primeiro colocado. Reiniciei meu GPS e "START", comecei meus últimos 44km de corrida.

No Km 90 um ônibus que seguia para a chegada me informa que o segundo colocado, o inglês Matt, estava próximo. Diante desta informação a cabeça ferveu e eu, que fui pra completar a prova, não queria mais perder. A bateria do meu GPS acabou, comecei a andar em uma subida e aproveitei para me hidratar e comer. Procurei prestar atenção no momento, estabelecendo um relacionamento responsável e harmonioso com minha própria mente, tentando não pensar no passado e nem no futuro exercendo o poder do agora.

Correndo forte novamente, no Km 95 comecei a enxergar as luzes da cidade e ser escoltado por uma caminhonete da organização, que foi um ótimo marcador de ritmo. Aproximadamente no Km 105 apareceu outro carro, desta vez dos Carabineiros do Chile, que segiu na minha frente com as luzes ligadas.

Estes carros renovaram as minhas energias e chegando na cidade vi a placa escrita "Bien venidos a Puerto Natales" e comecei a chorei de emoção! Jogava as mãos para o céu e olhava pra cima agradecendo este presente de Deus, pensando em todos que me ajudaram a chegar até ali: minha esposa, toda minha família, amigos, alunos, meu irmão e meu cachorro querido. Só pude ter consciência de tudo isso quando visualizei a linha de chegada, olhei para trás e não vi mais ninguém. Os arrepios começaram a surgir novamente, as lágrimas voltaram a cair e toda a emoção foi vivenciada. Esse momento eu descrevo como único.

O que este lugar me traria novamente? Alegria! Nada mais e nada menos que isso, somente alegria. Foi esse o sentimento que senti em um dos lugares que mais amo. Minha proximidade física e espiritual me deu tal alegria que não consigo descrevê-la, apenas sinto sem compreender porque surge. A simples visão e sensação de fazer o que amamos, traz a Felicidade – uma felicidade que até podemos desejar ao passar por dificuldades, dor e sofrimento por aquilo que mais gostamos. Este prazer não pode ser explicado, a alegria que ele traz pode somente ser vivida. Nestes últimos 100 metros foi o que senti.

Outro sentimento foi de agradecimento à toda organização da prova, ao Stjepan, a empresa NIGSA, ao Chile, a Patagônia, Camila, Max e Janaina, os Staffs, meus patrocinadores Midway e Drigalider, meus fisioterapeutas e médico LabsForFit!

Por fim, fica a resposta que para descobrir algo novo deve-se começar consigo mesmo. Deve-se dar início a uma jornada e empreendê-la completamente e em paz, sabendo que você se tornará uma pessoa melhor a cada instante. Muitas pessoas perguntam da dor e sofrimento físico, eu respondo que ela acaba no instante que você ultrapassa a linha da chegada. Mas a sensação de completar esta prova ecoa durante meses. Neste caminho vivo esperando, dias melhores, dias de paz, dias a mais, dias que não deixaremos para trás…

Um trabalhador Brasileiro em busca da Felicidade que a Natureza me trás.

Fernando Nazário de Rezende
Professor Universitário
Preparador Físico e Personal Trainer da Assessoria Science Fitness Club – Uberlândia
Mestre em Educação Física na área de Aspectos Biodinâmicos e Metabólicos do Exercício Físico