Foco no pedal. Relato de Danilo Vivan na Terra da Aventura – Adventuremag

Corrida de aventura é esporte é de endurance. Por isso, especialmente nas provas longas, o ritmo das equipes é cadenciado. Trekking é trekking e quase ninguém corre. Assim, o pedal também é mais dosado. Para quem não está em busca de um lugar no pódio correr num ritmo mais tranquilo permite saborear as paisagens. Praias desertas, paredões montanhosos, planícies que se perdem no horizonte, tudo isso compensa os perrengues e dá um gosto especial. Mas quando se está tomado pela busca de buscar um lugar no pódio, não sobra tempo pra curtir a paisagem. Assim como não existe a opção de ter medo de se enfiar numa cadeirinha de rapel e descer a toda velocidade ou de sentir as câimbras atacando as panturrilhas, como se fossem cães ensandecidos mordendo as pernas. É 'sangue nos zóio' e coração na boca.

Na última etapa do circuito Terra da Aventura, disputado em Botucatu-SP foi assim. O Terra da Aventura é organizado pelo Haka Race e pela Prefeitura local, juntamente com a agência Ecocuesta.

Para mim, seria um desafio diferente. Primeiro porque, embora viva em São Paulo, sou de Botucatu. Participo do Haka Race há quase 10 anos; já corri em várias cidades, mas 'jogar em casa' é especial. Segundo porque sempre competi em dupla e seria minha primeira prova solo. Seria o senhor de meu próprio destino, digamos assim. "Ok, é só pra completar a prova e me divertir", pensei.

Com um frio na barriga, marquei as distâncias no mapa, zerei o odômetro da bike e, às três da tarde pontualmente, me alinhei para a largada. Seriam 25 quilômetros, sendo 15,6 de Mountain Bike, 4,5 de trekking, dois quilômetros de water trekking e 10 metros de rapel.

O nervosismo pré-largada sempre produz uma tensão nos competidores que explode em energia nos primeiros metros, com o grupo todo correndo ou pedalando no mesmo ritmo, bem forte. Mas depois que a adrenalina abaixa e surge a primeira ladeira, a multidão se divide em pequenos grupos, conforme a velocidade dos atletas.

A experiência me ensinou que a melhor estratégia nesses momentos é a de ficar no pelotão da frente, mas sem forçar muito o ritmo. Isso permite guardar energia para um eventual ataque aos líderes quando todos começam a cansar. Permite, também, herdar a liderança nos momentos quando alguém se perde com os mapas. Um corolário das corridas de aventura é o de que um dia você vai errar o mapa!

Fiel a esses princípios, segui marcando outros competidores que estavam pedalando mais forte. Não sabia exatamente em que posição estava; a estrada de terra serpenteava por um vale lindo e não era possível adivinhar se, nas curvas mais adiante, havia mais gente. Imaginava ser o último do primeiro pelotão.

Haka Race

Mas me animei quando chegamos à primeira AT (Área de Transição), onde trocaríamos de ciclismo por trekking. Havia só cinco bikes estacionadas ali. Eu estaria em sexto. É nessas horas que bate a sensação de que dá pra conquistar o pódio. Resolvi apostar tudo. Daquele momento em diante, não me daria descanso. "Estou no páreo", pensei, me sentindo um personagem de filme de ação, meio clichê. Berrei 'cinco!', meu número de inscrição, pro fiscal do AT pra registrar a passagem e praticamente atirei minha bike no espaço a ela destinado, iniciando uma corrida sufocante por um trecho de subida que vinha logo à frente.

Como corrida não é meu forte, trotava o quanto aguentava e, em seguida, caminhava um pouco. Mas logo em seguida, voltava a correr. Perdi algumas posições. Depois de algum tempo, 'peguei carona' com dois atletas da vizinha cidade de Pardinho que estavam num ritmo mais forte. Seguia-os com o coração na boca, mas me forçaria a ir um pouco mais rápido. Como eles eram dupla e eu solo, não estávamos concorrendo.

Logo, entramos num single trek no meio da mata, com várias descidas em meio a erosões. Felizmente – e graças às sessões de fortalecimento recomendas por meu treinador, Murilo Ravanini -, me sinto confortável nesse tipo de terreno e consegui encaixar um bom ritmo, despencando ladeira abaixo e passando algumas equipes. Passamos por um PC e logo, estávamos correndo numa estrada de terra mais ampla. Sofria para acompanhar as duplas próximas, mas com foco e lembrando dos treinamentos, consegui me manter relativamente próximo. Chegamos ao AT para pegar novamente as bicicletas. Devia estar entre os 10 mais bem colocados, calculei pelo número de bikes paradas ali. Pulei sobre a Mountain Bike e dei início a mais um trecho.

Como pedalo todos os dias pra ir ao trabalho, o ciclismo é o esporte em que me sinto mais confortável. Tratei de imprimir um ritmo forte, forçando nas subidas e nas retas e controlando nas descidas – como havia muita areia, o risco de queda era alto. Fui deixando pra trás diversas equipes.

Chegamos ao rapel, uma ponte férrea de 10 metros sobre o um riacho. Normalmente, como são poucas vias de descida para muitas equipes, formam-se filas de atletas. Mas, surpresa, ninguém na fila, o que só reforçava minhas suspeitas de que estaria entre os líderes. Perguntei ao responsável pelo rapel quantos atletas da categoria solo já haviam passado por ali. A resposta: "Você é o primeiro". Como não gosto de altura, sempre deixo essa modalidade para o André Siqueira, meu parceiro de equipe. Mas ouvindo aquilo, comecei imediatamente a vestir a cadeirinha do rapel. "Agiliza, agiliza!", berrei prá equipe de staff equipar. Passa pé na corda, agarra na borda da ponte, aperta a cadeirinha…a tensão da altura se misturava com a ansiedade de chegar logo lá embaixo e defender minha liderança.

Cheguei no riacho com as luvas quentes pelo atrito do equipamento. Corri com água na altura da canela, buscando o PC que estaria escondido no meio da mata e atravessando uma série de cercas de arame farpado. Mais um tempo e um baita esforço, vi a fiscal de PC num barranco. Gritei meu número e comecei a voltar à ponte do rapel, último PC antes da linha de chegada. Quase imediatamente, cruzei com outro atleta da categoria Solo, muito próximo. A tensão subiu.

Descobri que conseguiria ir mais rápido subindo por um barranco à esquerda e correndo por um descampado que margeava o rio. No pasto, conseguia, de fato, correr.

Cheguei à ponte, gritei meu nome ao fiscal e peguei a bike, desesperado. Faltariam dois quilômetros e estaria defendendo minha primeira posição em meu ambiente, a bicicleta.

Nessas horas, é importante, mas difícil manter o foco. Olhei pra trás seguidas vezes e não vi o segundo colocado. Então, a cabeça começou a viajar, me fazendo pensar em como seria a comemoração da chegada. Como Usain Bolt, com os braços paralelos voltados pro céu? Como um tenista comemorando um ponto, com os punhos cerrados? Como um ciclista de speed, com os braços abertos? Caramba, não era hora pra isso! Concentração, Danilo, concentração! Foco no pedal!

Última curva e vi o pórtico de chegada. Não, não perderia. Subitamente, me ocorreu que teria de ter assinado a planilha no último PC, o do riacho. Se fosse a regra, ganharia, mas não levaria. Adeus pódio. Mas estava perto demais da chegada pra perder tempo com bad feelings. Abri os braços como ciclista de speed e cerrei os punhos como um tenista. Não era preciso assinar o PC.

Além do troféu, levei prá casa dois enormes cortes no pulso direito que só fui perceber depois de cruzar a linha de chegada (provavelmente, resultado de um arame farpado), além da impressão de que estar possuído é uma dessas sensações únicas que esporte proporciona.