Por Cledison Silva
Em 2004, mais precisamente no dia 21 de outubro, nascia Luísa. Sete meses depois, no colo da mãe, me ajudava a concretizar um sonho pessoal: organizar a primeira corrida de aventura do norte do estado do Rio Grande do Sul, a Adventure Race Capingui.
Desde então, foram inúmeras provas, campeonatos, circuitos, muitas viagens e finais de semanas longe dela e sempre tentando explicar o que fazíamos. Somos corredores de aventura, aqueles que gostam de estar junto à natureza desafiando seus limites, buscando dentro de si algo que não se explica, se vive.
Dia 1º de maio de 2016, Papacorrida. Foi este dia e esta prova que escolhemos para que Luísa sentisse o que seu pai e sua mãe sentiam nos finais de semana em que ficava em casa, aguardando o nosso retorno. Talvez a escolha da Papacorrida, para muitos, deva ter sido muito "exagerada", mas a oportunidade era de se divertir e só curtir a Papacorrida.
Quem decide participar da Papacorrida, tem que treinar. Correr, pedalar e "escalaminhar" para ficar a altura desta competição, por que a essência da Corrida de Aventura nasce aqui. E foi com esse espírito que treinamos ou nem apareceríamos por lá. Lembro-me dos nossos treinos, de cada rosto cansado e desanimado, mas em nenhum momento ouvi Luísa dizer, eu não quero ir.
Frio. Nem precisa dizer que até o clima ajuda a Papacorrida ficar com cara de Papaventuras. Seis da manhã escuro e muito frio, largamos para um trekking de 11 km. Corríamos e caminhávamos junto com a maioria dos competidores, subidas e descidas juntos com os mais fortes, sem em nenhum minuto achar que estávamos "passando da conta" no que estávamos fazendo.
Em um erro de navegação da maioria dos competidores ficamos sozinhos com a dupla Crazy and Lost, que de loucos e perdidos não tinham nada. Pensa numa dupla parceira e divertida. Deveriam se chamar Fun and Friends. Passamos a correr juntos até porque tínhamos o mesmo ritmo de prova. Luísa com desconforto abdominal pediu para dar uma parada, mas logo retornamos e os quatro completaram o primeiro trecho da prova em segundo.
Após pegarmos as bikes uma subida e logo morro abaixo. E outra subida e logo morro abaixo. Essa foi a tônica até quando o último trecho foi só subir. Bem, já havia passado aproximadamente quatro horas de prova e as dores abdominais da Luísa só aumentaram, foi quando o quarteto teve que se separar. Com muitas dores abdominais tivemos que parar até que as dores passassem. Abracei a Luísa e ficamos sentados na beira da estrada no sol e apesar das dores, ouvia com todas as letras a minha filha dizer, com lágrimas nos olhos: "Pai, eu não quero desistir". Expliquei que haveria muitas outras oportunidades e que o mais importante naquele momento era que ela melhorasse.
Após uma parada de mais ou menos trinta minutos ela se recompôs. Saímos e logo veio em nossa direção a ambulância e pergunta para ela: "Você está bem? Quer ir para casa ou quer continuar?" E ela responde: "Não, vou continuar!"
Naquele instante vi que nada mais poderia barrar a vontade dela de terminar aquela prova. Fotos na figueira centenária e vamos para a o cânion e a natação. Reencontramos nossos amigos e nos juntamos novamente. Um cânion bem técnico e lá vinha a Luísa, que nem pensou duas vezes em se agarrar bem firme nas cordas e subir cascata acima. Estilo de uma verdadeira Corredora de Aventura experiente.
Determinada, seguimos para a natação, mas não sem antes de passar por um morrinho básico e a "escalaminhada" nas pedras. Enfim a tão esperada natação. Ainda bem que já era meio dia e o sol estava alto. Sem pensar, colete e pouca roupa, parecia uma piscina térmica, sem aquecimento. Devia estar uns 15°C ou menos, mas ali estava a minha guerreira. "Pai, eu consigo, eu vou pode deixar". Com muita atitude e determinação, saímos da água congelante e partimos para a bike novamente. Escolha do trecho equivocado, até porque navegador não erra o caminho, ele comete equívocos.
Retornamos às bikes em segundo lugar. Estávamos ali para terminar a prova e quando falei para Luísa que estávamos a apenas 3,8km para a chegada e que tínhamos chances de alcançar o pódio, nascia naquele instante uma Corredora de Aventura, que sofre, que sente dor, mas nunca desiste.
Vímos quatro duplas mistas a menos de 150 metros de nós. – "Vamos Pai, a gente consegue".
Foram 800 metros de subida, muita subida. Dizia para ela que se quisesse mesmo, a gente consegue, nós treinamos para estarmos aqui e vamos conseguir. Baixamos a cabeça e subimos juntos nos apoiando e sabendo que no final, o que acontecesse, estaríamos satisfeitos.
Recebemos o apoio de Pekeno e do Tonhão, que passaram por nós no fim da subida, e foi quando vi a garra e a determinação aflorar naquela menina. Pedalou e quando faltavam apenas 500 metros para o fim, desabafamos, NÓS CONSEGUIMOS!
Tínhamos uma única certeza no final, teríamos o abraço reconfortante da Graciela e do Leo que estaríam nos esperando. Sete horas e nove minutos de prova, dez minutos atrás dos primeiros e um minuto à frente dos terceiros colocados. Uma desafiadora e muito bem elaborada prova por pessoas que sabem o que é uma aventura.
A 11ª Papacorrida ficará para sempre na nossa lembrança, não somente pelas belas paisagens, pelas trilhas e pelos amigos, mas pelo nascimento de uma nova Corredora de Aventura.
Agradecemos a todos os envolvidos neste grande desafio: Valmir, Rose e Larissa; Laércio e Cláudia; e a quem devemos muito por ter chegado ao fim da corrida, Karin e Sidnei, vocês são pessoas incríveis e fazem parte do nascimento desta Corredora de Aventura.
Obrigado Meu Deus.
Cledison Silva