Exclusivo: entrevista com o maior corredor de aventura da história – Adventuremag

Danilo Vivan, especial para a Adventuremag

Neozelandês Nathan Fa'avae conta suas melhores experiências no esporte, explica como são seus treinos e avalia como as provas de aventura ajudam a encarar as dificuldades

Se existisse, nas corridas de aventura, um hall da fama dos melhores atletas da história (como existe no basquete, por exemplo), o nome do neozelandês Nathan Fa'avae seria presença garantida. Talvez, fosse, inclusive, o primeiro nome a ser incluído nessa lista. Capitão da Seagate, equipe líder no ranking da Adventure Race World Series (ARWS), ele possui um currículo impressionante, com cinco títulos no Campeonato Mundial de Corridas de Aventura (ARWC), tendo, inclusive vencido a prova de 2015, disputada em terras brasileiras, no Pantanal. Também já foi primeiro em provas como Tierra Viva (Argentina) e Wulong Mountain Quest (China) e nas lendárias GodZone (Nova Zelândia) e PrimalQuest (EUA). Um monstro do esporte.

As conquistas de Fa'avae ganham um contorno mais dramático quando se considera que, em 1999, ainda no início da carreira, ele foi sido diagnosticado com fibrilação atrial, problema cardíaco que o obrigou a fazer duas cirurgias, a última em 2014. Nesse ano, mesmo com o problema, ele conquistou o mundial no Equador.

Pra contar essa história, no ano passado Fa'avae lançou uma auto-biografia, Adventurer at Heart (algo como 'Aventureiro de Coração'). Nesta entrevista ao Adventuremag ele fala sobre treinamentos, alimentação e do futuro das corridas de aventura.

Desde o ano passado, você vem diminuindo a participação nas provas. Quais as melhores lembranças que traz das corridas de aventura?
As lembranças são de viagens incríveis pelo mundo e de momentos especiais com minha equipe, seja participando das provas ou simplesmente batendo papo e tomando café em lugares extraordinários.

Qual foi a prova mais difícil de que participou durante sua carreira?
Todas as provas são pesadas quando você entra pra vencer. Mas elas são especialmente difíceis quando se machuca ou quando já começa a competir estando com algum mal estar físico. As provas mais pesadas foram aquelas em que já comecei me sentindo mal ou as disputadas em altitude. Agora, do ponto de vista do percurso, em si, o Eco Challenge 2002, nas ilhas Fiji, foi extremamente pesado, parecido com o mundial do ano passado, no Pantanal.

Sobre as provas no Brasil, quais suas lembranças?
No Ecomotion Pró (2013 – quando a equipe de Fa'avae ficou em Segundo lugar), não fizemos uma boa prova. Lutamos pra decifrar os mapas, tivemos problemas físicos e pra piorar, meu caiaque estava furado. Foi decepcionante. Mas o cenário e a aventura foram incríveis, tivemos momentos especiais. O Pantanal é um lugar especial, um cenário único e selvagem. Nos sentimos privilegiados de poder estar ali.

Seu livro faz sucesso e você tem dado palestras a executivos. Quais as lições que as corridas de aventura trazem para um público de fora do esporte?
Correr aventura me ensinou a nunca desistir, não importa qual seja a dificuldade e isso é importante para a vida. Às vezes, dificuldades podem parecer intransponíveis, mas, se você seguir em frente, é possível que encontre a linha de chegada. O importante é dar um passo de cada vez, mas sempre ter claro o objetivo em direção ao qual você se move. Mesmo que seja devagar.

O número de circuitos de aventura no Brasil tem diminuído. Qual é, na sua opinião, o futuro do esporte?
Acredito que a popularidade de qualquer esporte varia ao longo do tempo. Já vi a popularidade das corridas de aventura mudar pra pior e pra melhor várias vezes desde 1999. Em alguns países elas se tornaram menos populares. Em outros, ganharam popularidade. Na Nova Zelândia elas têm crescido consistentemente, mas às vezes, passam por períodos de estagnação, como atualmente. Mas, no geral, creio que as corridas de aventura tendem a crescer, pois juntam os principais esportes de aventura eu existem, trekking, mountain bike e caiaque.

Como atleta de alto nível, você sempre participou das provas mais longas, de 500, 600 quilômetros. Como mantém a motivação para treinar?
Sendo muito honesto, gosto mais dos treinos do que das provas, em si. Portanto, esse nunca foi um problema para mim: quanto mais longo o treino, melhor. Amo explorar novos lugares, poder me manter em forma e com saúde. Por isso, vejo o fato de poder treinar como um privilégio. Tenho sorte de a vida me permitir pegar minha bike e pedalar por cinco, seis horas seguidas. Mas, claro, no fundo tenho consciência de que pra vencer é preciso investir seu tempo em sessões de treinamento. Odeio perder e odeio chegar numa prova despreparado.

Como são, em geral, seus treinos? A qual esporte costuma se dedicar mais?
Em uma semana normal, treino de 20 a 25 horas. Normalmente, me dedico a dois esportes por dia, totalizando cerca de quatro horas de treino. Também procuro realizar treinos mais longos de vez em quando. Por exemplo, um treino de dois dias de caminhada ou de caiaque oceânico. Meu treino mais longo foi de 62 horas.

Como lida com a parte da nutrição? Possui algum tipo de dieta?
Dou preferência à alimentação natural. Aqui na Nova Zelândia, temos acesso a comida de ótima qualidade, carne, vegetais e frutas, que é basicamente o que eu como. E café. Bebo litros de café!!! Nas provas, geralmente levo comida congelada, produtos da GU (gel) e frutas a que eu possa ter acesso rapidamente enquanto estou competindo.

É comum, durante as provas, o atleta se perguntar: “Meu Deus, o que eu tô fazendo aqui se podia estar tranquilo no conforto da minha casa?” É o que chamamos em português de encarar um perrengue. Já sentiu isso? Como faz pra se manter motivado nessas horas?
Sim! Conforme o final de minha carreira como atleta vai chegando, penso e sinto isso com mais frequência. (Nathan não revela quando pretende se aposentar definitivamente). Corridas de aventura são um esporte pesado, muitas vezes brutal. E nos momentos mais extremos não sinto prazer, diferentemente do que acontece na maioria do tempo em que corro. Costumo encarar de cabeça erguida o sofrimento e os desafios, mas tenho consciência de que preferia estar no conforto de casa com minha esposa, aquecido e em segurança. Por outro lado, toda corrida possui momentos em que você não gostaria de estar em outro lugar do mundo que não ali, correndo, e esses são momentos mágicos. Sou um atleta e amo estar sob pressão nas disputas mais importantes. Amo buscar o melhor de cada integrante de minha equipe e o melhor de mim mesmo. E isso diz respeito à busca constante pela excelência.