autor: Débora Troyano
A uma semana e meia antes do Haka Expedition em Ilha Comprida, me vi sem equipe. Um dos meninos com quem eu ia correr ficou doente e eu não sabia mais o que fazer. Então, do conforto do meu sofá, resolvi que ia solo para a prova de 100km. Fazia tempo que eu estava ensaiando uma prova solo, mas estava sem coragem. E aí, apareceu a oportunidade. E justo essa!
Me tranquilizava o fato de eu ter navegado sozinha no meu primeiro Expedition. Mas estava insegura com a parte noturna. E principalmente de ter rasga mato. Então eu fui com medo mesmo e a minha primeira dificuldade foi o peso. Solo tem que carregar tudo e eu só pensava em como eu iria correr com tudo aquilo. Não ia rolar. Eu ainda teria que largar carregando os remos. Eu ia tentar.
Largamos e teria uns 4km de trekking, pouco mais de 1km de canoagem e mais uns 5km de trekking até o rapel, de onde voltaríamos para mais 25km de canoagem até o encontro com a primeira caixa de apoio, onde eu poderia desovar o vertical, pelo menos! E não é que rolou? Não num pace queniano, mas no trote paquera, pelo menos. Fui além das minhas expectativas (que não eram altas) até o rapel. Aí se deu o primeiro imbróglio.
Débora ao lado do marido Filipe, que correu em outra equipe.
Entrei na fila e quando já estava clipada e pendurada, já descendo, travei. Era alto e exposto. A pedra estava molhada e eu não queria mais fazer aquilo. 85m é muito virtual quando você fala deles na mesa do jantar. Pedi para subir de volta. Era possível no ponto em que eu estava. Mas quando subi, alguém disse que se eu não fizesse o rapel teria que fazer o PC extra, que ficava há uns 5km dali. Comecei a chorar e me senti o lacre do gatorade. Alguém me apressou e eu desci logo, afinal, perdi um tempão naquela fila e ainda teria que pegar o extra.
Sabia que ficaria por último e, muito embora minhas expectativas não fossem altas, eu não queria ficar por último. Não só por competitividade, mas principalmente porque se eu tivesse alguma dificuldade à noite, não teria ninguém atrás de mim para me ajudar. Mas naquele momento minha realidade era aquela e eu, ao invés de reagir, chorava e corria, chorava e andava, pensava no que poderia ter sido e não foi pelo seu medo besta, sua idiota.
No caminho sabático do extra pensava em como eu era azarada por ter tido aquele problema logo no começo da corrida, até que eu me dei conta que… tinha muita corrida pela frente. Aqueles eram os primeiros 10km de uma prova de 100. Você ainda pode ter muitos problemas. E os outros também. É assim que você lida com os problemas da sua vida? Fica remoendo o que já não tem jeito? Então decidi que ia pegar o extra, iria andar um pouco, respirar, me restabelecer, comer muito (pra dar um up na moral e para não parar muito na canoagem) e quando acabasse, eu iria correr até o AT, iria pegar aquele caiaque e iria fazer o melhor que eu pudesse.
E assim eu fui remando sem parar, passando algumas equipes e recuperando do tempo perdido. Cheguei no AT, primeiro ponto de apoio, já anoitecendo. Fiz uma transição lenta, coloquei uma roupa seca, comi bastante e até troquei de mochila por uma seca e menor. Conferi se estava tudo lá algumas vezes e saí de bike. Peguei uma estrada de asfalto e tinha que entrar em uma estrada de terra à direita e quando a encontrei fiz isso sem titubear. Mas logo escutei latido de cachorro grande vindo na minha direção e eu amarelei de novo.
Voltei na esperança de encontrar alguém e até segui um pouco pela estrada para pensar no que eu faria. Tinha certeza que era ali. Então encontrei uma dupla mista, o Christian Guariglia e a Juliana Salviano, com quem segui o restante da prova. Ainda bem, porque tinha muito cachorro naquela estrada. Tinha muita lama também e assim me dei conta que era muito cedo para eu vencer a insegurança da noite sozinha.
A bike foi tranquila, lá não tem altimetria e rapidinho chegamos ao AT para seguir para o trekking. Era pouco mais de 22hs, um horário em que o corpo pede arrego. Sentei para descansar, a Ju me deu uma coca-cola salvadora, comi um pouco e logo saímos. O trekking teria pouco mais de 25 km, praticamente todo em estradão, com exceção do PC9 e 10 que, segundo o mapa, deveríamos sair um pouco da estrada por uma trilha para pega-los.
Estávamos andando num ritmo bom, o PC9 não teve dificuldades. Chegando no ponto de saída para o PC10, encontramos muitas equipes na estrada, contando que estava impossível, era um morro cheio de trilhas de gado que não davam em lugar nenhum. Resolvemos subir mesmo assim e, de fato, estava muito difícil. As trilhas eram bem fechadas e perdemos a referência. Resolvemos voltar e descansar um pouco.
Nos juntamos às outras equipes e deitamos na estrada, esperaríamos amanhecer. Nessa hora pensei no que eu faria se estivesse sozinha. Pensei também que se eu tivesse ficado pra trás, talvez encontrasse com todos eles ali. Razão pela qual meu desespero inicial era uma coisa muito besta mesmo. E assim eu também não conseguia dormir. Então um dos meninos que também não dormia, percebeu luzes no morro. Ficamos olhando, cheguei a pensar que poderia ser o PC. Mas estavam se movimentando. Peguei minha head lamp e pisquei pra eles. Eles gritaram alguma coisa e fomos correndo pra mais perto, tentar ouvir o que eles diziam. Eles disseram que acharam a fita zebrada, marcação da trilha para o PC.
Perguntaram se queríamos subir com eles. Claro que sim! Acordamos os outros e fomos todos. Fizemos um trabalho em equipe. Um ficava guardando a última zebrada encontrada, enquanto os outros varriam os arredores procurando outras zebradas. E assim, depois de umas 2hs, achamos o PC10.
Descemos o morro, felizes, amanhecendo já. Eram mais de 6hs da manhã e faltava mais de 30km ainda! Pouco mais de 10 de trekking e uns 20 de bike. Eu estava totalmente destruída, com milhões de bolhas no pé, muita dor nas pernas. Nossa progressão foi muito lenta no final do trekking e o sono bateu forte. Estávamos dormindo em pé. Paramos meia hora para dormir um pouco, num ponto bem próximo do AT, mas não ia dar pra chegar lá.
Quando finalmente chegamos no AT, pegamos a bike e fizemos o percurso restante, com chuva, lama, urubus e muita dor. Quando entramos na cidade, bateu aquele alívio de estar chegando, mas eu comecei a bater lata, não sabia mais onde estava e não consegui navegar na parte final. Foi o Chris quem conduziu os últimos km e assim, cruzamos a linha de chegada.
Foi uma experiência e tanto! Corri acompanhada a maior parte da prova, mas o fato de estar correndo solo significa que só você é responsável por você, pelas suas decisões, pelas suas emoções, pelas suas dificuldades e frustrações. Em nenhum momento cogitei pedir ajuda porque estava com dor, porque estava triste ou cansada. Só você quem luta contra a sua mente, que a todo momento quer te pregar uma peça, ceder aos anseios do seu corpo, que pede descanso a todo momento, te fazer desistir. Só você tem que buscar se motivar diante de um cenário nada motivador.
Mas como a mente é minha, ela também sabia que isso não ia acontecer assim tão fácil. Ela bem que tentou, mas eu fui mais forte. E somos muito, muito mais fortes do que isso!