Circuitos de trail run ainda podem aumentar no Brasil. Argentinos Diego Zarba e Rody Dómina, da K21, falam sobre os desafios e o crescimento da modalidade – Adventuremag

Os argentinos Diego Zarba e Rodolfo 'Rody' Dómina são veteranos do trail run. Eles comandam a Patagônia Eventos, organizadora do circuito K21. A trajetória de Zarba e Dómina começou em 2000, na cidade de Neuquén, no centro do país, com o Desafío al Volcán Copahue. Em 2009, já consolidado no país vizinho, o circuito aportou no Brasil, quando alguns atletas das corridas de rua começavam a dar suas primeiras passadas fora do asfalto.

Hoje, quase 17 anos depois do lançamento, o circuito conta com nada menos que 30 etapas em oito países: Espanha, Itália, Marrocos, Brasil, Equador, Colômbia, Peru e Argentina. Só no Brasil, serão realizadas de cinco a seis provas, começando pelo Pico do Urubu, em Mogi das Cruzes, dia 04 de março (já confirmada e com inscrições abertas).

Nesta entrevista à Adventuremag, Zarba e Dómina falam das dificuldades de organizar corridas em ambientes tão distintos como o Marrocos e o Brasil, das diferenças entre corredores brasileiros e argentinos e do futuro do trail run.

Adventuremag – Vocês tem notado uma mudança no perfil dos corredores nesses 17 anos organizando provas?
Zarba – O perfil de corredores mudou no que diz respeito aos novatos. Cada vez mais corredores de rua estão participando das provas de trail run e isso é positivo. Mas ainda falta encontrar o verdadeiro nível da elite. Ou seja, falta especialização nas diferentes distâncias, como acontece com as provas de asfalto. Hoje, a evolução parece estar marcada simplesmente por um aumento da distância. Pode acontecer que um corredor fique a vida toda correndo distâncias de 20 km a 25 km porque tem maior condições e nem por isso, será pior que aquele que corre 100 km. Afinal, alguém imagina que Mo Fara, medalhista de ouro nos 5.000 metros e 10.000 metros, seja menos atleta que o Eliud Kipchoge, ouro na Maratona? Mas a mudança só vai acontecer quando o esporte se organizar e unificar, com organizadores trabalhando juntos, quando criarmos maiores e melhores eventos e os aspectos esportivo e de estratégia de evolução forem resolvidos pelas federações. Tudo separado não vai dar certo.

"Pode acontecer que um corredor fique a vida toda correndo distâncias de 20 km a 25 km e nem por isso, será pior que aquele que corre 100 km. Alguém imagina que Mo Fara seja menos atleta que o Eliud Kipchoge?"

Adventuremag – Há uma migração dos atletas das corridas de aventura para as provas de trail run? E no caso dos atletas de rua? Há um interesse maior?
Dómina – A mudança, no caso dos atletas de aventura para trail run é logica, pois a atividade exige menos condicionamento e um pouco menos de treinos. Para os organizadores, é mais fácil organizar uma prova de trail run que uma de aventura; os eventos podem receber maior quantidade de corredores. No caso da migração dos corredores de asfalto, esse é um fenômeno que vai continuar, mas não significa que trail run vá superar a rua. Isso provavelmente nunca vai acontecer, mas temos um enorme público potencial, considerando o tamanho do mercado de corrida de rua. O maior desafio para os organizadores está em garantir qualidade ode organização equivalente à das provas de rua, pois os atletas do asfalto estão acostumados com organizações de alto nível, tanto no Brasil como na Argentina e esse é um padrão que as provas de trail run deverão respeitar para seus clientes. Caso contrário, as experiências negativas poderão ser maiores que as positivas e perderemos mercado. O segundo aspecto tem alta relação com o que expressei antes: a evolução, tanto para corredores de elite como para os amadores, deve estar relacionada não só com aumentar as distâncias. Se fosse assim, nas corridas de rua, as provas de 10 quilômetros seriam só para estreantes e a Maratona de NY seria apenas um passo para correr a Comrades (prova na África do Sul com 80 quilômetros). A tendência de corredores amadores de trail run de partir para distâncias cada vez maiores representa investimento de tempo livre para treinamento, menos tempo para família, amigos, para outras diversões. Temos de entender que o amador não é um profissional e que a corrida é um complemento para dar qualidade de vida. Temo que a tendência de aumentar as distâncias indefinidamente crie experiências negativas e de frustrações.

"Temos de entender que o amador não é um profissional e que a corrida é um complemento para dar qualidade de vida."

Adventuremag – A K21 organiza provas na Argentina, Brasil, Espanha, Itália, Marrocos, Equador, Peru e Colômbia. Quais os desafios de organizar provas em ambientes tão distintos?
Zarba – Nosso desafio é alcançar todos os continentes com provas KSeries, mas mantendo um padrão alto, que seja interessante para outras culturas, identificando elementos que estejam alinhados com nossa proposta de organização e com a filosofia da qualidade, sempre respeitando a condição do corredor e sabendo alinhar a comunicação com os atletas independente do continente em que a prova seja realizada.

Adventuremag – Quais as diferenças e semelhanças dos atletas brasileiros e argentinos, os principais mercados da K21?
Dómina – O corredor brasileiro médio é muito competitivo em relação ao argentino. Isso porque, na Argentina, o esporte tem uma origem mais recreativa, enquanto, no Brasil, ainda temos uma influência maior das provas de rua. Isso não quer dizer que esse ou aquele seja melhor, são apenas diferenças culturais. Os principais mercados para K21, na verdade, não são apenas Brasil e Argentina, mas todos… a verdade é que a ideia da K21 é chegar com projeto a cada região contemplando suas características geográficas e sociais. Por isso, na Argentina temos K21 na Cordilheira dos Andes, mas também uma prova próxima de Buenos Aires que não tem nenhuma elevação. O Brasil tem muitas alternativas interessantes; só precisamos encontrar organizadores interessados em organizar e criar corredores em sua região sem aguardar apenas o público paulista e carioca. Há espaço para todos.

"O Brasil tem muitas alternativas interessantes para os organizadores. Só não podemos pensar exclusivamente nos públicos paulista e carioca."

Adventuremag – Depois do boom das corridas de rua, o trail run é uma tendência mundial? É uma tendência na América Latina?
Zarba – É uma tendência mundial com características particulares em cada pais. O esporte teve origem na Europa, mas acho que nos últimos anos a evolução na América do Sul tem sido um sucesso.