Devo confessar que a China não estava na minha lista de roteiros de viagem. E vou fazer outra confissão: foi muito mais maneiro do que eu podia esperar! Desde minha chegada a Tengchong até a partida tive uma sucessão de ótimas surpresas.
Entrei na China pelo aeroporto de Kunming e, em seguida, voei para Tengchong. Minha expectativa era encontrar alguém me esperando com uma plaquinha com meu nome. Não tinha plaquinha. Em vez disso, ouvi meu nome! Era a Zoe, da organização da prova, que estava me esperando para me levar para o hotel.
Logo após minha chegada ao hotel fui recebido pelo simpático Chris Kostman, diretor da famosa BadWater, ultramaratona de 217km (135 milhas) no Vale da Morte, na Califórnia, prova que corri em 2009. Ele é também o co-diretor da Mt. Gaoligong Ultra.
Conheci outros atletas que iriam correr a prova, e jantamos todos juntos. A comida certamente é uma das experiências mais marcantes da viagem. Precisa abrir um pouco a mente e experimentar novos sabores. E mesmo vegetarianos ou veganos terão incríveis experiências.
No dia seguinte, resolvi dar uma corridinha para aclimatar e tirar o ranço da longa viagem. Saí por volta das 6h40. Ainda era noite fechada, pois, em novembro, ainda amanhece por volta das 7h30. Ouvi uma música ao longe e resolvi ver o que era. Vi uma cena típica de filme: uma praça com uma galera praticando Tai Chi Chuan, incrível e inesquecível. Parei minha corrida e fiquei ali parado, admirando a cena que parecia ter milhares de anos.
Durante o dia, fizemos uma visita turística até a região da chegada da prova e também a um centro de águas termais. À noite, fomos a um show sobre a história desta região.
Entre os corredores estava Bob Becker, um americano de 71 anos, que ficou emocionadíssimo, já que seu pai era aviador durante a Segunda Guerra Mundial e tinha participado de batalhas exatamente naquela área. Ele dizia que olhava para cima e lá estava seu pai, voando pelos céus.
No dia seguinte, visitamos um vilarejo ancestral e mais tarde, finalmente… o briefing da prova.
Isso nos pegou de surpresa. Ninguém podia esperar aquela grandiosidade. Um kit de prova com muitos produtos e de excelente qualidade.
Um profissionalismo muito grande e um enorme cuidado com a segurança dos atletas: foram quase 130 médicos e outros quase 130 resgatistas, além dos incansáveis e gentis voluntários, que procuravam nos ajudar em tudo.
Mais tarde, um jantar de boas-vindas com atletas, organizadores, patrocinadores e membros do Comitê Olímpico Chinês. Voltamos para o hotel para terminar de preparar a mochila e os equipamentos.
Finalmente, no dia seguinte pela manhã, a largada. Mais uma vez, fomos surpreendidos. A largada foi um show, com direito a um locutor que parecia apresentador de UFC.
E aí, a prova. Linda e dura. 168km em até 36h. A altimetria, com as subidas e descidas, chegava a cerca de 8.800m positivo e quase o mesmo para baixo. E com uma diferença das Ultras a que estou acostumado: todos os Postos de Controle tinham horário de corte. Ou seja, se chegasse após o horário limite daquele PC, não poderia continuar na prova. Deixo aqui umas fotos, pois serão melhores que palavras.
Após umas quatro horas de prova, talvez devido ao calor excessivo, comecei a ter náuseas e não conseguia mais comer. Apenas bebia água e um pouco de Coca-Cola nos PCs. Assim, passei a ficar mais lento. No PC 6, com cerca de 64km de prova, podíamos optar por seguir em uma prova mais curta, com 124km. Escolhi seguir em frente, no planejamento original dos 168km. No 98,6km, acabei estourando o tempo em alguns minutos. Ali tive que parar.
Não concluir uma prova é algo duro. Mas, uma das coisas que fazem com que as provas ao ar livre sejam tão sedutoras é o imponderável. A experiência como um todo, foi um sucesso. Como posso reclamar da oportunidade dessa vivência? Do crescimento pessoal? Dos amigos que fiz? De ver o mundão lá fora? Então, agradeço a todos que tornaram e tornam essas experiências possíveis. E que venha muito mais!
Abraços e bons ventos!
Fotos: Mauro Chasilew e Alexis Berg (www.grandtrail.net)