Ao retornar ao Brasil, não me sai da cabeça os lugares por onde passei, as trilhas pelas quais percorri, as montanhas que subi. As vistas incríveis do El Origen Aconcágua 2019 ficarão guardadas pra sempre na minha memória, às quais não sei se terei outra oportunidade de ver.
Esta foi a 5a vez que participei do El Origen, uma prova de trail run com 3 etapas consecutivas. A prova possui três distâncias: 30km, 60km e 100km. Ao longo de três dias fazemos percursos que somam as distâncias totais da prova. O tempo de cada uma das etapas vai se acumulando e o menor tempo é que define a classificação da competição.
Em todas as edições anteriores participei nos 100km, mas neste ano fui experimentar os 60km. Embora eu sempre “brinque” dizendo que “já que vou participar, melhor ir na maior distância para conhecer mais e o desafio ser maior”, desta vez decidi ir em uma distância intermediária por conta de uma pequena lesão no dedo do pé e para me poupar para outra prova na sequência.
As primeiras edições das quais participei foram na Patagônia Argentina, na região de Villa la Angostura, próximo a Bariloche. Em 2018 a prova foi para a região do Aconcágua, com base no Chile. Neste ano a competição aconteceu novamente na região do Aconcágua, mas com base em Penitentes, que fica no lado Argentino. Penitentes é uma estação de esqui (quase desativada pela falta de neve), que fica a poucos quilômetros da entrada do Parque Aconcágua e da fronteira com o Chile.
Com a vivência de quem correu as últimas 5 edições, posso afirmar que neste ano o percurso foi um dos mais técnicos e também de vistas incríveis. Não só o percurso surpreendeu, como o evento em geral proporcionou uma ótima experiência. Problemas do ano anterior foram corrigidos e surpreenderam a todos os participantes.
Neste ano, a hospedagem de todos os atletas foi no mesmo hotel, não tendo a opção de barracas ou alojamentos. Incluso na inscrição da prova estava a hospedagem e todas as refeições nos dias de prova, que por sinal foram gostosas e bem diversificadas ao longo dos dias.
A entrega dos kits aconteceu de forma rápida e sem problemas. O kit do atleta aliás é algo que agrada muito pelo que nos entregam: além das camisetas de prova (uma manga longa e uma curta), recebemos também uma blusa “fleece”, uma camisa térmica “2a pele” e uma mochila de hidratação de 15 litros.
Primeira etapa
Cada dia a prova largou de um lugar diferente, para onde a organização nos levou em ônibus. A primeira etapa teve largada na entrada do parque Aconcágua, conhecida por Horcones, que é o local de início de caminhada para os montanhistas que desejam chegar ao cume do Aconcágua.
Foi uma etapa de 16km com 600m de altimetria positiva. Largamos em um dia de temperatura agradável, com vista para o monte Aconcágua, imponente com seus 6.962 m de altitude em relação ao nível do mar. Neste primeiro dia a altitude da qual largamos é de aproximadamente 3000m de altitude, e subimos até “Confluência” a 3450m, considerada um acampamento intermediário a quem sobe a montanha.
Todo por trilha, conforme íamos subindo passávamos por finos filetes de água e gelo que iam derretendo conforme o dia esquentava. Quando estamos acima dos 2500m, o ar já começa a ficar rarefeito e a sensação de cansaço é em maior. Os batimentos cardíacos são maiores e os músculos não são abastecidos de oxigênio comparado com altitudes mais baixas.
Por isso logo na largada a sensação de cansaço é bem maior. Já no primeiro dias senti as pernas bem cansadas, como se já estivesse correndo a vários dias, mas era somente sinais da atitude. A primeira metade foi toda subida e a segunda praticamente em descida.
Nesta prova, ter um bom resultado na primeira etapa conta bastante para quem está disputando um lugar no podium, por isso acabei forçando bastante, o que me garantiu chegar na 1a posição, fechando a etapa em 1h30 e abrindo uma vantagem de cerca de 11 minutos do segundo colocado.
Segunda etapa
No segundo dia tivemos a etapa mais longa da competição, com 27km de percurso e subida total de 900m. Neste dia corremos 11km por trilhas, em uma leve subida até a base de cachoeira onde se encontrava o primeiro ponto de hidratação. Dali iniciamos uma subida bem íngreme, com cerca de 300m de desnível até o alto da cachoeira, que era abastecida por um belíssimo lago com água de degelo, situado a mais de 3000m de altitude. É um local bastante selvagem de onde avistamos a face oeste do Aconcágua.
Dali descemos por penhascos até novamente encontrar a trilha que nos levou até o ponto de chegada. A boa surpresa que a organização prestou neste dia foi de no segundo ponto de abastecimento. Além de água e Powerade, também era oferecido churrasco aos atletas.
Os 10km finais deste dia todo em trilha, cuja expectativa era de ser mais fácil por ser quase plano, tornou-se muito difícil devido ao forte vento contra que soprou o dia todo. Finalizei a etapa com 2h53min, novamente na primeira posição, abrindo um pouco mais de 20 minutos de vantagem do segundo colocado.
Ufa, que delícia, a tarde toda era para comer, fazer “gelo nas pernas” no rio gelado que passa ao lado do hotel e descansar para a última etapa.
Terceira etapa
Na terceira e última etapa o dia amanheceu bastante frio na casa dos 6o C, com vento mais forte, as montanhas cobertas de névoa e uma fina chuva. Neste dia o percurso foi de 14km com 1100m de subida.
Largamos do próprio hotel, subindo a estação de esqui e a partir de lá continuamos subindo em trecho praticamente sem trilhas, sempre seguindo a marcação da prova. Por um trecho corri em meio às nuvens, até que próximo ao cume, o presente do dia: as montanhas se abriram, era possível se avistar a maioria dos cumes, que estavam para cima das nuvens formadas naquele dia.
A emoção e satisfação por se chegar aos cumes das montanhas é enorme, é uma sensação fantástica, difícil de descrever, onde somente quem se submete a encarar estes desafios consegue entender. Com uma boa vantagem acumulada nas etapas anteriores frente ao segundo colocado, me dei o direito de fazer em um ritmo um pouco mais confortável e parar no cume para fazer fotos e vídeos.
Dalí para a chegada foi uma longa e divertidíssima descida, trechos entre as pedras e cascalhos e outros trechos por trilhas e caminhos de 4×4.
Por fim, a satisfação de terminar e vencer a prova. Ao cruzar a linha de chegada, rapidamente esquecemos do sofrimento, dos perrengues, da dor, só me vinha a cabeça as boas lembranças da prova e toda a jornada para se chegar até ali nos últimos meses de preparação.
A satisfação é enorme, o pensamento é de “poxaaaa acabou…. queria mais”.
El Origen 2020
Segundo a organização, em 2020 a prova deixará o Aconcágua e será realizada em local ainda não revelado. Mas deixo o lugar com a certeza de que aproveitei o máximo, conheci novos lugares, passei por percursos que nunca imaginei que iria passar e certo de que todo o esforço valeu a pena.
Fico na grande expectativa do anuncio da edição de 2020, onde farei todo esforço para participar novamente.