Foram muitos aprendizados e uma enorme satisfação nos cinco dias em que Sidney Togumi, ultramaratonista e especialista em treinamento desportivo, passou no deserto de Ica, no Peru, para completar a Half Marathon Des Sables – uma das provas mais desafiadoras do mundo com 110 quilômetros em meio a um cenário inóspito. “O percurso em si não é difícil. O que deixa o contexto complexo é carregar mochila pesada, lidar com a restrição de água, não dormir direito”, conta.
A corrida é focada no princípio da autonomia – cada participante é auto-suficiente com sua comida e tem que transportar tudo o que precisa durante o período. A organização só fornece barraca e água – e mesmo assim o líquido é controlado, o que exige gestão minuciosa do atleta.
Os atletas passam cinco dias no deserto, sendo três deles correndo. “No primeiro dia montamos o acampamento, fazemos uma espécie de adaptação e entendemos a dinâmica da prova. Depois temos etapas de 35K, 55K, o quarto dia é off, e finalmente 20K rumo ao pórtico de chegada.”
Dada a largada, Togumi colocou à prova seu planejamento. “Fui conservador e levei uma mochila muito pesada, com cerca de 7,5kg, porque não sabia quanto de frio e quanto de calor iria passar. Isso deixou a primeira etapa mais complicada. Hoje garanto que passaria bem com metade do que levei “, relata.
No primeiro dia, a largada aconteceu às sete da manhã; no segundo, às cinco, o que obrigou o atleta a estar de pé às três da manhã para iniciar os preparativos da jornada. “Era a etapa mais longa, que exigiria uma dose extra de paciência e cuidados. Foi também quando tive problema com bolhas nos pés, por conta de uma decisão errada. Como só tinha um par de meia reserva, posterguei a troca, o que levou a um maior atrito. Mas consegui administrar a situação e não me deixei abater.”
O quarto dia no deserto foi off, com a organização oferecendo algum “conforto” aos participantes da Half Marathon Des Sables: aulas de alongamento e uma Coca-Cola estupidamente gelada brotando em meio ao deserto. “Nesse ponto já tinha entendido bem a dinâmica da prova. O grande desafio não é chegar leve ao terceiro dia, quando já consumimos boa parte do que levamos, mas largar com menos peso no primeiro. De qualquer forma, nessa parada aproveitamos para descartar tudo o que é possível – chinelo, comida que sobrou, itens não obrigatórios – para fazer a última perna bem mais leve.”
Togumi conta que, depois de 90 quilômetros pelo deserto dos dias anteriores, estar há 20 da chegada dá uma sensação de “missão cumprida” e se consegue relaxar um pouco. Mas, ainda sim, é necessário ter cuidado. “Afinal, faltam pelo menos duas ou três horas até o pórtico. Bate uma ansiedade para chegar logo e é preciso administrar isso para não comprometer a conclusão da jornada”, diz.
Embaixador da Saved By Spot, Togumi foi recepcionado na linha de chegada pela equipe latino americana da marca subsidiária da multinacional americana de telecomunicações via satélite Globalstar. “E com cerveja para comemorar! Foi uma experiência muito interessante participar de uma prova no deserto. É um desafio diferente, para atletas de todos os níveis de condicionamento – do iniciante ao expert em trail -, com organização impecável. Recomendo!”
O melhor e o pior
Para Togumi, a pior parte foi lidar com a areia fofa no início da competição, carregando uma mochila pesada. “Assim que larguei, senti o baque. Percebi que iria sofrer mais do que imaginava. No terço final do primeiro dia, tive de administrar o ritmo para não ter câimbras.” Das situações de dificuldade, tirou aprendizados. “Há momentos em que não adianta ter pressa, mas também não dá para parar – temos de continuar em movimento. Nos últimos 10K do segundo dia, por exemplo, percebi que não conseguiria correr, só andar. Poderia tentar, mas a um custo alto de desgaste e pouco ganho de performance. Então criei uma estratégia: fazia de 100 a 150 passos trotando e caminhava 50”, revela.
Já a melhor parte ele considera o acampamento. “Estávamos em um deserto de verdade, com um visual incrível. E a vivência no acampamento, com 600 barracas montadas e agrupadas em grupos de seis cada, interagindo com atletas do mundo todo, foi demais!” Não dá para deixar de destacar também a chegada. “Correndo em meio aquele cenário de areia por toda parte, de longe avistamos o pórtico brotando no deserto. Foi emocionante!”
O atleta concluiu a Half Marathon Des Sables em um total de 18h46m – sendo pouco mais de 5 horas no primeiro dia (35K); pouco mais de 10 horas no segundo dia (55K); e 3 horas no terceiro dia (20K). “Foi dentro do esperado.”
A experiência foi tão positiva que Togumi afirma que existem boas chances de retornar à competição no Peru em 2020. No momento, o atleta e treinador já retomou suas atividades junto à assessoria UPFITRAIL, especializada em trail running, com a programação de consultoria e treinamento de seus alunos. Também está estudando o calendário de competições da próxima temporada – que tem confirmada a Val d’Aran by UTMB, com 170K nos Pirineus, em julho.