Saio do aeroporto de Ushuaia e logo já percebo o frio que faz na região, um vento forte mostrava o real significado do que é o vento patagônico. Pego um táxi e vou até o Hotel onde estava hospedada e muito convidativo ficar ali em uma temperatura agradável olhando por toda cidade e o Canal de Beagle.
O celular não para de receber mensagens dos que já se encontravam na cidade e logo desço a pé para ir se acostumando com a região. Uma paisagem de outono encantadora, entre verde, dourado e as montanhas de neve me deixava mais encantada. Almocei em um local bem típico com carne argentina. Bem, agora é entrar no clima e retirar o kit.
O local de retirada era dentro de um hotel onde cada bancada fazia um tipo de checagem, nome, documento, certificado médico, seguro, mochila com itens obrigatórios, camiseta e um fleece da prova. Aquele monte de corredores e familiares envolvido pela primeira vez no UTMB Ushuaia.
Tudo em mãos e um sorriso logo me envolve. O coração dá uma acelerada e respiro fundo para acalmar, porque esta é uma prova especial: minha primeira prova fora do meu país.
Pré-prova
Sexta-feira amanheceu chovendo. Tomei um café da manhã maravilhoso e coloquei minha roupa, equipamentos que ia utilizar e saí para percorrer uma parte do percurso da prova que passava bem ao lado do hotel. Saí correndo por uma rua asfaltada e logo entrei em uma trilha, em um bosque; passei por uma ponte com uma fenda bem funda onde passava um rio, o terreno estava com muita lama. Na minha frente encontro mais um brasileiro, também conhecendo a trilha. Subimos mais um pouco e vimos que as marcações já se encontravam presentes e voltamos para o hotel.
Desço para almoçar e neste dia a chuva não deu trégua. Comecei a ficar preocupada com o frio, em ficar molhada, e resolvi comprar uma meia de lã merino, pois me foi recomendada para utilizar nessas situações e a mesma deixa seu pé seco e aquecido. Fiquei receosa em comprar algo que não conheço e utilizar, então resolvi levar as meias que gosto pois caso algo desse errado, teria as de costume.
Arrumo minha mochila com equipamentos obrigatórios e roupas e fui para cama, afinal o dia seguinte seria de se aventurar pela região.
A prova
Acordo às 5:00 e olho pela janela. Vejo que ainda chove… Não, não era chuva… estava nevando!!! 6:30 do dia 06 de abril de 2019, desço da van em Playa Larga, 15 min do centro de Ushuaia. Uma multidão de corredores fazia o mesmo. Caminhando em um estradão onde, de um lado, ouvia-se o barulho do mar, com head-lamps acesas e um frio intenso. Frio na barriga.
Tento me aquecer ao lado do pórtico e logo escuto a contagem regressiva e de fundo a música Conquest Of Paradise. Logo eu me pus a chorar. 7:30 e foi dada a largada dos 50 e 70 km.
Os primeiros quilômetros foi em um estradão. Ainda estava escuro, mas pelo menos já ia aquecendo. Encontro um ou outro e desejo boa prova, em seguida entro em um bosque, onde muitos ainda encontravam-se juntos. O cenário era muito diferente do que já havia vivido e de repente escuto (Togumi): “Fabi, não era isso que você tanto queria?” Eu focada, volto ao momento e começa a cair neve (só para terem ideia, eu rezava para pegar neve, rsrsrsrs).
Ali tudo ia me encantando, as passadas iam conforme o que sentia. Saio do bosque e entro em uma estrada, neste momento fiquei paralisada, tudo era branco, as árvores, o chão e por um momento chorei e agradeci por este momento. A prova voltou para um estradão e assim percorri por um bom tempo.
Bifurcação de prova dos 70 e 50, até este momento vinha com o Togumi e ali eu tinha que seguir. Me sentia confiante e forte e assim fui, motivada e feliz!!! Muita lama por toda extensão e muita neve. Hora era estrada, trilha, bosque, vales cheios de rios e lagos, charcos.
Chego ao ponto de hidratação, vou ao banheiro, tomo um café, reabasteço de água, como batata, tomo palatinose. Se demorasse muito era pior, porque estava quente e lá fora muito frio.
O trecho que percorria (metade da prova) era bem próximo à cidade e o trecho seguinte vinha a parte tão esperada, com altimetria mais elevada, então seguimos fazendo força, agora com mais inclinação.
Neste trecho passei muito tempo sozinha. Pensamentos, conversas e muito aprendizado. De novo escuto uma voz me chamando e vejo meu amigo de escola, hoje fotógrafo, Felipe. Imagine como me fez bem ver alguém que você conhece no meio do nada, o que isso me fez ainda mais forte.
1 km depois começou o trecho de montanha e lá não havia árvores, bosque, somente havia neve, pedra e altas montanhas. Respirei fundo e fui pisando e afundando naquela camada branca. Logo um atleta escorregou, o piso estava em algumas partes gelo! Vi que ficar muito perto de alguém seria arriscado. Me assustei e o medo veio. Um pouco tensa, olho para o lado e o cenário me deixa atenta, todo cuidado é pouco. Sigo alerta a tudo, não sabia por onde andar, pois como estava nevando e ventando, a trilha logo desaparecia.
Olho para a frente, sigo as marcações, olho mais a frente e vejo alguns atletas, me guio. O vento vinha com muita força e por algumas vezes tinha que parar e me proteger dentro de meu anorak. Sabia que havia algum ponto de controle na montanha, mas ainda não o enxergava. Subi olhando a altimetria pelo meu relógio e logo vejo alguns staffs em um vale e um grande lago já um pouco congelado. Verificam meu número, perguntam como estou e continuo seguindo, pois queria sair logo da montanha.
Na minha frente havia mais uma subida e continuei firme. Quando cheguei ao topo, pensei comigo mesmo, ufa! Agora é fácil para descer, porque a neve vai me proteger. Dou o primeiro passo, levo um escorregão e ali se foram meus bastões e eu deslizei montanha abaixo, impossível parar. Quando consegui estabilizar, olhei para trás e para frente e nada me animou. Fiquei com muito medo e só pensei em ter muito cuidado. A descida estava parecendo um sabão.
Me levantei novamente e caí de novo e assim foi toda a descida do Cerro Médio. Num dos últimos escorregões bati meu dedo da mão em uma pedra e senti uma dor muito forte, provavelmente trinquei. Essa descida me deixou muito impressionada, estava muito perigosa, o clima nada favorável e só piorava. Não sabia se pisar fora de onde estava marcado seria a melhor solução, pois não sabia onde estava pisando por tanta neve.
Quando cheguei no final da descida encontrei com um staff de segurança, ele ficou conversando comigo um pouco e disse para eu seguir pois a pior parte havia passado.
Novamente em um bosque, eu já não aguentava mais correr. O que me segurava eram os bastões, pois sentia uma forte dor nos joelhos. Tive que trocar minha luva, porque já não sentia mais meus dedos das mãos. Neste trecho a lama estava muito pior, meu pé afundava muito e resolvi ir caminhando. Logo percebi que conhecia o lugar, finalmente estava percorrendo o final dos trechos em trilha, onde havia feito na sexta. O que me deixou mais tranquila, pois sabia que faltavam poucos quilômetros para acabar.
Entrei no asfalto, parei para conversar com um policial, meu corpo começou a esfriar e segui em um trote, passei pelo hotel, entrei na cidade e logo peguei a avenida que me dava acesso ao pórtico de chegada.
O Ushuaia by UTMB foi a prova de entrada para ver o quanto tenho muito que conquistar. Olho para as montanhas e agradeço mais uma vez pela experiência.