Ainda estou em estado de graça assimilando os 171km percorridos em volta do maciço do Mont Blanc, através das encantadoras e desafiadoras montanhas da França, Itália e Suiça.
Chegar até aqui não foi fácil, mas quem disse que seria? Penso que isso torna tudo ainda mais prazeroso quando conquistado e lá estava eu no dia 30/08/2019 às 18h, ao lado de outros 2542 trail runners merecedores dessas tão disputadas vagas.
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Embora o evento esteja com um apelo comercial forte, exatamente por conta do crescimento ao longo dos anos, o UTMB se tornou o principal evento de trail run do mundo. Porém, ali momentos antes da largada, eu olhava aqueles corredores de diversas nacionalidades e sentia que cada um seguiu por diferentes caminhos para buscar o seu lugar na montanha.
Estávamos todos prontos para a largada mais emocionante ao som de Across the Mountains e as palmas se aceleravam para iniciarmos nossas jornadas. Ao atropelos saímos do centro de Chamonix e quando entramos na trilha houve um congestionamento. Foi um bom momento para acalmar a adrenalina da largada e entrar na estratégia da minha prova.
Conectada e centrada, decidi que estaria atenta a cada decisão que fosse tomar, sempre pensando em me cuidar, hidratar, alimentar e manter aquecida para conservar energias. Dessa forma seria mais tranquilo controlar minha percepção de esforço, afinal nunca havia corrido lá, o acúmulo de altimetria seria substancial e o caminho longo e desgastante iria exigir das minhas forças físicas e mentais.
Eu me sentia preparada, confiante e disposta, mesmo com o desconhecido. Queria aproveitar cada momento e assim foi. Me sentia feliz em cada posto de controle que chegava, me recarregava de energia não só de comida e bebidas, mas também com cada som dos sinos tocados pelas pessoas, enquanto falavam animados “Allez, Allez, Courage, Bravo”. Sem contar os toques de mãos delas e das suas crianças. Isso alimentava os ânimos para seguir.
Um plus foi poder contar com apoio e rostos dos amigos brasileiros pelo caminho. Meu namorado Ricardo Fechio, que havia concluído bravamente o TDS dia anterior; Edgar e Bianca, que fizeram o MCC e foram ímpar nos PC’s específicos de ajuda; e todos os amigos da casa (Mario e Sofia, Gerson e Cidinha, Fabiana e Elmo, Nana e Edinho) que lá estavam super animados e que também fizeram apoio ao amigo Cição, que estava na mesma busca pelo seu sonho de completar a prova.
À medida que as horas passavam, as adversidades foram aumentando. Estávamos na madrugada fria e gelada no Col Du Bonhomme e eu ouvia os nossos anoraks fazerem barulho por conta dos ventos fortes. Eu subia bem firme e constante, mas nas descidas longas e técnicas penso que errei a mão, então comecei descer com dificuldades.
Mas não me deixei abater, meu objetivo era ficar longe da “tartaruguinha”, o corte. Ele ficava cada vez mais distante de mim, então administrei bem os desconfortos nas descidas técnicas, íngremes e intermináveis com muitas técnicas mentais (minha psicóloga esportiva, Dra Wania Rennó, ficou orgulhosa).
No Col de la Seigne chegamos na Itália. Entre buscar uma montanha e outra, os lugares pareciam quadros pintados a mão. E de fato eram, só que o grande artista era Deus, então agradeci por estar ali.
Tanta inspiração vem acompanhada de boa música. A das cachoeiras foi um dos sons, mas para selar tanta arte no mesmo lugar eles colocaram músicos de verdade) para alegrar nossas pernas. Aquela harpista com sua encantadora Harpa! Meu Deus, que presente!! Bati muitas palmas e segui com um sorriso no rosto. Nossa, como isso aliviou tudo… (risos).
Chegando em Courmayeur, quase metade da prova e onde encontrávamos nossas Drop Bags, fiz uma troca de roupa (parte de cima), incluindo meia e tênis, me alimentei bem (Ricardo levou batata com azeitonas. Que delícia!).
Quando fui colocar o tênis percebi uma bolha embaixo do meu dedo. Não havia sentindo antes, então resolvi tratá-la no posto de atendimento e o serviço foi sensacional. Eles secaram a bolha e fizeram um curativo.
Não percebi, mas depois me falaram que fiquei quase 1 hora nesse Posto de Controle. Foi bastante tempo e talvez não precisasse tanto, mas de qualquer forma fiz o que tinha que fazer e não me arrependo. Vai que aquela bolha me tirasse da prova…
Me sentia inspirada, estava atenta no que precisava fazer e mesmo quando o sol veio com força eu estava na “batida” feliz, hidratada, buscando um PC por vez e me energizando com as belas paisagens do Refuge Bertone e Bonatti. “Mama mia, mui belos”.
Antes da subida do Grand Col Ferret, para minha surpresa o Ricardo estava em Arnouvaz (mais ou menos Km 95), pois só iria encontrá-lo mais para o final da prova. Foi sensacional vê-lo ali! Me animei para a grande subida até a Suíça.
Quando começamos a descer tive a sensação que as trilhas deram uma “trégua”. Mas falsa sensação, porque os quilômetros se acumulavam e se tratando das montanhas que contornam o Mont Blanc, nada está a menos de 1.000m de altitude…, rs.
Então já que quando se está na chuva é para se molhar, vesti o anorak porque começou a chover nesse momento em Champex Lac, outro ponto de apoio permitido onde a Bianca e Edgar estavam para o que precisasse.
Lembro que o sono bateu forte. Comi um barra de proteína com cafeína, afinal o Edgar me lembrou “Liginha você só tem mais 3 montanhas.”
Respirei fundo e segui para Trient, onde eles me ressuscitaram com uma massagem nas pernas e panturrilhas. Segui animada e fiz com alegria essa montanha como se estivesse começado a correr naquele minuto. Sensação maravilhosa, mas é claro, a felicidade durou pouco, pois a interminável chegada em Vallorcine judiou um pouco. Meus joelhos e pés sentiram significativamente e não foi super legal, mas não havia o que fazer. Foi preciso suportar, tanto que segui sem fazer pausa.
De volta à França, rumo ao que seria a cereja do bolo na minha opinião, a última montanha: Col Des Montets. Subi de madrugada e podia ver lá de baixo as luzes das lanternas em fileiras na subida sem fim. Lembro de respirar 3 vezes de maneira consciente para que não me faltasse ar.
Me senti mais exposta nesse momento. Estava com 9267 D+ nas pernas e quando cheguei em La Tête aux Vents tive a visão do dia amanhecendo e diante dos meus olhos, o Mont Blanc e uma cadeia de montanhas grandiosas ao redor dele. Nesse momento tudo fez sentindo pra mim. Que emoção! Isso aliviou muito meu cansaço e faltava apenas 3 km até o último PC em La Flegere. Ali sabia que chegaria na meta.
E então começaram 8 quilômetros de pura descida. Nesse momento acelerei um pouco mais do que vinha fazendo, imprimi um ritmo que sentia que estava correndo.
E quando vi a passarela que atravessava para Chamonix, senti ainda mais alegria nas pernas e uma onda de sentimentos me invadiu. Eu vi o Ricardo me esperando, vi a Nana também e sentia meu sorriso de orelha a orelha na apoteótica passarela para a chegada.
Nunca cruzei um pórtico tão emocionante na minha vida. Meu sonho havia se realizado. Eu girei a bandeira do Brasil como se quisesse dizer “eu consegui dar a volta no Mont Blanc.”
Fiz uma reverência em forma de agradecimento a meus familiares: Almeida e Fechio (eles não entendem muito, mais apoiam e rezam, rs); amor da minha vida, Ricardo Fechio, pelo sonho compartilhado; e todos os meus amigos, em especial: José Virginio, meu amigo e coach; toda a cavalaria JVM; todos os amigos JVM; Lena Pina, Maurício Pina, Alváro, Andrea Fechio, Valerinha, Cadu, Luciana Aragão, Ingrid, Bruna Martino, Vânia Filleti, Rafael Sales, Milena, Luciane Calabrese (Equipe Ready4), Cícero Barreto, Silvio, Amilton, Douglas, Vanessa Moura, Rivane, Michele Castro, Arthur Viana, Leandro, Psor Bira, Psor Catarochi, Michele, Akira, Dra Wania, Nadjala, Simone Austin, João Moura, Paula, Evilaine, Maria de Fátima, Giuliano, Renato Cavallieri, William Stevam, Luiz Marcos, Cátia, Mario, Sofia, Gerson, Cidinha, Fabiana, Elmo, Sidney Togumi, Nana, Edinho, Rubens Murakami.
E apoios: JVM Trail Run, Andreia Fisio, Namastê Nutrição, Nihumana, Salomon Brasil, Vidas Corridas, Palazon e Fit4 Life que fizeram e tornaram tudo isso possível sem medir esforços.
Obrigada eu amo profundamente a vida de cada um.