Pense comigo: você utiliza a sua mochila de hidratação na grande maioria das provas em que se desafia, por que não utilizar ela como método de treino?
Já pensou sobre isso? Não parece óbvio? Pois é, mesmo assim 79% dos meus alunos perguntam o por quê.
A parte boa é que, após a explicação 99% dos alunos, pelo menos se permitem testar…Mas, sabe como é, aquele 1% é…
Neste texto pretendo elucidar minha forma de pensar, baseado em experiência e algumas referências científicas.
“Vamos por partes…” diria jack.
O começo de tudo é a boa e velha teoria do treinamento. Isso qualquer estudante de educação física aprende nos primeiros semestres, é onde você começa a base do conhecimento. Mas, mesmo sendo leigo, é importante você saber no que o seu treinador baseia o treinamento.
Existem alguns princípios do treinamento físico (Princípio da Individualidade Biológica, da Adaptação, da sobrecarga, da interdependência volume/intensidade, da continuidade, da variabilidade, da especificidade e da saúde), todos eles dão base a qualquer periodização de treinamento (Dantas, 2003).
Dito isso, chamo a atenção para o principio da especificidade, isso nada mais é que, quanto mais especifico for o seu treinamento, maiores são as suas chances de sucesso no dia da prova alvo.
“O óbvio também precisa ser dito” (Autor desconhecido)
Sempre dou o exemplo de um amigo que tinha aversão a, se quer, utilizar a mochila de hidratação. Acontece que ele foi fazer uma prova que pedia alguns equipamentos obrigatórios e ele teve que correr com uma mochila. Resultado: passou a prova toda incomodado, sem saber direito onde tinha colocado a alimentação, além de… ficar todo assado porque nunca tinha utilizado uma por tanto tempo… Hoje, ele não sai mais sem a sua mochila de hidratação.
“Ganhar corrida é fácil, difícil é treinar” Henrique Avancini.
Então, já que você vai utilizar a mochila de hidratação para treinar, por que não utilizar ela como MÉTODO DE TREINO?
Conversando com outros treinadores, poucos utilizam essa metodologia. Na Europa, é relativamente comum essa estratégia.
A lógica que utilizo é ir gerando uma sobrecarga (lembram desse principio?) nas estruturas, no metabolismo e na musculatura especifica do atleta enquanto ele realiza a sua atividade-fim (corrida). Essa sobrecarga recebe a mesma lógica de qualquer treinamento. Você tem dias em que a carga é mais alta, outros dias mais baixa e, ainda, sem carga alguma. A idéia é que você sofra uma adaptação (outro principio do treinamento) extremamente especifica.
Em uma prova de trail running a economia de corrida, termo relacionado à quantidade de energia metabólica gasta para realizar a atividade numa determinada velocidade ou distância, é fundamental para que você tenha sucesso na sua prova. Quanto menos energia você gastar, maior a probabilidade de atingir um bom resultado.
O que acabo fazendo com essa estratégia é, melhorando diversos fatores que melhoram a sua economia de corrida, por exemplo:
– Musculatura fica mais forte e adaptada (quando você competir com menos peso, parece que não está carregando nada);
– Você já está acostumado com a sua mochila (Parece bobagem, mas tente pegar algo na sua mochila no Km60 de uma prova. Dependendo de onde você deixou, a câimbra é certa);
– Sobrecarga nos tendões (Na dose correta, gera uma maior eficiência dessa importante estrutura);
– Adaptação metabólica (Seu metabolismo “aprende” a funcionar em um cenário muito pior do que ele vai encontrar no dia da prova).
Entre outros fatores…
Porém, as evidências científicas com esse tipo de estímulo são extremamente raras. Entender e estudar cada um desses fenômenos é preciso. Antes de começar a utilizar essa estratégia, me embasei em um estudo realizado na UFRGS em 2013, com corredores de aventura.
Esse estudo demonstra várias alterações em determinantes fisiológicos da performance.
No estudo foi realizado os testes com percentuais do peso de cada corredor, desde então utilizo essa estratégia para modular as cargas de forma mais especifica para cada atleta, são poucos os casos que eu determino quantos Kg a pessoa deve levar.
Um achado importante desse estudo é que os atletas adaptam a sua velocidade ao peso que carregam. Para cada Kg a mais carregado, é diminuído 1% na velocidade. Esse ajuste é feito para que o sistema mantenha o seu equilíbrio e o mesmo gasto energético.
Minha opinião é que somente quando entendemos os efeitos da carga nos indivíduos, a gente consegue elaborar planilhas de treinamento específicas para necessidade de cada atleta.
Utilizo muito essa estratégia também quando o meu aluno/atleta não mora em uma cidade que tenha subidas e descidas por perto ou quando as subidas e descidas não são suficientes para o treinamento para sua prova-alvo. Inclusive essa é uma indicação que consta em um livro muito bacana chamado “Training for the uphill athlete”.
Evidente que a mochila pesada e com diferentes percentuais de carga é utilizado somente no treinamento (e em determinados momentos da periodização), jamais em prova. Outro fator importante é que cada Kg a mais que você leva em uma prova, é um pouco menos de performance que você consegue atingir.
Ficou com alguma dúvida, tem alguma crítica ou sugestão pode enviar no meu inbox no Instagram @CristianoFetterCoach
Referência:
FAGUNDES, Alex de O. et al. Effects of load carriage on physiological determinants in adventure racers. Plos One, v. 12, n. 12, 2017
Livro: “training for the uphill athlete a manual for mountain runners and ski mountaineers”