Relato da equipe GuaranisUirapuru no Ecomotion Pro

Por Lilian Araujo - 14 Out 2005 - 14h10

“Tenho certeza que vocês estão preparados pra superar todos os perrengues desta prova. Serão muitos, mas vocês estão preparados”.

A afirmação é do nosso instrutor e amigo, Márcio Campos, capitão da equipe Selva e preparador físico da Selva Aventura, equipe que nos treina. Com a frase na cabeça, GuaranisUirapuru, Goiabada Power e Selva se abraçaram e partiram para a largada do Ecomotion Pró 2005, circuito das Hortênsias, Serras Gaúchas (RS).

No município litorâneo de Torres, foi dada a largada, no dia 02 de outubro. Um atleta de cada equipe faria um rapel após a buzina do início da prova, que teria 444 km oficiais de percurso e mais pelo menos uns 150 kms extras que faríamos nos dias que se seguiriam.

Dada a largada, o Marco desceu o rapel, enquanto aguardávamos ansiosos na parte de baixo do paredão, de onde seguimos correndo equipados de mochilas e remos nas mãos. Alguns quilômetros correndo pelas dunas de areias de Torres, chegamos à primeira transição.

Iniciamos a primeira perna de remo da prova, já com o dia caindo e o frio aumentando. Rema, rema e rema. Primeira perdida. Passamos a entrada do rio, que nos levaria à outra transição. Rema, rema e rema de volta, encalha nas plantas aquáticas, rema, rema e rema e ufa!!! Já no escuro e com muito frio, encontramos a entrada do rio. No caminho, passamos por baixo de uma ponte, onde havia um carro da organização, já preocupada com as equipes perdidas. Demos a informação de mais ou menos quantas equipes vimos perdidas como nós, entre elas uma gringa.

Chegamos à transição para as bikes, sem parar pra não congelar. Uma buzinada do Lucas (Chauás, que estava fazendo apoio para os portugueses) pra animar. Trocamos de roupas, comemos um arrozinho quentinho com banana e seguimos. Nossos apoios (Dogão, Paulo e Becker pai) já estavam preocupados. Mas estávamos bem.

Pedalando, um down hill, mais uma perdida. Seguimos pedalando, apesar de ter muitos trechos planos, havia muito barro, o que dificultava nossa progressão.

Chegamos numa cidadezinha, onde nossos apoios nos esperavam em frente à uma igreja. Recebemos algumas informações sobre em que pé estava a prova e nossas equipes amigas (Selva e Goiabada).

Seguimos de trekking, anda, anda, anda. O Robinson estava pilhado, como se estivesse numa prova curta. Andava como o papa-léguas. Mal conseguíamos acompanhá-lo. Mas na pressa, passamos a entrada que nos levaria ao pé dos cânions. Andando rumo ao nada, já que aquela rua não tinha fim, resolvemos perguntar para os locais. A resposta, quase unânime: “Não sei onde essa rua vai dar”. Se os locais não sabiam, nós então... Já com o dia claro, voltamos, paramos num cruzamento, nos informamos de novo e começamos a voltar pela mesma rua. Mais à frente uma placa, com uma seta, indicava a entrada à esquerda para a serra que procurávamos. Dá pra acreditar?!?!

Apesar de ainda estarmos na cidade, agíamos como se estivéssemos no meio do mato. O Becker parou pra trocar de roupa em frente à uma casa. Assim que terminou, a dona da casa abriu a janela pra ver o que estava acontecendo e, por muito pouco, não o vê quase nu. Alguns quilômetros mais pra frente, um motorista de trator quase que pega o Robinson “usando o banheiro”.

Com o dia lindo, céu limpo e Sol a tino, chegamos ao que deveria ser a entrada da trilha para iniciarmos a subida para o cânion. Um carro da organização deixou, largados à própria sorte, um cinegrafista e um fotógrafo argentinos, para nos acompanhar. Os dois começaram a subir, nos acompanhando. Coitados! No caminho encontramos com a Família Extrema, que seriam nossos amigos e, mais pra frente, salvadores. Trocamos algumas informações, seguimos juntos até um trecho que não deu em nada e começamos a descer novamente até a base. Encontramos com os portugueses e outras equipes que estavam subindo. Nos separamos e depois de algum tempo voltamos a subir por outra trilha, que condizia melhor com o mapa. Encontramos com a galera da On the Rocks, que também se tornaram nossos grandes amigos e companheiros por quase toda a prova. Seguimos juntos subindo, navegando, conversando e dando boas risadas. Depois de horas, chegamos ao topo do primeiro cânion. Eles pararam pra descansar e nós seguimos antes que escurecesse.

No alto do cânion, vimos uma das paisagens mais exuberantes do mundo. Apesar de ainda não conhecer o mundo inteiro, tenho certeza que aquela visão se destaca e que vai ficar na minha memória pra sempre. Um imenso paredão de rochas cortava o horizonte. Uma vegetação típica da região cortava os rochedos, que davam origem a imensos abismos. Lá em cima, uma vegetação rasteira, se unia aos que os locais chamam de turfeiras, outro tipo de vegetação que nasce em uma espécie de charco e que nos acompanharia por toda a prova. Lá embaixo, tudo o que já tínhamos deixado para trás.

Continuamos andando, rumo ao mirante, o ponto mais alto daquele trecho e onde estava localizado o PC seguinte. Infelizmente, já tinha caído à noite e não pudemos contemplar a visão daquele pico.

Na descida deveríamos optar em seguir pela estrada até a trilha para o próximo PC ou voltar por parte do caminho anterior, que também nos levaria à mesma trilha. Decidimos voltar, já que passaríamos por um caminho teoricamente já conhecido. Infelizmente, à noite as coisas se transformam, a paisagem já não era visível e, apesar da noite limpa, era semana de Lua Nova. Já sem saber onde estava a trilha, encontramos com a Família Extrema novamente, que estava indo ao PC do mirante. Gritamos e fomos ao encontro deles, já que estavam na trilha e nós não. Nos localizamos e nos despedimos.

Pouco à frente, resolvemos tentar cortar um caminho, mas falhamos por não confiar na distância e no azimute traçado. Já desorientados, uma nova situação complicada: Como ainda não tínhamos dormido, desde a largada, o sono pegou o Marco de jeito e ele começou a andar como se estivesse bêbado. Eu ia atrás orientando: “vai pra esquerda, vai pra direita”. Os meninos tentavam navegar e eu tentava fazer com que o Marco continuasse andando. Uma ventania muito forte batia naquela hora. Num determinado momento, o Marco começou a andar sem rumo em direção ao abismo. Graças a Deus, estávamos atentos e gritamos pra ele parar e mudar de direção. Paramos por 20 minutos pra ver se ele melhorava.

Andando, conseguimos achar uma cerca e uma trilha, que aparentemente não dava em nada. Por ser uma região de muitos pastos, nem tudo era trilha. Pra piorar, nem casa, nem vila e nenhuma alma viva conseguimos encontrar em todo esse trecho. Era uma imensidão de vazio, ainda preservado. Algumas horas depois, já com a ameaça de chuva, a Família Extrema nos alcançou e começamos a bater-cabeça juntos. Debaixo de chuva, continuamos a caminhada que não dava em nada. Paramos num pequeno amontoado de árvores pra tentar dormir e esperar amanhecer. Eles estavam equipados com o tal bivac e nós, apesar de estarmos com saco-de-dormir optamos por não abri-los, já que ficariam encharcados e impossíveis de usá-los nas noites seguintes. Estendemos um lençol de emergência, ficamos os quatros sobre ele e nos cobrimos com um segundo. Para nossa sorte, estávamos acompanhados da Família Extrema, que faz jus ao nome FAMÍLIA. O Alexandre (acho que era ele), num gesto que nunca esquecerei, me cedeu um saco plástico que serviu de poncho. Já deitados, ele se levantou e nos cobriu com outros dois sacos, nos protegendo da chuva que caía sobre nossos rostos. Um verdadeiro PAIZÃO!

Dormimos por mais ou menos uma hora e meia e seguimos, já com o dia clareando e ainda de baixo de chuva. Depois de um tempo, chegamos ao PC, que também era um PPO (parada obrigatória), mas que eu prefiro chamar de PFA (ponto para “ferrar” com os atletas). Eu explico: a organização estipulou alguns PFAs durante o percurso, onde as equipes deveriam parar e, ao final, completar 4 horas de PFAs. Agora, imaginem depois de horas, que pareciam séculos, andando debaixo de chuva, encharcados, cansados, com fome e frio, ter que ficar, no mínimo, uma hora parados, no meio do nada, sem nenhum abrigo ou coisa parecida. É ou não é pra chamar de PFA?

Seguimos, sem cumprir esse PFA pois, esse primeiro era opcional. Algum tempo depois, finalmente, conseguimos chegar à transição, reencontrar nossos apoios e dar uma recarga na bateria. Nos separamos da Família Extrema, que não encontraríamos mais ao longo da prova.

Cumprimos mais dois PCs, antes de parar na área de apoio. Voltamos, ainda de baixo de chuva, comemos, trocamos de roupas e seguimos de bike rumo ao primeiro grande down hill da prova.

De novo, o visual era incrível. Novas serras maravilhosas. Lá embaixo, áreas alagadas, que acreditamos ser plantações de arroz. Tudo visualmente lindo. Começamos a descida. interminável!!! Dezenas de curvas perigosas, muito cascalho e muita lama.

Passamos por mais um PC e continuamos a descer. Na base, estávamos de volta à Praia Grande, município que já tínhamos passado na segunda-feira. Apesar de voltarmos àquela cidade, não passamos, em nenhum momento, por lugares repetidos. Tudo era novidade. Menos, é claro, o frio, a chuva e a lama.

Na transição seguinte aguardaríamos nossos amigos da Goiabada Power. Havíamos combinado, no AT anterior, que seguiríamos juntos, como uma grande família Selva Aventura. Esperamos descansando e eu roubando umas almôndegas que o Glaudião (apoio da Goiabada e também aluno Selva) estava preparando pra eles. Tudo tinha virado uma grande festa: equipes e apoios numa grande sintonia. Não estávamos numa competição e sim numa disputa pra superarmos nossos limites individuais, acrescido de uma grande união de amizade e companheirismo. Acho que só quem é aluno Selva sabe o que é isso!!!

Saímos de trekking, os oito. Papo renovado, novas piadas, novos ânimos e, claro, chuva, lama e frio.

Começamos a caminhada, já no final da tarde. Algum tempo depois, no escuro, pára um carro da organização, trazendo uma equipe de carona: os Ratos de Trilha. O cidadão que dirigia o veículo, desce e nos sugere: “Vocês podem voltar, seguir com os apoios por seis horas de carro ou continuar andando e fazer a trilha em três horas. Vocês estão atrasando. Se eu quiser faço como fiz com os portugueses. Já barrei eles no AT anterior”. O cara queria ser tipo ‘O poderoso chefão’. Ignoramos! Afinal, em nenhum momento pensamos em pegar carona com os apoios. Do nada surge um cara, tentando nos confundir e ainda dizendo que não sofreríamos penalização se pegássemos carona. Ele só apareceu pra fazer confusão.

Seguimos andando e chegamos num rio. Havia uma ponte, como todas as da região era quase no nível do rio, mas com a chuva, tudo já era uma coisa só. Os garotos da Ratos de Trilha, que já tinham passado, voltaram e numa corrente humana atravessamos a correnteza. Ufa!

No PC, depois de muita confusão por causa do “poderoso chefão”, a Carol (PC) nos deu algumas orientações e afirmou que a trilha seria feita no MÍNIMO em sete horas e não em três, como aquele cidadão havia falado. Coitada, teve que ouvir um monte, até que conseguisse desfazer a confusão.

Esperamos pela On the Rocks, que estava chegando, conforme o rádio. Pegamos nossa égua, a Baiana segundo o local informou, (cada equipe seguiria este trecho puxando um cavalo, que levaria no lombo uns 30 quilos de comida. Isto para lembrar os tropeiros, que vaziam isso nos tempos remotos. Coitado dos cavalos!!!) e começamos a subida, que mais parecia um paredão. Pra piorar, a trilha era muito estreita, sinuosa e completamente enlameada. Sobe, sobe e sobe. Pobres cavalinhos. No caminho, cavalos empacados, deixados por outras equipes e malas de comidas deixadas pelo chão.

Já no topo, a Baiana pisa no pé do Becker e não sai nem com reza brava. Ele, muito calmo, pede ajuda do Alê, que nem dá bola. Ele pediu com tanta sutileza, que ninguém daria bola mesmo. Depois de alguns “Alê, vem aqui por favor!!!”, o Becker vira e diz: “Alê, é sério, o cavalo tá em cima do meu pé!!!”. Por que não disse antes?

O Marco assumiu a Baiana e começamos a atolar no lamaçal. Em alguns trechos, a lama chegava à altura dos joelhos. Nossa progressão estava muito lenta. Enquanto nos preocupávamos em pisar no atoleiro menos ruim possível, o Marco conversava com a Baiana: “Baiana vem pra cá”; “Aí não, Baiana, tá errado”; “Baiana, vai devagar”; “Baiana, já disse que é por aqui!!!”. E assim foi, até o final do atoleiro.

Com a lama, perdemos a noção de distância percorrida e começamos a ficar desorientados com a navegação. Não me recordo direito desta noite, pois daí em diante, comecei a dar trabalho. Andava de lá pra cá, feito barata-tonta, uma andarilha sem rumo e praticamente sem consciência. Eu já sabia que isso ia acontecer. Na terceira noite, costumo dar trabalho mesmo. Já tinha até avisado a galera. Como não navego, fico sem função e acabo não tendo com o que me distrair. Da próxima vou levar uma palavra-cruzada, quem sabe não desperto! Acho que a Taty (On The Rocks) estava em situação semelhante, pois me lembro do Claus (capitão On The Rocks) me abraçar andando e perguntar: “Taty, qual o curso que você vai fazer mesmo?”. Acho que ele também estava mal, pois estava tentando acordar a Taty errada. Rsrsrs. Lembro de ter escutado a pergunta novamente, mas desta vez pra Taty certa. Essa foi a pior noite da prova!

Sem rumo, paramos pra dormir. Os meninos ainda tentaram acender uma fogueira, apesar de proibido, era uma questão de sobrevivência. Em vão! Com tudo molhado, o Robinson perdeu a cadeira de acendedor de fogueira oficial. Com a ajuda do Marco, recuperei meu sono no saco-de-dormir, nua, já que não tinha mais roupas secas. Ao acordar entrei em desespero, comecei chorar, porque tinha que colocar aquela roupa molhada de novo, meias ensopadas e congeladas. Nossa, a coisa mais horrível do mundo!!! Mas nada melhor que um desabafo pra ficar pronta pra outra. O Marco e eu começamos a andar, conversando pra colocar a cabeça no lugar. Anda pra lá, anda pra cá e nada de orientação. Nada batia com nada. No fim, descobrimos que estávamos na trilha certa, que era só continuar em frente e que estaria tudo bem. Ai, nada como a luz do dia!!! Mais pra frente, descobri que a Baiana na verdade era Baiano. A Baiana precisou parar para um “número 1” e aí descobrimos que ELA era ELE. Foi muito engraçado!!!

Chegamos à transição do posto de gasolina. Parecia uma procissão. Quatro equipes, alguns cavalos e todos andando enfileirados, pra tentar fugir da lama. No posto, na quarta-feira, tomei meu primeiro banho quente. Nossa, que delícia! Já aquecida, comi um PF maravilhoso, com arroz, feijão, bife, ovo e salada. A Sandra (também aluna Selva) tinha acabado de se juntar à equipe de apoio, o que deu uma nova guinada na equipe também.

Seguimos (GuaranisUirapuru e Goiabada Power) de bicicleta para o maior trecho de bike da prova, de 74 km. Pra variar, as condições da estrada eram péssimas, muita lama, pedregulhos e poças d’água. Num clima muito legal e descontraído, pedalávamos na medida do possível. Alguns tropeços e.... uma fatalidade... Em alguns trechos desviávamos pela grama lateral à rua, pra tentar fugir da lama. Num deles, o Márcio (capitão e navegador da Goiabada) perdeu tração ao tentar voltar pra rua, o guidão girou e ele caiu sobre o bar hand, atingindo suas costelas. No chão, ele tinha grande dificuldade de respirar. A Dri, que além de companheira de equipe é esposa dele, entrou em desespero, chorando, gritando e até chacoalhando o pobre coitado que mal conseguia respirar. O Robinson a afastou e nós tentamos ajudá-lo na medida do possível. Demos um remédio pra aliviar a dor e o deixamos se recuperando, com muita dor e tentando não prever o que todos mais temiam. Quando estamos numa prova dessas, o pior não é se machucar, quebrar costelas ou qualquer coisa assim. O pior é não poder continuar!!! E, infelizmente, foi o que aconteceu. A Goiabada Power, abriu o rádio de emergência e, por conseqüência, estava fora da prova. Conseguimos ajuda de um local, que, por muita sorte, morava perto de onde havia ocorrido o acidente. Durante toda a prova, raramente passávamos por casas, vilas ou por qualquer sinal de vida humana. Por sorte, os Goiabadas puderam ficar abrigados, no quentinho do lar de uma família hospitaleira, enquanto aguardavam o socorro chegar.

Já sem ter o que fazer, os GuaranisUirapuru se despediram com muita dor no coração, com lágrimas escorrendo e com a missão de ser a única equipe Selva Aventura a cruzar a linha de chegada. A essa altura a equipe Selva NSK corria desrankeada, já que a Carol teve um sério problema no joelho, o que fez com que pedalasse por 30 km com uma perna só, até que não agüentasse de dor e desistisse da prova.

Continuamos pedalando, arrasados com o ocorrido, mas determinados a irmos o mais longe possível. O frio já estava insuportável, uma neblina tapava nossa visão em alguns trechos e, pra piorar, minha bike quebrou. Com tanto barro, o câmbio entortou, dando quase uma volta de 360º sobre a gancheira. Tentamos arrumar, mas o frio não deixava. O Marco e eu empurramos a bicicleta até um galpão, pedimos licença pra entrar e o Marco conseguiu ajeitar pra continuarmos. Perdi a marcha mais leve. Força nas pernas e bola pra frente.

Pedalamos até à sede do Ibama, na noite mais fria da semana. O frio doía tanto, que parecia cortar. A bike do Robinson já estava sem freios, o que fazia com que tivesse que redobrar a atenção nas descidas. A areia, a lama e sei lá mais o quê já tinham destruído nossas bicicletas. A cada quilômetro, novos problemas.

Chegamos ao Ibama, onde encontramos o Luís (PC), que nos informou do cancelamento de dois PCs por causa do alto nível da água do rio que deveríamos cortar. Disse que uns malucos, sem roupas, atravessaram o rio, amarrados por uma corda na cintura e ainda carregando as bicicletas. Os malucos eram os meninos da Selva, que levam à sério a expressão: “Quanto pior, melhor!”. A partir de então, teríamos que seguir por um caminho alternativo, porém não mais curto.

Diante da situação de frio insuportável, aceitamos a sugestão do Luís de ficarmos na sede, onde havia uma lareira à nossa espera. Foi a nossa salvação e a melhor noite da prova. Apesar da excelente estrutura, o local não era considerado um PO. Óbvio! Afinal, não era nada parecido com um PFA (ponto para “ferrar” com os atletas). Dormimos cientes que não poderíamos descontar as quatro horas do PFA. Pela manhã, já acompanhados da On the Rocks, soubemos que a organização autorizou fazermos da sede do Ibama um PO. Acreditamos que o Luís deu uma forcinha pra isso.

Voltamos ao pedal, mas minha bike voltou a dar problema, mesmo depois de um banho de mangueira. O freio do Robinson, apesar de ter mexido continuava ruim. Demos um tapa na minha bike e seguimos. Minha bike agora com menos duas marchas leves. Pra piorar, se eu estivesse usando a coroa do meio dianteira e quisesse colocar na menor, tinha que parar a bike e com as mãos na corrente trocar de marcha. Uma coisa linda!!! Usar a coroa grande nem pensar, pois caía a marcha. Já que tinha que ser do jeito que a bike queria, seguimos assim, pedalando conforme a música.

Este trecho desgastou bastante o psicológico da equipe. Já sem pique pra conversar, o clima estava meio esquisito. Mas nós tínhamos na equipe um psicólogo, que soube trabalhar a equipe em todos os momentos, seja dando força, ânimo ou algumas brincadeiras que fizeram com que a gente colocasse a cabeça no lugar. O Becker, além de navegar, soube cuidar como ninguém da equipe como um todo, como um grupo, como uma família.

Deixamos as bicicletas e andamos, morro acima, pra encontrar com nossos apoios. Apesar daquela subida não acabar nunca mais, estávamos mais animados. O Marco me rebocando e a fome apertando. Não levamos comida suficiente para o percurso mais longo de bike, mas conseguimos chegar. O ânimo e a alegria dos apoios, que à essa altura já estavam com os Goiabadas são e salvos, fez com que recuperássemos o pique e saíssemos correndo ao encontro deles. Comemos e saímos no pique pra um treking de 13 km. O Paulo (nosso apoio) nos acompanhou neste percurso, até a transição para o remo.

Lá, colocamos tanta roupa, neoprene e tudo mais que tivesse pra evitar o frio da represa, que pegaríamos à noite. Alimentados e aquecidos, começamos a remar. Se nossa orientação noturna em terra já era uma coisa louca, imagine na água?!? Rema, rema e rema, bate na margem. Contorna a margem. Rema, rema e rema, bate de novo. Depois de algumas tentativas, resolvemos voltar ao PC anterior. Guiados pela luz do PC, conseguimos voltar, perdendo duas horas de remo em vão.

No PC, solicitamos à organização que avisasse para nossos apoios voltarem. Enquanto aguardávamos, chegaram os On the Rocks e, pouco depois, os Ratos de Trilha. Esses garotos foram guerreiros!!! Com bicicletas quebradas, a menina com uma cara de “o que estou fazendo aqui?” e com um navegador que dava pane, a garotada do Ratos seguia em frente, sem pensar em desistir. Quer dizer pensou uma vez, mas a Dri (Goiabada) não deixou! Deu a maior força pra eles continuarem na prova.

As três equipes decidiram dormir no PC, que tinha uns chalés congelantes, mas ainda melhor do que passar a noite remando sem rumo. Dormimos e logo de manhãzinha entramos na água. O Becker estava inspirado pra navegar, o que nos permitiu acertar tudo. Chegamos à um PC, comemos, demos comida aos PCs e seguimos em frente. O PC seguinte estava na beira da barragem, coberta pelo alto volume de água. À noite, teríamos corrido o risco de passar direto e, quem sabe, ter entrado naquela queda fatal. Credo!!!

Continuamos com a sincronia no remo, completando o percurso em apenas cinco horas. Foi um dos melhores remos deste trecho, com apenas 10 minutos de diferença da Buff, a campeã da prova.

Na transição uma farofa só. Além dos nossos apoios (incluindo os apoios dos Goiabadas), estavam lá a Isa, a mãe Becker, o Márcio Selva e os Goiabadas. Ânimo na galera, seguimos para um treking quase sem trilhas. Puro azimute, pura navegação! De novo, acertamos!

Passamos pelo PC da ascenção, que também tinha sido cancelada pelo volume d’água, que arrebentou as cordas de tamanha força. Pegamos uma trilha, que nos permitiria cortar um caminho e chegar mais rápido à próxima transição. No cume do morro, avistamos nossos apoios lá embaixo, comemorando a nossa chegada. Nos abraçamos e descemos. Chegamos abraçados!! Foi lindo!

Rápida transição para a última bike. Pedala, pedala, sobe, sobe e sobe. Com tanta subida, apesar do frio, deu um calor e tivemos que tirar algumas roupas. Nessa, o Robinson perdeu o relógio, que acharia depois da prova todo espedaçado por ter sido atropelado.

Debaixo de chuva, de novo, continuamos pedalando. Eu já usando a terceira/quarta marcha leve. Passamos por um lugar meio feio, sinistro. Depois os meninos da On the Rocks disseram que era uma favela da pesada da região. Tudo bem. Não desrespeitamos ninguém e eles nos respeitaram. Pedalamos, sem farol, até um PC, onde dissemos um oi aos nossos apoios, que estavam jogando baralho e comendo um churrasco. Também, depois de tanto sofrimento, um churrasquinho até que era merecido.

Seguimos viagem rumo ao último trecho, que parecia eterno. Os meninos estavam desanimados. O Becker quase dormindo na bike e o Robinson sem freios. O Marco estava animado, subindo como se estivesse no início de prova. Eu ia na intermediária, tentando animar a galera e pedalar ao mesmo tempo. Meus freios já estavam ruins também. Então, em algumas descidas íamos empurrando. Quebrar na reta final não era uma boa idéia. Tínhamos tido a notícia de uma equipe que parou a prova há oito quilômetros do final, porque um dos atletas passou mal. Não queríamos repetir a história, há 20 km do final.

Sobe, sobe e sobe. Encontramos com o Gustavo (apoio Família Extrema), que nos deu uma notícia que caiu como um soco no estômago. Ele disse que faltavam 11 quilômetros de terra e mais quatro de asfalto. Nas nossas contas, faltavam uns dois de terra. A impressão que tenho é que, ao saber que está acabando, o cansaço aparece e as dores surgem do nada.

Já esgotados e desanimados, os meninos sentaram num ponto de ônibus. Eu dei mais alguns passos e vi que logo à frente estava o asfalto.

Não tive tempo de contar aos meninos. Um jogo de luzes tapou as nossas vistas. Era o pai Becker, com a Land Rover acesa no último, acompanhado da equipe Selva e do Roger Goiabada em outro carro. O Gustavo tinha ido buscar nossos amigos pra nos dar uma injeção de ânimo.

Vestimos alguns acessórios dos Goiabadas, como forma de homenageá-los. Apesar de não estarem fisicamente conosco, estavam em espírito e força. Subimos nas bicicletas e fomos em comboio e com buzinaço rumo ao centro de Gramado sendo escoltados pelos nossos amigos. Era 1h da madrugada. Acordamos a cidade inteira.

Perto do pórtico, alinhamos as bicicletas uma ao lado da outra e cruzamos a linha de chegada para aquela, tenho certeza, que foi uma das mais animadas recepções entre todas as equipes que correram o Ecomotion Pró 2005. Muita gente nos esperava. Todos os apoios, amigos e companheiros de prova.

Claro que as emoções não pararam por aí. O Becker ainda pediu a Isa em casamento e, na frente de toda Gramado, ela aceitou. Pra encerrar o maior desafio de nossas vidas, todos os Selva ainda pagaram 10 flexões, incluindo os apoios.

Agradecimentos:
A GuaranisUirapuru agradece imensamente os patrocínios Fazendas Irapuá e Projeto EducAção da Fundação Educar e apoios Kaenon Polarized e Osklen, por terem acreditado no sonho da equipe e ter tornado possível a sua realização.

Agradecemos também a Selva Aventura que nos treinou e nos preparou fisicamente e psicologicamente para esta prova.

Aos nossos queridos amigos goiabas que sempre estiveram conosco nos dando força mesmo não estando mais na prova.

Aos nossos queridos e indispensáveis apoios e finalmente a todas as mensagens de carinho e incentivo recebidas dos nossos amigos através do site.

Até 2006.

Para entrar em contato com a equipe: guaranisuirapuru@yahoo.com.br

Lilian Araujo

Lilian Araujo
Por Lilian Araujo
14 Out 2005 - 14h10 | geral |
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