Neste sábado, dia 11 de fevereiro, dois atletas brasileiros largaram às 6 da manhã da praia de Kumara, costa oeste da Nova Zelândia, para vencer 243 quilômetros do percurso da prova mais tradicional do país, o Coast to Coast, considerada por muitos a prova que deu origem às corridas de aventura no mundo. Realizada desde 1983, é a prova mais tradicional da modalidade multisport, atraindo os mais fortes e resistentes atletas da Nova Zelândia. Pela quantidade de anos que o evento tem sido organizado (é o mais antigo evento de esporte de aventura), pela dificuldade e pela crescente presença de atlelas estrangeiros, a prova é tida como o campeonato mundial da modalidade.
Guilherme Pahl e Shubi Guimarães foram os primeiros brasileiros a competirem no evento. Este ano cento e oitenta competidores encararam a prova de um dia, ou Longest Day World Championships, que é definida como uma corrida de aventura solo, sem navegação, em ritmo de Ironman. De fato nao é para qualquer um. Apenas ‘homens de ferro’, ou ‘cabas da peste’ como diriam no nordeste, conseguem concluir o trajeto que tem 140 Km de ciclismo, 67Km de canoagem e 36 Km de corrida de montanha… tudo isso em apenas 11 horas!!!
Largada – AT 1
O percurso é osso duro de roer. Começa com um sprint de 3 quilômetros (cerca de 9 a 10 minutos para os lideres) que leva à trasição para as bikes. O primeiro pelotão fecha os 55 quilômetros iniciais da prova em menos de duas horas (1a parcial - 1h49m17s, inclui a corrida), pedalando de tênis e firma pé – o tempo de pôr a sapatilha pode custar segundos valiosos que levam a perda do primeiro pelotão, que conta com os candidatos a vitória.
Guilherme Pahl concluiu voando a primeira parcial, na 5a colocação, com o tempo de 1h49m26s. Shubi fechou com 2h01m cravado.
AT 2 – Corrida de Montanha
A transição para a corrida de montanha dura segundos. Tempo de jogar a bike no chão, à frente da pessoa do apoio, pegar uma mochila com equipamentos obrigatórios para a corrida de montanha e partir num galope de 15 minutos que leva ao leito do rio. A corrida tem desnível de 900 metros e sobe o vale em direção a Goat Pass, atravessando os Alpes do Sul pelo leito e por trechos de trilhas à margem do rio. Há momentos que os atletas devem desviar de grandes rochas, bolderes, além de andar dentro do rio diversas vezes. Este trecho de 33 quilômetros foi vencido este ano por um atleta australiano em 3h00m17s, com a impressionante média de 5:45 minutos o quilômetro – mais ou menos a velocidade que eu corro no asfalto plano!! Ele foi seguido de um kiwi (NZ) e um sul africano.
Guilherme fechou o trecho em 3h56m39s, enquanto Shubi fez em 4h42m46s.
“Ainda estou assimilando todas as etapas da prova, mas minha corrida não foi muito boa. Sofri muito, tive câimbras. É um trecho muito difícil”, afirma Guilherme.
"Eu conseguia correr nos trechos sobre as pedras e partes técnicas, mas a piramba é grande e nos trechos planos me faltou velocidade para acompanhar as melhores atletas”, descreveu Shubi sobre a etapa.
AT 3 – AT 4
Richard Ussher, neo-zelandes vencedor da prova, foi o segundo a terminar a corrida, 25 segundos atrás do australiano, e sem parar de dar passadas largas a caminho do asfalto, recebeu água e comida enquanto os quatro integrantes do apoio lhes tiravam a mochila e entregavam o capacete e a bike. Tudo em movimento. E assim ele partiu para o trecho de 15 quilômetros de asfalto até a entrada do rio. Novamente o batalhão trabalhou rápido. Ussher levantou ambos os braços e lhes socaram a saia, tirou o tênis e entrou no caiaque que lhe esperava na água. Partiu em menos de um 1 minuto.
Logicamente a eficiência dos competidores diminuía na proporção relativa à colocação e ao comprometimento com a performance máxima. Certamente não foi neste, nem em nenhum outro trecho, que pudemos observar atletas sentados, saboreando a comida enquanto compartilhavam com apoios e mídia as vivencias da prova. Não há tempo para paradas!
Canoagem
O rio Waimakariri é classe dois. Os caiaques são de kevlar, um dos materiais mais leves, flexíveis e resistentes para a produção de embarcações e outros equipamentos de alta performance – inclusive solados de tênis Salomon. Nao é fácil traduzir a pressão desse trecho da prova para o leitor brasileiro, especialmente por se tratar de uma modalidade completamente diferente da que estamos acostumados. Talvez comentando as parciais de tempo poderei passar alguma referência da destreza e habilidade dos canoístas kiwis. Ussher, o mais rápido, concluiu esta parcial cronometrada em 4h22m08s - conta desde a passagem no final da corrida até a saída do rio, incluindo o pedal de 15km. Supondo que ele fechou as duas transições e o pedal em 22 minutos, conclui-se que ele remou 67km em quatro horas – media de 16.75km/h... Ficou assustado? Eu sim!
Guilherme descreve o trecho como sendo algo totalmente isolado da civilização. Não há acessos nem para que fotógrafos façam imagens de fora do rio. Ele narra: “Na parte alta do rio passamos por um jardim de bolderes onde é necessário destreza para desviar das grandes rochas e evitar um possível naufrágio do barco. Tem gente que quebra o barco em dois e tem que andar até o AT, abandonando a prova. Depois tem uma junção de rios, com aumento do volume d’água, e então passamos por um cânion, uma garganta turbulenta que faz a gente tremer com medo de perder o equilíbrio e virar o barco. Nesse trecho não tem refúgio, não tem margem pra se recompor... adrenalina total!” esclama.
Considerando que nossos parâmetros são os vagarosos e estáveis ‘ducks’, fica fácil perceber que para encarar essa prova é necessário muito treino, desenvolvimento de novas habilidades, especificas da descida de rios de águas brancas, e da utilização de caiaques para competição. Entre parênteses, já é tempo para que possamos, juntos, introduzir verdadeiramente a modalidade canoagem em nossas competições e promover o desenvolvimento técnico de nossos atletas em nosso próprio país.
Desgastado, se recuperando da corrida durante o trecho de pedal, o Kalunga fechou a parcial somada em 5h26m31s. A Atenah fez ambos trechos em 5h40m22s.
“Comecei a canoagem super bem, remando forte. Em uma corredeira acabei virando de bobeira, perdendo tempo e um pouco da minha confiança. Mas fui bem até o final e terminei com boa energia para finalizar a prova”.
AT 5 - Ciclismo
A transição no final da canoagem não é diferente das outras. À jato. Ussher abriu cerca de 12 minutos de vantagem para o segundo colocado durante a canoagem. As colocações após a canoagem estavam completamente alteradas, com os neozelandeses agora praticamente dominando o top 10. O australiano caiu para 16° e o Sul Africano para 21° lugar. Jody Zerbst e Guy Andrews, também da Austrália, foram os únicos gringos a se manterem no topo, terminando com a 5a e 9a colocações, respectivamente.
Gordon Walker e Gordon Blythen recuperaram seis posições e saíram da água ainda com esperanças. Walker conseguiu tirar oito minutos de diferença, fechando o trecho com o tempo mais rápido dos 70km de pedal (1h44m59s), mas acabou terminando em segundo. Blythen não rendeu o mesmo, aumentando sua diferença para 22 minutos do líder, mas garantindo a terceira colocação. Richard, campeão mundial pela equipe Balance Vector, agora atleta da equipe americana Nike, foi o bicampeão da prova.
Guilherme e Shubi, os caba da peste, saíram sorridentes (até certo ponto) do rio, fizeram boa transição e concluíram a prova antes do pôr do sol. Ele fechou a quarta parcial da cronometragem em 1h59m32s, e ela em 2h18m18s.
Conforme previsto, a prova feminina foi vencida pela primeira vez na história por uma atleta estrangeira. Emily Miazga conseguiu recuperar a diferença de 10 minutos estabelecida na corrida de montanha pela jovem atleta neozelandesa Anna Berthelsen, que perdeu a liderança e a segunda colocação no último estágio da prova. A corredora de aventura finlandesa Elina Rautila, namorada de Richard Ussher, confirmou a boa forma e as previsões de uma boa performance faturando a segunda colocação em sua primeira participação no evento. Sara Wallen, sueca da equipe Halti, ficou com a sexta colocação.
A prova de dois dias foi vencida por um adolescente de 19 anos. Benje Patterson é corredor de montanha, triatleta, estudante e trabalhador. Vem de vitórias em outras provas de multisport no ano de 2005 e faturou o título com o tempo de 11h39m45s, mostrando que não apenas hoje, mas também no futuro, os kiwis ainda vão dominar as competições de esportes de aventura.
Verônica Rudolph, 60 anos, foi a atleta mais velha a completar a prova individual de dois dias. Mark Pollock, o deficiente visual, não pôde completar o trecho de corrida da prova dentro do horário de corte e foi eliminado.
Após a prova os brasileiros estavam satisfeitos. Ambos, muito doloridos, afirmam terem feito a prova mais dura de suas carreiras. Foram 3 meses de treinos em território estrangeiro, inúmeras horas desenvolvendo e aprimorando a performance, mais de R$1.500 de inscrição e muita, muita disposição. Os altos custos da prática da modalidade também são sentidos e comentados pelos atletas daqui. Apesar da grande paixão, muitos afirmam não saber se voltam no ano seguinte devido aos grandes gastos, horas de trabalho e treinos que consomem todas as horas do dia em função de um único objetivo, mas é unânime o coro de que o evento é excelente e que pensam em voltar em anos futuros. Os brasileiros concordam.
Masculino
1 - Richard Ussher (NZ) – 11h05m06s
2 -
Gordon Walker (NZ) – 11h11m00s
3 -
Gordon Blythen (NZ) – 11h27m48s
35 cat / 44 geral – Guilherme Pahl – 13h12m06s
Feminino
1 - Emily Miazga (CAN) – 13h00m15s
2 -
Elina Rautila (FIN) – 13h12m06s
3 -
Anna Berthelsen (NZ) – 13h17m53s
14 cat / 115 geral – Silvia “Shubi” Guimarães – 14h42m25s
Resultados completos podem ser acessados em www.timingnewzealand.co.nz
Outros sites de referência – www.paddlebikerun.com / www.sportzhub.co.nz
Site oficial - www.coasttocoast.co.nz
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