Numa manhã de chuva fina, as vozes se misturavam nas calçadas à espera da largada que os imprevistos caprichosamente determinaram que acontecesse pontualmente ao meio-dia. Os moradores examinavam o céu desconfiados, à sombra da hélice do helicóptero que sobrevoava, e do inusitado vinham risadas longas, incrédulas. Todos acenavam. O vendedor ambulante foi o mais preciso na descrição: bicho pequeno pruma zuada tão grande!
E assim, as crianças correram ao lado dos quase 300 atletas, numa euforia de dar gosto. O trecho de asfalto passou quase despercebido a caminho da trilha que levava ao primeiro PC, alcançado rapidamente pelas equipes. Já aqui alguns resolveram abandonar a trilha, optando pelo caminho mais curto. Não foi uma decisão feliz e centenas de metros depois pudemos ver muitos deles cruzar a serra em direção à trilha novamente. Numa região montanhosa, um erro de poucos metros pode equivaler a longos minutos de subida, desgastando muito as equipes.
E foi assim durante os quatro postos de controle seguintes. Enquanto algumas equipes se aventuravam no sobe e desce da serra da Borborema, outras não hesitavam em contornar os obstáculos, apostando num esforço menor com maior velocidade. Por isso, apesar dos ritmos diferentes, algumas equipes acabaram se cruzando várias vezes.
No PC5, área de transição, todos aproveitaram para se reabastecer e a partir daí, com o mountain bike, a disputa foi se acirrando e as distâncias entre as equipes ficavam cada vez menores.
Em alguns trechos, favorecidos pela altitude, podíamos avistar vários competidores ao mesmo tempo, em diferentes momentos da prova. Enquanto alguns ainda partiam em direção ao PC4, outros já encaravam firme o pedal.
Na certeza de boas fotos, aguardamos pelas equipes no ponto mais alto. Logo depois, um velho com roupas imundas de poeira, passou por nós conduzindo uma carroça puxada por mula, que balançava um bocado no esforço para subir a íngreme ladeira. Para as equipes, o empurra bike aqui foi inevitável, já que os pneus não tem a aderência de um bom casco e as forças nas pernas dos atletas já não se igualavam às da mula.
Satisfeito e levemente embriagado, o velho sorria debochando do esforço alheio, enquanto a voz, no rádio amarrado à carroça, aboiava:
Ô Deus pai sacramentado
Tenha dó do sertanejo
Do aboio do vaqueiro
O seu torrão é secado
Num güento vê no gado
Que a sede lhe apavora
E a seca triste devora
Os campos do meu sertão
Mas agora é inverno, a temperatura oscila entre 12 e 25 graus, e algumas poucas nuvens cinzas emprestavam às pedras um azul arroxeado magnífico. No topo da serra, isso só aumentava a beleza do visual e da sensação de clima de montanha, levemente europeu, no interior do sertão. Caprichos da natureza, opostos sem explicação.
Retornamos a tempo de ver os “Tapuia” terminarem a prova apenas dois minutos à frente dos “Potiguares”, também apenas dois minutos à frente da “Planeta Aventura”. Foram 11 equipes mistas a cruzar a linha de chegada, além das não mistas, trios, duplas e solos.
E entre o primeiro e o segundo lugar, Jean Júnior de Souza (Ramalhão), nascido e criado ali mesmo em Serra de São Bento, que fez o percurso todo sozinho, sem saber ler o mapa, buscando os PC’s (e encontrou todos eles) pelos nomes dos locais que ele conhece tão bem, acostumado a pedalar todos os dias na sua “barra forte”. Em parceria com a secretaria de esportes do município, tivemos o prazer de exemplificar para eles um pouquinho da corrida de aventura, e de ver alguns moradores locais concluírem todo o percurso.
Nada mais justo, já que por dias desfrutamos de sua hospitalidade e saímos a caminhar assim, sem indagar se isso nos trazia qualquer vantagem, ainda que tivéssemos o destino traçado no mapa pela precisão do GPS que sempre nos acompanhava. Quero crer que nem seria necessário, pois como diz o caboclo, “todo o caminho dá na venda”.
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