O importante não é o destino e sim o caminho. Logo o caminho se torna o destino - Relato da equipe Microcamp Internacional

Por Osmar Bambini - 16 Abr 2008 - 09h17

Depois de seis dias (110 horas) e 400 km rodados, cruzamos a linha de chegada da Brasil Wild Extreme - O desafio das fronteiras. Passamos pelos sertões da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe em municípios escondidos aonde a terra arde.

Sinto as bolhas ainda frescas nos meus pés, junto com as unhas quebradas dos meus dedos dormentes.
A mata contorcida da Caatinga que abraça e morde também deixou seu saldo de lembranças nos meus braços e pernas.
Fica na cor da pele o retrato de uma experiência que tende a mudar a vida de quem absorve o ensinamento.

Em provas deste porte momentos de dor e alegria se misturam quase sem percebermos aonde começa um e termina o outro.

A teia do mistério começa a ser tecida muito antes da largada.

Mapas, Equipes, Estratégias.
Caminhos pouco percorridos, como definiu o Major do Exército Nilton Diniz:
“-A Caatinga é um dos lugares mais inapropriados para a espécie humana sobreviver...”

As temperaturas chegam a 45º C, ou mais. Espinhos e Urtigas de alta abrasividade lado a lado como guardas bem armados impedindo a passagem de humanos, ou pelo menos marcando a passagem de quem se atreve...
Solo de Areia Espessa e poucas fontes de água.

A região, castigada pela seca, contrasta com a abundância do Rio São Francisco, um oceano de água doce preso pelas estruturas da enormes barragens que surgem em todas as partes do rio, mudando seu curso, alterando sua rotina e humor, aprisionando a água como se fosse ouro líquido.

A largada mais pareceu um filme catástrofe.
Atletas se debatendo entre botes infláveis, remos e lanchas da organização. Rodamoinhos e olhos esbugalhados.
Os atletas se dividiram entre natação e remo para se reencontrarem a duzentos metros da largada lá na frente.
O reencontro foi surreal.
Passada a loucura seguimos nós 70 km entre os Canions do Rio São Francisco. Contra o vento, fazendo força, deixando a adrenalina baixar.

Chegamos para um trekking de 60 km dividido em duas etapas.
Na primeira metade meus pés já mostravam sinais do que seria a semana.
Uma bolha generosa em cada sola. No pé esquerdo parecia um ovo frito bem na planta do pé e no pé esquerdo uma incomoda bolha entre os dedos e parte da planta...
Nunca meu pé estragou tão rápido...
Cuidei e fiz o 1º curativo para seguir em frente, ainda não havia afetado o ritmo.
O que acabou afetando o ritmo foi o calor de 42º na sombra que desidratava nossa carcaça a cada passo.
Encontramos uma trilha alternativa e seguimos por ela, nessa trilha tivemos o nosso 1º contato com as urtigas da região. Que estrago !!!
Bolhas pipocaram atrás da minha perna, pequenas bolha na mão da Lu e um ou outro arranhão na mão do Marcello e do Bilikis.

Víamos outras equipes buscando abrigo nas poucas sombras do caminho, pedindo água nos casebres e diminuindo o ritmo para não fritar os miolos.

Durante a noite senti o efeito da desidratação tentando me derrubar. Por meia hora fiquei deitado envolto pelo cobertor de emergência com a equipe me ajudando. Tomei uma dose de “Rehidrate” em meio as ondas de calor e frio que se abatiam sobre mim, dormi por vinte minutos, um sono diferente quase espiritual...
Naquele momento esqueci as dores nos meus pés e só pensava em sobreviver na prova.

Como que em um passe de mágica voltei. Seguimos por uma trilha estreita rumo a ravina aonde se encontrava o Posto de Controle Virtual.
Quando chegamos na 1º área de transição aonde encontramos nossas caixas a equipe me dedou para o médico....traidores...kkkk
Fui avaliado e ele acreditou que não só o Sol, mas o efeito das urtigas tinham me derrubado.

Cuidei dos meus pés, das feridas e desmaiei por 40 minutos. Estávamos indo para 36 horas de prova e só havíamos parado 30 minutos.
Esta foi uma hora crucial, pois eu estava bem machucado e parar não era uma opção em minha cabeça.
80 km por uma estrada agradável e com poucas subidas.
A velocidade média foi boa e logo estávamos no PC para seguirmos por um novo trekking de + ou - 50 km.

Paramos neste PC para dormir e esperar o Sol baixar. Foi nossa maior parada até então. Duas horas seguidas.
Meus pés fritavam e não estava querendo tomar remédio logo no começo da caminhada. Queria deixar para mais adiante.

A Lu arranjou um cajado e segui me apoiando. A cada passo era como se uma faca fosse enfiada na sola do meu pé.
Um ritmo geriátrico sem fim...
Mais adiante tomei um anti-inflamatório e um analgésico, as dores foram deixadas de lado por algumas horas e o ritmo aumentou.

No solo arenoso pequenas criaturas surgiam como se fosse um terreno alienígena.
Pequenos escorpiões, micro sapos, joaninhas gigantes, milhares de centopéias e larvas que escalavam seus fios invisíveis rumo ao topo das árvores.

No final deste trekking passávamos por várias fazendas e o efeito dos remédios havia passado.
Por nós passaram alguns caboclos montados em seus Jegues..
-Moço, quer alugar o Jegue. Pago bem !!!
-Não !!
Estava com a intenção real de alugar o Bicho, mas ninguém se habilitou...

5º feira e estávamos chegando na penúltima perna. 35 km de bike.
Vai ser rápido. Mamão !!! Em no máximo três horas fechamos. 6º de madrugada estaremos cruzando a linha de chegada. E Graças a Deus não iremos mais caminhar.
Meus pés agradecem !!!

Pura Ilusão. A perna de 35 km de bike era praticamente toda de areia. Erramos antes de cruzar a Serra e no final também
perdemos horas que quase eliminam nossa equipe da prova.
Caminhar empurrando a bike com meus pés em frangalhos por uma interminável areia fofa foi uma experiência transcendental.
O Marcello passou mal e sofreu bastante nesse trecho.
A presença dos espíritos da Caatinga se tornou muito clara nessa hora.
Dai por diante uma nova dimensão se abriu. Não importava mais a dor. Não importava mais nada. O caminho era aquele. Nem bom, nem ruim, apenas o caminho. Passo após passo a dor se transformava em motivação. E parei de rejeitar a situação.
O que vi no meio daquela mata perfumada por plantas raras irá ficar para sempre no meu coração.

Chegamos meia hora atrasados para pegar os Ducks. Lutamos para conseguir sair. HOJE A NOITE ESTAMOS EM CASA !!!

Remamos com força e chegamos por volta das 5 horas da tarde na última e aparente simples portagem...
Demos a última dormida de 40 minutos.

HA HA HA...
Eu de sandália de dedo com meu head lamp quebrado e já anoitecendo...
Não encontrávamos a passagem para o outro lado da barragem
Anda dali. Puxa Duck daqui. Eu carregando as mochilas e remos junto com o Marcello que estava com o pé também prejudicado. A Lu e o Bilikis os Ducks.
Resumindo.
Por 8 horas andamos de lá pra cá feito tontos. Com o raciocínio lento depois de tantos dias de pouco sono.
Até dar a louca e tacarmos os Barcos pelo muro de 20 metros da barragem. Isso era 3 da manhã.
Entramos na represa e remamos com toda a força pra completarmos a prova.
Quando o Sol nascia e comecei a lembrar de tudo que passamos, das divindades que se manifestaram para nos ajudar, chorei feito criança.
Grato por superar os desafio. Por estarmos chegando ao fim.

Ás 10:20 da manhã de Sábado cruzamos a linha de chegada com os barcos na cabeça. Muita emoção.
Agora só queríamos um copo de cerveja gelado, comida quente e cama.

Agradeço:
Ao Marcello por ter nos chamado para essa aventura e pela oportunidade do desafio.
Ao Bilikis pela garra e força.
A Lú que não se abalou em nenhum momento, uma guerreira maravilhosa.
A Microcamp que acredita no projeto aventura.
A todos os amigos que compartilharam essa aventura conosco e se mostraram verdadeiros guerreiros.
Ao povo maravilhoso da Caatinga e sua generosidade.
As divindades que nos protegeram.

Diz o mestre...
“O importante não é o destino e sim o caminho.
Logo o caminho se torna o destino.”


Abraços,


Ozi

Osmar Bambini
Por Osmar Bambini
16 Abr 2008 - 09h17 | sudeste |
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