Relato da participação da equipe feminina Anamitrá no Haka Race Socorro

Por Vanessa Cabral - 20 Mai 2008 - 11h50

Quando decidi sair do triatlo, a minha principal queixa era a solidão tanto nos treinos como nas provas. Minha alma guerreira queria continuar se aventurando, mas pedia encarecidamente que eu encontrasse parceiros para essas longas jornadas. Foi aí que descobri o mundo das corridas de aventura.

Nos últimos dez anos, venho buscando satisfazer os desejos do corpo e da alma. A falta de  tempo para treinos e viagens nos primeiros anos, a inexperiência de quem nunca havia feito provas em equipe, entre outras coisas, acabaram atrasando a minha imersão neste esporte.

Mas a partir de 2008, resolvi tornar as corridas de aventura um laboratório para alguns trabalhos que pretendo desenvolver como psicóloga e terapeuta corporal. Encarei pela primeira vez uma corrida de expedição e fui com a Pata da Cobra conhecer os caminhos de Lampião e Maria Bonita pelo interior do Nordeste, no Brasil Wild Extreme.

Um pouco mais de um mês depois desta aventura, que consumiu mais de 100 horas de muito calor, areia e espinhos; retornei às corridas curtas com a minha equipe do coração Anamitrá, correndo ao lado da minha super parceira Marcia Poppe. Fomos para Socorro fazer a segunda etapa do Haka Race 2008. Na primeira etapa havíamos conseguido uma ótima colocação, chegando em segundo lugar entre as duplas mistas e sexto no geral. Estávamos animadíssimas!

Desta vez conseguimos chegar ao local da competição e fazer o special test e, o melhor de tudo, já começar a reencontrar amigos, a confraternizar, matar saudades.

No sábado de manhã, a praça da matriz pulsava de alegria. Atletas se alongando, alguns ainda fazendo a checagem dos equipamentos, sorrisos nos rostos... abraços... uma energia gostosa, leve.

São Pedro foi muito camarada, e também nos presenteou um dia com clima perfeito: nem calor, nem frio, nem vento... Mas o ar puro de Socorro enchia nossos pulmões, e mostrava para cada um que vinha da grande metrópole, como é bom respirar O2 sem CO.

Briefing, últimas recomendações, e a moto madrinha dirige as quase 90 equipes pelas ruas da cidade num trote bem acelerado (e bota acelerado nisso!).

Eu e minha parceira começamos a acelerar o passo para tentar chegar no pelotão da frente, onde corriam ARS, AKSA, Lebreiros, Saci, entre outras candidatas ao podium.

Fomos passando aos poucos por atletas dos mais diferentes perfis. Acredito que alguns eram “marinheiros de primeira viagem”, pois presenciamos algumas cenas típicas de quem está fazendo a sua primeira corrida e é tomado pela ansiedade: um menino ainda correndo no asfalto da cidade começa a esvaziar o seu camelback para ficar mais leve. Tentamos alertá-lo que iríamos encontrar um trekking de 14 km pela frente, e que ele provavelmente iria sentir falta daquela água que ele estava desperdiçando naquele momento. Mas tudo bem... como diz o velho ditado: “Vivendo e aprendendo...”

Seguimos em busca do PC1 procurando imprimir um ritmo de recuperação, porém cuidadoso. Sempre que uma de nós diminuía o passo, a outra procurava ajudar, dando a mão, correndo ao lado, apoiando sempre. Essa foi uma das primeiras fichas que caiu sobre o espírito das corridas de aventura: a importância do cuidar e deixar ser cuidado em uma prova destas. Tínhamos um objetivo em comum: ir bem na prova, conseguir outro podium. Eu e Marcinha sabíamos que não ia ser fácil, mas que também uma nunca deixaria a outra para trás, e isso nos fortalecia e motivava. Correr ao lado de alguém que confiamos e queremos bem é fundamental para o sucesso neste esporte. Corremos o tempo todo juntas. Como boas amigas, íamos conversando o tempo todo, uma perguntando para a outra como estava se sentindo. Contrastando com a nossa sintonia, víamos algumas duplas onde um atleta largava o outro para trás, se distanciava vários metros, subia a ladeira e, lá de cima gritava: “Vamos fulano!!! Vamos lá!!! Andaaaaa!!”. Ao presenciar esses momentos, lembrei de outras provas nas quais eu já tinha ficado para trás e dos sentimentos de solidão e desânimo que me assombravam quando eu tinha que arranjar forças para tentar alcançar uma equipe que nunca parava. Em provas assim, tinha vontade de desistir, ficava me perguntando: O que é que eu estou fazendo aqui????

Entre o PC2 e o PC3 conseguimos nos aproximar de outras duas equipes mistas, e conseguimos pegar o mesmo bote para fazer o rafting. Aí veio outra lição interessante: o nosso barco era composto por dois homens e quatro mulheres, além do super instrutor Felipe (valeu Felipeeeeeeee!). Quando começamos a remar, sentimos a ansiedade e apreensão dos meninos, querendo impor um ritmo mais forte. Chegamos a um acordo sobre o ritmo ideal – uma vez que nós mulheres temos menos força física – e começamos a passar as corredeiras.

Sincronizamos as remadas e conseguimos obedecer fielmente aos comandos do instrutor: não encalhamos em nenhum momento, nosso bote não virou, foi uma maravilha! Conseguimos passar um bote que havia saído alguns minutos na nossa frente (e nele haviam somente homens), e chegamos ao final do percurso praticamente empatados com um segundo bote (também de maioria masculina). A organização estava perfeita, e o pessoal da CANOAR também foi show de bola! Parabéns Meninos!!!

Colocamos os remos e o bote no caminhão e aproveitamos o momento de assinar o PC para comemorar a boa remada com as outras duas duplas que haviam remado conosco.

Voltamos ao trekking, e eu comecei a sentir câimbras na sola do pé direito e nas panturrilhas – provavelmente em função do esforço feito durante o rafting. Comi azeitonas, me hidratei, tomei um Gu e aos poucos consegui voltar a um ritmo mais forte. Marcinha, sempre preocupada comigo, ia me orientando com relação ao alongamento e o que eu deveria comer ou tomar.

Presenciamos então outra cena interessante, e que mostra que muitos atletas se aventuram neste tipo de esporte sem procurar nenhuma orientação para se preparar fisicamente para o percurso. Estávamos perto da subida da Pedra da Bela Vista, e começamos a escutar uma respiração forçada, alguém hiperventilando atrás de nós. O barulho foi aumentando, paramos de conversar (mulheres conseguem conversar e correr ao mesmo tempo) e vimos o atleta (também um menino novo) se aproximando. Seu rosto estava pálido, sua camisa estava banhada de suor. Eles passaram pela gente, mas não conseguiram abrir muito. As subidas voltaram na trilha, e os alcançamos de novo. E o menino ainda estava ofegante. Ao passar por ele, procurei ajudá-lo, orientando-o a respirar de maneira mais compassada, a comer algo que o ajudasse a repor todo o sal que ele estava perdendo no trekking. Ele me agradeceu com o olhar, pois mal conseguia falar.

A subida até a Pedra Bela Vista e o PC04, foi sofridíssima. Não cheguei a parar, mas as fisgadas musculares se alastravam da panturrilha para o quadríceps. O encontro com os queridos João Bali, Driko e Guilherme da AKSA durante este trecho aliviou muito o sofrimento físico, e descobri mais uma coisa: carinho dos amigos e uma boa dose de “besteirol” fazem muito bem ao corpo, mente e espírito!

Chegamos até a Pedra do rapel... Nossa... que vista! Pus rapidamente a cadeirinha e fiquei sentada na pedra esperando a minha vez de descer... Foi um momento muito especial e que ajudou a me restabelecer: respirei aquele ar maravilhoso, deixei o vento levar embora o cansaço e aproveitei a energia daquela pedra enorme e maravilhosa para recarregar as baterias.

Desci o rapel bem rapidinho, pois sabia que a minha subida de volta iria  ser mais lenta. Chegando em cima novamente, minha parceira já tinha preparado as bikes e estávamos prontas para continuar a corrida. Olhei as equipes que estavam na pedra, e percebi que nossa posição era boa na competição, pois a AKSA havia acabado de sair para o pedal e os Lebreiros ainda estavam fazendo o rapel.

Tomei metade de uma coca cola enquanto a Marcinha levava as duas bikes para a trilha. Fui ao encontro dela e começamos a pedalar. Neste momento, as câimbras tomaram conta da minha perna direita. Junto com a dor muscular veio também a ânsia de vômito. Tive que parar e comer muita azeitona, tomar muito líquido, mesmo com o meu estômago doendo.

Mais uma vez, minha parceira me orientava sobre os cuidados que eu devia tomar e eu obedecia, mesmo com meu corpo rejeitando água e comida. Voltei à Terra novamente.

Seguimos em busca do PC6, o que levou mais tempo do que imaginávamos, pois acabamos pegando a trilha mais curta, porém com altimetria mais complicada. Até o final da prova, pedalamos lado a lado. Tivemos muito cuidado nos downhills, chegando a descer da bike nos trechos mais cabeludos – E aí vai outra dica para quem quer ver o pórtico de chegada de uma prova de aventura com todos os dentes e com a pele sem arranhões e roxos: respeite seus limites, confie na sua intuição. Se aquela voz interna disser: “Cara, desce dessa bike e vai caminhando nesse trecho...” respeite-a, siga as suas instruções! Conheça seus limites e dê vida longa ao esporte na sua vida! De que adianta chegar aos 40 anos com alguns prêmios mas com um desgaste nas articulações que o impede de continuar competindo?

Ficamos muito tristes de ver no trecho de bike que muitos atletas deixaram pela trilha embalagens de power gel, barrinhas, e afins. Isso é uma vergonha! Se as pessoas têm coordenação motora para andar numa bike, para comer e beber durante o percurso, é difícil acreditar que elas não tenham a capacidade de guardar o seu próprio lixo. Em momentos mais complicados da corrida, onde não podíamos parar para nada, a minha parceira me dava o seu lixo e eu guardava na parte externa da sua mochila e vice versa. Que tal tentar fazer algo parecido da próxima vez? Não vão ser algumas embalagens vazias que vão pesar na sua mochila e prejudicar o tempo final da sua equipe, mas garanto que o lixo na trilha pode vir a ser motivo suficiente para que os donos das propriedades por onde passamos nunca mais queiram saber de corredores de aventura pelas redondezas.

Já chegando na cidade, depois de ter xingado muito o Prof. Léo nos pushing bikes que fizemos entre os PCs 7/8/9, encontramos duas duplas masculinas que estavam na nossa frente. Nos juntamos e começamos a andar pela cidade procurando a Igreja Matriz. O trânsito estava movimentado naquele final de tarde, e acabamos ficando um pouco para trás no final. Chegamos numa primeira praça achando que era a chegada, mas logo percebemos que era outro evento. Alguns meninos da cidade nos mostraram que a Igreja ficava logo ali na frente. Corremos para lá e terminamos a nossa aventura em um pouco mais que 7 horas de prova.

Não conseguimos podium desta vez, mas superamos uma prova muito difícil juntas, e essa foi a maior lição.

Ficamos depois ali na praça, felizes, comemorando e saudando cada equipe que chegava, celebrando a vida, os amigos, a natureza – presentes preciosos que precisamos cuidar sempre!

Marcinha, estou muito orgulhosa de ter você como parceira! Obrigada pela força, carinho e amizade – esse é o verdadeiro espírito de equipe!!!!
Prof Léo! Enche o meu coração de alegria ver que suas corridas estão ficando cada dia melhores! Seu staff está de parabéns, assim como os seus parceiros da Canoagem, do Rapel, pessoal da imprensa (né Marcelão!!!).

Fazer o Haka é sinônimo de superação (pois as provas não são nada fáceis, viu?!) e de alegria, uma vez que o espírito de confraternização que envolve as provas nos faz sentir abraçados por uma grande família.

Voltei para Sampa com um largo sorriso no rosto e com a certeza de que encontrei pessoas e lugares especiais que vão fazer parte da minha história, para sempre.

Namastê
Vanessa Cabral
Equipe Anamitrá

Vanessa Cabral
Por Vanessa Cabral
20 Mai 2008 - 11h50 | sudeste |
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