Dez anos de corrida de aventura no Brasil e também uma década se completa da primeira participação de uma equipe 100% brasileira na maior corrida de aventura do mundo na época. A equipe mineira Brasil 500 anos fez e faz sua história nas corridas de aventura no Brasil, porém, diferente da maioria, ela começou no topo do esporte, pela mais difícil e almejada Eco-Challenge.
A Eco Challenge deixou de existir, mas até hoje seus vídeos instigam aventureiros, e até mesmo sedentários, e no caso da Brasil 500 anos não podia ser diferente. Uma turma do parapente, que participava pela primeira vez de um enduro a pé, resolveu papear durante uma prova sobre um tal programa maluco do Discovery Channel e que se chamava Eco-Challenge Columbia Britânica 1996. Resultado: um ano depois, a inscrição, que passara a ser gratuita, no entanto, escolhida a dedo, havia sido aprovada pelo lendário Mark Burnet, organizador da competição.
O Adventuremag resolveu resgatar um pouco dessa história, contada pelos aventureiros Uriel Santiago e, diretamente do canal Beagle, no Ushuaia, de férias com a família, Leonardo Gontijo (Leo).
Não só as lembranças vieram à tona no bate-papo eletrônico, mas toda uma enorme lista de aprendizados, usada ainda hoje por estes ousados atletas, que desafiaram o desconhecido e foram para Marrocos participar da Eco Challenge 1998. Abrindo essa lista, talvez a melhor definição já dada aos atletas do esporte:
“Na corrida de aventura, assim como na natureza, como dizia Darwin, os vencedores não são os mais fortes, mas os que melhor se adaptam”, Leonardo Gontijo.
A formação da equipe
Depois da etapa de enduro a pé, Leo, o amigo do vôo livre, Enio Martins de Souza, o triatleta Antonio Sérgio Barral (Tony) e Uriel ficaram animados com a idéia de participar de uma competição de 480 km, no deserto e que nem se quer ainda existia no Brasil. A empolgação foi tamanha que convenceram a atleta olímpica de ciclismo e amiga Claudia Carceroni, que morava na França, a incrementar o currículo que seria avaliado por Mark Burnet.
No final de 1997, para a surpresa dos principiantes, a “Brasilian Flyers” – primeiro nome e que se remetia ao vôo livre – recebia uma carta que aprovava a participação na etapa Marrocos, que aconteceria em outubro de 1998. Junto com o documento, um conselho aos novatos para que ampliassem o número de integrantes da equipe, como forma de garantir que pelos menos quatro restassem ao final dos intensos treinamentos que estariam por vir. As ciclistas Flavia Salve e Laura Furtado também aceitaram a proposta e passaram a integrar a equipe, que treinava de 4 a 6 horas por dia e praticamente todo fim de semana.
A definição dos quatro elementos finais só se deu em agosto de 1998, já como Brasil 500 anos. Formaram a equipe: o engenheiro eletricista Uriel Soares Santiago, com 30 anos na época; o médico oftalmologista Leonardo Gontijo, com 39 anos, a educadora física Flávia Salve, com 33 anos; e o médico anestesista, que adiou o casamento por conta da prova, Enio Martins de Souza, de 35 anos.
“Fomos para a maior prova de aventura da época, sem nunca ter participado de uma corrida antes. Era uma loucura e ninguém acreditava na nossa equipe. Para os outros era a coisa mais louca que alguém podia fazer”, Uriel.
Preparativos
Bem diferente de hoje, com assessorias esportivas especializadas e equipamentos específicos para o esporte, a Brasil 500 anos de 1998 realizava treinamentos por conta. Os treinos da equipe eram divididos basicamente por dois períodos por dia durante a semana e outros longos aos fins de semana. Alguns treinos em caiaque oceânico – principal embarcação das provas internacionais – aconteceram no Rio de Janeiro, onde a equipe aprendeu a entrar e a sair dos caiaques no mar. Cursos de equitação e de técnicas verticais incrementaram a lista de modalidades esportivas.
A diversão ficava ainda por conta da navegação com mapa e bússola, porém sem nenhuma competição no currículo, já que as corridas de aventura só estreariam no Brasil na mesma época da Eco Marrocos.
Uma passadinha em Nova Iorque e 30 mil dólares depois, a equipe estaria pronta para a prova. Na bagagem, suplementos, roupas, bicicletas e todos os equipamentos necessários e idênticos para os 4 atletas.
“Não eram equipamentos top de linha, mas eram bons e sob medida. Compensamos a falta de experiência com um ótimo preparo físico e equipamentos de primeira”, Uriel.
“A corrida de aventura exige inteligência, organização, um time coeso, equipamentos de ponta, roupas de preferência iguais e tudo já testado”, Leo.
A chegada ao Marrocos e algumas surpresas
Depois de recusarem uma oferta de US$ 40 mil em troca de duas vagas na equipe, a Brasil 500 anos desembarcou no Marrocos sem patrocínio e sem nenhuma experiência em corridas de aventura. Com uma semana de antecedência aterrissaram no país africano, levando na bagagem tudo o que tinham comprado em Nova Iorque e mais arroz, feijão e frango embalados à vácuo pela empresa do amigo Ari, que também já havia emprestado um caiaque para os treinamentos.
A semana que antecedeu a largada serviu para que a equipe brasileira, assim como as demais 54 equipes, ao todo de 27 países, fizessem os testes de técnicas verticais, orientação, bicicleta, caiaque, cavalos e camelos. Um tombo de camelo da Flavia depois e tudo pronto. Já o teste de primeiros socorros foi fácil para os brasileiros, que tinham dois médicos na equipe.
Após a única tarde livre em Marrakesh, o briefing colocou efetivamente a Brasil 500 anos na prova. Não só pelos preparativos e estratégia que tomariam dali pra frente como também um comentário “carinhoso” de Mark Burnet, seguido por uma gargalhada:
“Vocês estão de parabéns! Serão os primeiros brasileiros a completar um Eco Challenge e a primeira equipe formada por caveiras a completar um Eco Challenge”.
O excesso de treinamentos e a tentativa de conciliar tudo com família e trabalho deixaram os brasileiros tão magros que os destacavam da maioria dos competidores profissionais, que, em geral, tinham uma camada de gordura extra por conta da expedição que estaria por vir.
É claro que a brincadeira não ficaria sem uma resposta típica brasileira do Leo: “Mas pelo menos não estou tão feio como o Uriel”.
O organizador retrucou e disse aos risos: “Você está pior!”
O Uriel havia chegado ao Marrocos com 68kg e voltou para casa com 8 kg a menos, perdidos em apenas 10 dias.
Durante o briefing, as equipes descobriram que só receberiam os mapas do primeiro 1/3 de prova, o que dificultaria o planejamento para as etapas restantes. Souberam também que a prova largaria com 14 km de camelo e 6 km de coastering, duas novidades no Eco Challenge. Na seqüência, mais uma surpresa: um longo trecho de 80 km de canoagem oceânica, para serem realizados em dois dias.
Sabendo o que fariam só na primeira parte da prova, as equipes separaram tudo o que precisariam de equipamentos e comidas para esse trecho e entregaram suas caixas de reabastecimento à organização. Com tudo pronto, na manhã seguinte seguiram de ônibus por 700 km até o litoral, onde aconteceria a largada.
“O difícil é que, para andar na frente, temos que estar leves, e assim aumentam-se os riscos. Quem quer andar na frente, além de ter um bom navegador, tem que ter, treinamento físico e experiência para eliminar da mochila aquele pesinho extra, que poderia matar a fome no caso de se perder”, Leo.
Na véspera, situação cômica com um ensaio da largada com os camelos. Não eram só os brasileiros que nunca haviam participado de uma corrida de aventura. Camelos alinhados, contagem regressiva simulada, soa a buzina e... camelos direto para o curral, que ficava na direção contrária ao caminho da prova.
Com um olhar de preocupação, organizadores e atletas foram para suas barracas montadas na praia passar a última noite antes da largada.
“Não tínhamos experiência nenhuma, não passava pela cabeça de ninguém da equipe o que iria acontecer e o tanto que iríamos sofrer nos próximos 10 dias. Acho que por isto e pela felicidade de ter chegado ali, dormi super bem aquela noite”, Uriel.
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