Tudo começou quando Karim (atleta do RN) que já havia corrido com a Lobo Guará (SP) o Brasil Wild Extreme, e que já estava mais que confirmado no Ecomotion 2008, me ligou dizendo que não poderia mais participar por questões profissionais e que gostaria que eu corresse no lugar dele esse ano. Para ser sincero, não acreditei de primeira, e acho que nem ele, pois da primeira ligação até a confirmação demorou mais de uma semana. Para mim era algo inimaginável.
Eu que sonhei desde 2003 quando acompanhei o primeiro Ecomotion pela internet e mal sabia o que era corrida de aventura, a Usbão estava apenas começando, e nesta época eu, Dani, Mariano e Veruska já planejávamos correr uma dessas em 2008. Na verdade era um sonho, bem distante, pois não sabíamos o que era correr uma prova dessas. De repente me deparo com a possibilidade de correr a mais importante de todas as edições, pois essa se tratava do Mundial de Corrida de Aventura, onde todas as melhores do mundo estariam lá pra disputar o título de campeã mundial. Além disso, eu teria a grande responsabilidade de correr com uma equipe experiente, top 10 Brasil há muito tempo, com atletas que correram praticamente todas as edições do Ecomotion, a Lobo Guará de SP.
O sonho começou a se transformar em realidade quando Karim finalmente disse que estava tudo certo e em poucos minutos eu recebo uma ligação do Rodolfo, líder da equipe. Passamos um bom tempo conversando ao telefone e a partir desse dia fui incluído na lista oficial de e-mails da equipe, onde começaria a fazer parte de todas as discussões sobre logística, treinamento, alimentação, preparação para o Pró. Todo contato com a equipe foi por e-mail e telefonemas, mas eles já estavam muito bem organizados, os caras sabem o que é correr uma prova dessas. Detalhe, isso tudo aconteceu 20 dias antes de ter que embarcar pra corrida, mas corredor de aventura é assim mesmo, quanto pior melhor!
Depois de centenas de trocas de e-mails, dezenas de ligações, conferências de checklists imensos, todas as arrumações, treinos ao meio-dia pra poder sentir uma amostra do calor que sentiríamos lá, é chegado o dia. No domingo (26/10) embarquei para Natal onde passei segunda e terça (27 e 28/10) cuidando de arrumar os últimos detalhes do nosso carro de apoio. Fiquei estes dois dias com Karim e nossos 2 apoios Cledilson (4 elementos, Tapuia) e Max (4 elementos, Carbono Zero) cuidando das últimas compras do apoio e arrumando a caminhonete 4X4 (exigência da prova).
Apoio pronto, na quarta (29/10) saímos cedo para Fortaleza onde encontraríamos os outros atletas da equipe, Tobias que viria de SP e Marianinha que viria de BH, já que Marcelinho já tinha chegado e ido direto pra Jericoacoara, cidade sede da corrida. Ao chegar a Fortaleza Tobias já estava nos aguardando na pousada e assim que chegamos já fomos fazer as compras de supermercado para toda equipe e apoio. As compras foram dos tradicionais gatorades, macarrão, molho de tomate, carnes prontos enlatadas aos desejos pessoais de nutella, bolinho Ana Maria, goiabinhas, batata frita, chocokies, chocolates, azeitonas, pingo d’ouro e por aí vai. Compras feitas, voltamos pra pousada, eu e Max fomos dormir enquanto Tobias e Cledilson (mais conhecido por Taz, é... da Tazmania mesmo...) foram buscar Marianinha no aeroporto.
Na quinta (30/10), dia da apresentação da equipe em Jeri, acordei logo cedo (5h) com Max para irmos até o CEASA buscar as tralhas da equipe que Rodolfo enviou pela transportadora. Pegamos tudo e voltamos para a pousada como combinado antes das 7h. Daí começou o dilema de como levaríamos tudo que tínhamos na caminhonete. Simplesmente não cabia. Tomamos 2 soluções: a primeira foi adaptar um suporte de bike que ficasse mais alto do que o que estava para caber mais coisas abaixo das bikes; a segunda foi começar a reduzir as coisas que cada um levaria, deixamos algumas coisas na pousada em Fortaleza e caímos na estrada, já perto da hora do almoço da quinta.
Final da tarde da quinta (30/10) e tínhamos mais de 10Km de pura areia, um verdadeiro rally para chegar em Jeri, ali começamos a ter uma amostra do tanto de areia e vento forte que enfrentaríamos na corrida. Chegamos em Jeri, fomos direto para a tenda do Ecomotion, um baita estrutura montada onde aconteceria a cerimônia de abertura e encerramento da corrida, tudo de primeira e no meio da areia, haja trabalho pra essa organização! Chegamos, passamos na tenda, conversamos com a organização e deixamos os últimos detalhes para a sexta de manhã, foto oficial, entrega de fichas, etc... Já que Marcelinho já era nativo em Jeri e só fomos nos encontrar com ele quando já estávamos jantando, mas tranqüilo, deu tudo certo, ele já tinha adiantado boa parte da checagem e faltou quase nada para sexta de manhã. Jantamos e fomos pra pousada, onde já começamos a arrumar materiais, distribuição de roupas da equipe e dormimos muito bem até a sexta.
Acordamos na sexta (31/10), tomamos um belo café na pousada Papaya, uma pousada super aconchegante de Jeri, e fomos cuidar das últimas coisas antes do almoço de confraternização. A largada seria no domingo, mas as mochilas já estavam praticamente prontas desde então. Por volta de 13h fomos para o almoço de confraternização, daí confirmamos o que já esperávamos: muito mais gringos do que brasileiros, todos os TOP mundiais lá do nosso lado, na mesma fila bagunçada para o almoço, que deve ter sido pensado para vegetarianos, pois a carne era coisa rara. Cada atleta saía com uma duna de comida no prato (gostaram da adaptação? Não cabia usar o termo montanha em Jeri), e quem disse que francês come pouco... os que estavam lá comiam dunas de comidas!
Todos almoçados, conversa com um, conversa com outro, conhece um, conhece outro, troca-troca de camisas. Eu mesmo troquei umas 4 camisas da Usbão por camisas dos gringos. Após o almoço fomos para a pousada, descansamos um pouco e 21h todos na tenda Ecomotion para a cerimônia de abertura. Na cerimônia de abertura já começava a bater aquele friozinho na barriga misturado com uma vontade de que a largada acontecesse logo. A trilha sonora que os caras colocam é muito louca e quem já acompanha o Ecomotion e escuta aquela boa e velha trilha, onde tem aquela voz sussurrada dizendo “ECOMOTION...” PUTZ... a galera vai ao delírio.
Começa a cerimônia de abertura, no clima de Mundial, vídeos com os melhores momentos das outras edições do Ecomotion, falas do representante da AR Series enchendo a bola do Brasil, e vários comentários de que essa seria a mais dura de todas as edições. As equipes foram apresentadas uma a uma e haja ícones do esporte... Paul Romero, De La Rosa, Nerea Martinez, Mike Kloser, Robin Benicasa, Nora, Shubi, Rafael Campos, a galera da Oskalunga, Selva, SOS... só fera!!! Terminada a cerimônia de abertura, voltamos para a pousada, pois no sábado logo cedo começaríamos o deslocamento até Parnaíba.
Sábado (1/11), véspera da largada. Logo cedo, café da manhã e deslocamento até Parnaíba. Marcelinho e Marianinha foram nos ônibus da organização, chamadas de jardineiras, uns caminhões 4X4 até Jijoca onde pegariam ônibus mais confortáveis até Parnaíba. Um deslocamento de umas 4h até Parnaíba, onde chegamos, fomos almoçar e 14h os mapas já foram entregues. Mapas na mão, e a corrida para mim já tinha começado. Fomos para a pousada, pegamos uma mesa grande e sentamos eu e Tobias para começar a traçar a estratégia, e fazer todas as marcações no mapa. Começamos a entender a corrida... e mais uma vez confirmamos que o bicho ia pegar... largaríamos no meio das dunas, depois pegaríamos trechos de remos imensos quase em mar aberto... trekking subindo serras muito altas.... mas vamos lá... passamos umas 4 horas na discussão da estratégia e marcações enquanto os apoios, Marcelinho e Marianinha cuidavam dos últimos detalhes para a largada, colocar amendoins, castanhas, lenços de limpar bumbum de neném (não tem coisa melhor para as horas de aperto!) tudo em saquinhos plásticos e porções individuais. No final estava toda a equipe entendendo a prova... Marianinha decorou cada local que passaríamos e ordem de todos os PCs e ATs... Mapas prontos! Nada de descanso, hora de comer uma pizza e já partir para o briefing técnico. Às 21h todos reunidos no auditório da cidade, Said, Tiago Valois, Dr Clemar e toda a organização passam os últimos detalhes da prova. Na verdade fazem mais medo do que outra coisa... muito falatório e pouca informação útil. Final de mais um dia, o dia que antecedeu a lagada. Todos para a pousada, pois no domingo, dia da largada haveria mais um deslocamento (para variar) até Tutóia e depois até Paulino Neves, local da largada.
Domingo (2/11) dia da tão aguardada largada. Deslocamento até Paulino Neves e já estava mais do que claro o motivo pelo qual os carros de apoio deveriam ser 4 X 4. Almoçamos por volta de meio dia e já era chegada a hora de finalmente irmos para o local da largada, entramos no carro de apoio e fomos para uma praia deserta, onde alguns barquinhos nos levariam até as dunas onde formaríamos o nome Ecomotion com todos os atletas para daí largar oficialmente.
Nome formado, todos prontos, helicóptero sobrevoando, e Said soa a buzina que marca o início do Ecomotion 2008! Aos poucos o nome Ecomotion se desfaz e todos correm pelas areias finas das dunas, uma areia muito pesada até o primeiro PPO (ponto de passagem obrigatório) no ponto mais alto de uma das dunas, em poucos instantes já podemos perceber que o ritmo seria alucinante, algumas equipes já começavam a se distanciar, formou uma grande fila de mais de 200 atletas correndo em direção ao PPO2, outro local em cima das dunas e continua o trekking pelas dunas. Ninguém andava, todos correndo, com os pés cobertos pela areia fina das dunas, cada subida de duna parecia que estávamos em areia movediça... Eu senti logo no começo, a pressão de estar num mundial, estar com uma equipe até então desconhecida, mas logo Tobias chegou junto e já me ajudou, carregando minha mochila pelos primeiros 40 minutos de prova, o suficiente para que a ansiedade fosse baixando, a respiração encaixasse e depois disso partimos em ritmo forte, sem parar de correr um só momento até os PCs 1 e 2, todos em dunas.
Nesse momento vimos que a corrida seria alucinante, pois mesmo correndo o tempo todo vimos que estávamos atrás de mais de 35 equipes no PC2, mas vamos para frente, estava tudo só começando... Do PC2 até o PC3 eram uns 15Km que poderiam ser feitos pela beira da praia, onde a areia já era mais consistente, e assim o fizemos, colocando um ritmo forte, onde conseguimos ultrapassar algumas equipes. Após entardecer chegamos ao PC3 e primeiro AT para a canoagem, fizemos uma transição muito rápida e conseguimos ganhar algumas posições, saímos do AT entre as 30 primeiras equipes. Coletes colocados, CupNoodles para dentro, sacos de hidratação completados, caiaques com comida e muita água e vamos nessa.... Começamos a remar eu e Marcelinho em um dos caiaques e Tobias e Marianinha em outro caiaque... tínhamos um trecho de quase 30Km até o PC4, primeiro PC onde poderíamos pagar parte das 8 horas obrigatórias de parada. Começamos a remar e aí veio a primeira dificuldade de corrermos com uma equipe sem nunca ter treinado junto... não sabíamos qual seria a melhor formação nos caiaques, e demoramos algumas horas até acharmos a combinação certa que seria Eu e Marianinha em um, e Tobias e Marcelinho em outro caiaque. Isso nos custou algumas posições, mas tudo bem, era começo de prova... já o primeiro trecho foi bastante duro, muito vento e estávamos remando quase que em mar aberto, muito vento contra e ondas... o que já começou a causar um certo enjôo na equipe.
Remamos até o PC4, chegamos lá e nos encontramos com a maioria das equipes que já estavam pagando as horas obrigatórias. Aproveitamos e pagamos 2 horas, comemos, achamos uma igrejinha para nos abrigar e dormimos cerca de 1h e 30m. Às 6h da manhã, partimos para mais 34Km de remo, dessa vez o vento estava pior ainda... o sol castigando as canelas (estávamos de bermudas), muita onda e maré contra... parece que tudo era contra, independente de que lado estivéssemos... Esse remo foi longo e muito sofrido, tiveram trechos que remamos a menos de 2Km/hora, acreditem, e não foi corpo mole! Tinham lugares que tínhamos que optar por remar mais até uma margem mais protegida do vento para podermos evoluir, inclusive em um dos trechos passamos a Trotamundo em uma dessas estratégias. Larissa, da Trota, insistiu remando por um local quase impossível, onde o caiaque não saia do lugar, deu tempo de irmos pra outra margem, comer, dormir 10min e quando passamos, ela estava quase no mesmo lugar... inacreditável... mas fomos em frente... o objetivo era chegar ao PC5, local onde obrigatoriamente deveríamos ficar 1h parados.
Chegamos ao PC5 já no final da tarde da segunda feira, comemos, não deu tempo de dormir, e assim que passou 1h partimos para um trecho de trekking de aproximadamente uns 15km, com uma navegação mais difícil e já caía a noite. Navegamos bem e no final desse trekking tínhamos uma travessia em barcos de pescadores, para pegar os caiaques do outro lado do rio. Já era o PC6. Partimos do PC6 em direção à Parnaíba remando por uns 10Km, PC7 e AT para a bike. Este foi o segundo contato com a equipe de apoio, fizemos uma transição rápida, pegamos as bikes, cada um com 2 sacos de hidratação na mochila e partimos para o tão temido caldeirão Ecomotion.
A primeira perna de bike foi grande, mais de 100Km. Partimos na madrugada em direção ao PC8 aproximadamente 45Km de distância. O terreno era muito seco, com muita areia e muito cascalho. Já às 8h da manhã dava pra sentir o sol muito quente, mas ainda era possível evoluir bem. Nesse ponto fizemos uma opção interessante, pois estávamos empurrando as bikes por um areião impedalável, quando percebemos que perto dali passava um trilho de trem, e que ao lado desse trilho havia uma trilha single irada e que dava para pedalar muito bem... e aí fomos nós, mais de 15km de single trek até chegar perto do PC8.
Já era manhã da terça-feira (4/11) e optamos por fazer uma parada de 30min para dormir. Maravilhosos 30 minutos de dormida, todos de pé e em cima das bikes. Chegamos ao PC 8, onde comemos, tomamos água de coco, coca-cola, reabastecemos nossas mochilas e partimos em frente, deixando a Saferbo e a Camamu no PC descansando. Partimos para subir uma serra em busca do PC9, virtual, uma casinha isolada no alto da serra. Nesse momento sentimos na pele o que era o caldeirão Ecomotion. Por volta de 10h da manhã o sol começou a pegar. Chegamos ao PC9 Virtual, Marianinha fez amizade com mais uns 2 cachorros, dessa vez com o Tubarão Negro, cachorro dos donos da casa. Tomamos água e começamos a ver que esse seria o Porcomotion. Nunca vimos tantas cabras, bodes e porcos antes em nossas vidas... chegamos a pensar que eram porcos de estimação, e perguntamos como eles se chamavam... para nossa tristeza os coitadinhos nem nome tinham. Marcelinho nesse momento já fazia a pergunta pela milésima vez se o pessoal lá do alto daquela serra conhecia Cotia-SP... Incansável divulgador de Cotia... uhauhauhauh
Saímos do PC9 e fomos em busca do PC10 em Ibuguassu, onde encontramos nosso apoio depois de cumprir os primeiros 110Km de bike. Fizemos uma transição de 40minutos, comemos bem, e nos preparamos para subir a primeira serra de trekking, uma subida alta, saindo de 100 para 900 metros. Precisaríamos transpor essa serra e já era aproximadamente 16h da terça-feira (4/11).
Partimos para enfrentar a serra, sabíamos que enfrentaríamos um trekking duro, e nosso apoio já havia nos informado que as equipe não estavam fazendo esse trekking em menos de 12 horas. Batemos o PC11 na parte alta da serra e descemos para encontrar o PC12, local onde seria o primeiro corte. Foram 35km de trekking, metade subindo, metade descendo, com uma navegação bastante difícil na parte mais alta, e nesse momento estávamos juntos com Competition Aroeira, Lagartixa, CosaNostra, Saferbo, Camamu, juntou todo mundo... sem querer... mas corrida de aventura é isso...
Antes de começar a descer optamos por fazer mais 30 minutos de sono, pois já estávamos bastante cansados da subida. Essas paradas de 30 minutos são perfeitas! 30 minutos de sono e partimos para a descida da serra. Chegamos ainda na madrugada da quarta-feira (5/11) comemos uma super quentinha com arroz, feijão, lingüiça e galeto (tudo bem, tava frio, mas tava uma delícia), mochilas reabastecidas, transição com direito a banho de mangueira e escovada de dente.
PC12 cumprido, corte livrado com mais de 24h de antecedência, pegamos as bikes e partimos para mais uma perna de bike de aproximadamente 40Km em busca do PC13 onde novamente encontramos nosso apoio, dessa vez com uma transição rápida para o trekking de subida da segunda serra, onde tínhamos que sair com todo o equipamento de verticais para um longo trecho de trekking seguido de todas as verticais.
PC 13 atingido, deixamos as bikes, e partimos para a subida de uma serra sinistra... subida dura... muita pedra solta, íngreme e sem trilha marcada (quem fez isso a noite se ferrou!), até o alto da serra do Trapiá PC14, local belíssimo, vista perfeita do ponto mais alto, mas nesse momento começamos a sentir que nossa água estava se acabando, o calor era enorme, e começamos a sentir o que mais tarde soubemos que todas equipes sentiram... muita sede e princípio de desidratação.
Não havia uma gota d’água no percurso e fomos salvos por cajus que encontramos no caminho... Só fomos encontrar água uns 15Km a frente, já em direção ao Castelo de Pedras, mais um PPO antes de começar a sessão de verticais. Antes de chegar nas verticais encontramos uma vendinha, com água gelada, guaraná, biscoito de polvilho e a sensação da parada: os geladinhos ou sacolés ou flaus ou din din ou como danado você queira chamar esses sorvetes que vendem em saquinhos plásticos com sabor Buriti. Que delícia! Tomamos mais de 20! Comemos nossos sanduíches, azeitonas e salaminhos cuidadosamente preparados pelo Taz em porções individuais e partimos para a sessão de verticais. Atingimos o PC15, início do rapel na Cachoeira da Fumaça (não estamos na Chapada...) por volta de 17:30 da quarta (5/11) e nesse momento já estávamos apertando o passo, pois sabíamos que teríamos um corte na sexta 14h, e nem de longe cogitamos ser cortados. O objetivo era completar a prova sem cortes e na melhor posição possível.
Fizemos o rapel sem problemas, tranqüilos, um rapel guiado, muito bonito que nos levava ao vale da cachoeira, um rio seco (para variar) onde andamos uns 1500 metros até encontrar mais um PPO que sinalizava a subida da escalada. Esse pra mim foi um dos momentos mais críticos da prova no tocante a segurança, já que era uma escalada pela crista de uma montanha, onde várias vezes tínhamos que nos segurar a mais de 200 metros de altura nas pedras, cheias de cactus, com muito vento e sem nenhuma segurança... foram mais de 1000 metros assim. Em alguns momentos eu parei e fiquei respirando para tomar coragem e seguir em frente. Marcelinho sempre presente dando muita força e orientando por onde deveríamos passar, haja pedras soltas... precisávamos de muita firmeza ao segurar em alguma pedra, por diversas vezes as pedras caíam...
A noite já caía quando terminamos essa escalada e partimos para o local onde era a base da ascensão. Passamos por pedras enormes, um local fantástico e perfeito para a prática de técnicas verticais. Depois de uns 3Km chegamos na base da ascensão, de 30 metros de altura, sendo a metade positiva e a metade negativa na pedra do Machado, local alucinante, muito alto. As fotos estão perfeitas nesse local, passamos aí a noite. Fizemos a ascensão sem maiores problemas e atingimos o PC16 onde tínhamos que cumprir nossas últimas 5 horas de parada obrigatória. Aproveitamos para comer e dormimos o tempo que foi possível. Esse sono foi essencial para nossa melhoria de desempenho no trecho final da corrida.
Um trekking curto até o PC17, em Viçosa do Ceará, onde fizemos uma transição rápida e pegamos as bikes ainda por volta das 4h da manhã da quinta (6/11), dessa vez partiríamos para uma descida de mais de 4Km de paralelepípedos, com curvas fechadas, para mais uma vez encarar o caldeirão Ecomotion. Demos sorte, pois pegamos o início da manhã, e fomos por mais 50km atrás do PC18 em uma ponte sobre um rio lindo, que merecia um mergulho, mas estávamos num ritmo muito forte na bike e queríamos chegar logo para encarar o último trecho de remo. Passamos pelo PC18 e fomos buscar o PC19 em mais uns 30Km de bike, passando por um trecho de mountain bike muito técnico, perfeito e lindo.
Chegando ao PC19 em Campanário vimos nossa equipe de apoio e todos os outros vibrando muito com nossa chegada. Eles não estavam acreditando que tínhamos chegado por volta de 9h da manhã, nos esperavam perto de meio dia, nisso fomos informados que tínhamos feito o melhor tempo entre os PCs 17 e 19 de toda a corrida, ficamos quase sem acreditar... e isso só nos deu mais motivação para correr atrás de ganhar mais algumas posições. Transição rápida, mochilas abastecidas para enfrentar o trecho mais duro de remo, ou melhor o que seria um “puxa caiaque”.
Do PC 19 até o PC 20 seriam 60Km e já tínhamos sido informados que o rio estava praticamente seco, e que as melhores equipes estavam fazendo em aproximadamente 15h, mas que a média seria de 20 horas... Partimos em frente, caímos no rio começamos a remar e não mais que em 500 metros já estávamos nós fora do caiaque arrastando por um filete de água e muitas vezes pela areia que tinha no rio, porque água que é bom, nada! Começamos bem, remando e arrastando, passamos uma equipe da Colômbia, até que escureceu e tudo começou a ficar mais complicado... era impossível ver onde o rio estava mais seco e muito menos por onde o que restava dele continuava. Nesse momento, depois de umas 9 horas nesse rema e arrasta, já havíamos percorrido 34Km desse rio e o cansaço começou a bater. Já eram 18h da quinta (6/11) quando paramos para comer e Tobias vendo o mapa, comentou que teríamos uma possibilidade de portagem, mas que era muito longa e seria muito dura. Fizemos as contas e vimos que seriam mais de 25Km de portagem, ou seja, arrastando os caiaques pelas estradas de barro, areia e cascalho. Não pensamos duas vezes, subi com Marcelinho até a casa mais próxima, conversamos com moradores e descemos pra conversar com Tobias e Marianinha. Decidimos sair do rio e arrastar os caiaques por mais de 25Km. Uma decisão arriscada, mas que pelas contas que fazíamos seria mais interessante do que arrastar o caiaque pelo rio por mais 30 km, e assim o fizemos.
Amarramos cada caiaque em 2 pessoas para dividir o peso e lá fomos nós em direção a Granja (PC20) pelas estradas, noite e madrugada a dentro, foram 25Km arrastando os caiaques por lugares onde parecia que só subia, haja areia! Quando nos aproximamos da cidade entramos novamente no rio. Nesse local já era possível remar e remamos por uns 1000 metros até o PC 20. Finalmente, depois de 20 horas, estávamos num misto de cansaço e alívio por ter terminado aquele trecho difícil. Quando assinamos o PC percebemos que tínhamos deixado para trás algumas equipes como a Ecolabore, Cosa Nostra e mais umas gringas, e isso nos deu mais ânimo de pegar logo as bikes e partir para o último trecho de bike até Camocim. Quando chegamos ao PC 20 a equipe Oskaba-AL estava lá e eles estavam sempre a nossa frente durante toda a prova, desde o PC4, onde nos ultrapassaram no remo. Nosso apoio informou que eles haviam feito uma transição lenta, de mais de 1 hora, e nós então optamos por fazer uma transição rápida. Foram menos de 10 minutos, vimos Oskaba saírem na nossa frente e logo em seguida saímos.
Partimos forte para o último trecho de bike até Camocim , nesse trecho, antes de chegar no PC21, havia um PC virtual em uma igrejinha, ultrapassamos OSKABA e conseguimos abrir uma certa vantagem. O percurso era muito arenoso e por várias vezes tínhamos que empurrar as bikes. O sol já começava a apertar por volta das 9h da manhã da sexta (7/11), mas sabíamos que era o último esforço na bike, o que certamente ajudaria muito a nos garantir uma boa posição. Passamos por mangues, dunas e chegamos a Camocim, um lugar lindo de águas azuis por volta de 9:40. Nesse momento já tinha se fechado a janela de vento que permitiria que prosseguíssemos a prova ainda na sexta em direção à Jeri. A organização nos informou que a relargada seria apenas 1h da manhã do sábado. Logo cuidamos de comer e arrumar uma pousada para descansar. Dormimos bem (pois não havia nada a fazer, a não ser aguardar a janela de vento) e acordamos às 22h para arrumar tudo para o último trecho da prova, 32Km de Vela até o PC 23 e mais 12Km de costeira até Jericoacoara.
Todos prontos para a relargada, umas 14 equipes estavam lá... o vento estava quase parado nesse momento (quase um milagre) subimos no barco e saíram todas as equipes juntas por volta de 2:40 da manhã do sábado. Em poucos minutos alguns barcos já estavam bem a frente, era necessário remar bastante, pois não havia vento até então. Remamos com os remos do próprio barco, remos bastante pesado de madeira maciça. Remamos até que o vento começou a bater... continuamos remando, o sol começou a brilhar, já eram 7 horas da manhã, os 32Km foram percorridos em aproximadamente 7 horas, e quando o vento bateu com força paramos de remar e aguardamos chegar na margem...
Descemos dos barcos e partimos correndo forte, eram os últimos 12 Km da corrida e já era possível ver a duna de Jeri e começou a bater aquela motivação de terminar e terminar bem um Ecomotion, um mundial, muito bom! Mas ainda tinha uma preocupação... fomos o sétimo barco a chegar na margem, 6 já haviam chegado e um deles com uma vantagem de mais de uma hora... ficamos preocupados em poder ser uma das equipes que nos ameaçava, Ecolabore ou Oskaba, mas continuamos correndo firme. No meio do caminho encontramos pessoas do apoio e perguntamos se Oskaba ou Ecolabore já tinham passado, e tivemos a resposta que não. Bom demais então, bastava chegarmos a frente e nossa 32ª colocação geral e top 10 Brasil estava garantida.
Foi impossível conter as lágrimas a medida que nos aproximávamos de Jeri, muita coisa passava na cabeça naquele momento, cada treino, cada corrida nesses meus 4 anos desse esporte alucinante, saber que a 4 anos estava sonhando em fazer isso e o sonho estava se concretizando da melhor forma possível, ou seja, participando da principal edição do Ecomotion, com uma equipe brasileira top 10, correndo junto com eles como se fosse um deles a muito tempo. Melhor impossível! A duna ficava cada vez mais próxima e várias pessoas de apoio já sinalizavam para gente, aplaudiam, uma sensação inesquecível. Dilton vem a cavalo, tira várias fotos e dá as últimas palavras de incentivo antes de subirmos a duna e começarmos a escutar o sistema de som anunciando a nossa chegada! Lágrimas e mais lágrimas escorriam.
Chegamos!!! Muita vibração, muita energia, Taz e Max estavam lá nos esperando com Champanhe, muitos abraços, agradecimentos a todos, fotos, lá estávamos nós no pódio do Ecomotion Pró tirando foto e sendo homenageados. Um dos maiores sentimentos de dever cumpridos que já senti na minha vida. Desafio superado e com louvor.
Para mim isso tudo foi muito especial e fez valer cada gota de suor derramada nos treinos, cada dia que abri mão de alguma coisa por isso, cada corrida que me fez chegar até aqui.
Só tenho que agradecer a cada um que fez isso tudo se tornar possível e real. Karim, muito obrigado pela confiança e torcida; Tobias pelo líder e navegador impecável; Marcelinho pelo monstro que é e pelo astral 100% o tempo inteiro; Marianinha, nunca vi uma mulher tão arrojada, determinada e forte como você.
A todos que fazem a Lobo Guará, Rodolfo, Leça, Danilo, De Paula, Gabi pela força em todos os momentos e pelo acompanhamento na web. Ao Max e Cledilson, vocês fizeram parte dessa conquista como membros da equipe, vocês foram 1000! Aos meus pais e meus filhos que são a razão maior da minha existência e que deixaram mensagens lindas no site da corrida, e que Max sempre que possível nos levava.
A todos os amigos que torceram e sofreram conosco, mesmo que de longe. A todos que querem ver esse esporte cada vez mais forte e difundido no Nordeste. Todos vocês fizeram parte de um sonho, de um sonho realizado. E posso dizer com toda certeza, para os que acham que o nordeste é um pobre coitado e que estamos longe demais dos top do Brasil, me desculpe, mas esse é um grande engano. Somos fortes, muito fortes, dito por eles mesmos, e se pecamos em alguma coisa, pecamos em não acreditar no nosso próprio potencial e nos acomodamos nessa conversinha mole, conversinha mole que fomos lá e mostramos que podemos e podemos muito mais!
Parabéns a Oskaba que fez uma belíssima prova! Parabéns a Charles, Mané e Inês que levaram o Nordeste para esse Mundial. Vamos acabar de uma vez por todas com esse papo de que estamos distante dos top do Brasil! Basta olhar o RBCA e o desempenho nesse Mundial, não precisamos mais provar nada a ninguém, precisamos estar no meio deles sempre e tenho certeza que em 2009 o cenário ficará mais homogêneo ainda, vocês verão!
Helio Jugurta S. L. Cabral Junior
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