A preparação para esta etapa começou quando terminou a etapa anterior, em Pedro de Toledo. Oito semanas separaram uma prova da outra. A experiência em Pedro de Toledo tinha sido dura. Pouco treino, pouco sono, trabalho em demasia. Passei as primeiras duas semanas sem conseguir fazer praticamente nada de treino, só descanso. Fiz uma planilha para seis semanas seguintes e treinei disciplinado, pois minha intuição me dizia que em Peruíbe seria ainda mais difícil… E não é que foi ph mesmo!
Passei a noite de 12 de dezembro olhando pro mapa e traçando a estratégia, deitado no chão da barraca, tentando chupar o mapa por osmose até cair no sono. Manhã de sábado 13, o clima era de sexta-feira 13! O trecho de trekking na mata assustava só de olhar no mapa. Equipamentos preparados e fui pra largada, categoria solo, 80 km teóricos, mas na real sempre dá mais. Larguei para o primeiro trecho de trekking (5 km) sem mochila, apesar do contra-gosto do Fran. Mas levei todos os equipamentos obrigatórios comigo. Bolsos cheios, pochete. Dispensei a água e a comida na mochila, que pegaria no PC 2 junto com a transição para a bike. Buzinaço do Lucas, largada, foi um socadão geral aos PCs 1, 1A, 1B, 1C até o 2, a galera parecia num triathlon pelas ruas da vila Guaraú. Passa ponte, corre na praia, escala costeira. Passamos por um pessoal de branco na praia que se preparava para fazer suas homenagens a Iemanjá. Umas 120 pessoas. E nós, uns 150, vestidos de lanterna no capacete, calça de lycra, tênis… rss… cada um na sua tribo.
Depois da costeira pulei a cerca, literalmente, pra ter acesso a uma ruazinha e de volta ao caminho para o PC2. Mochila nas costas, o trecho na bike de 20 km de terra foi sem grandes percalços até o PC3, somente algumas subidas e descidas pra dar um gosto de sal na boca. Larga bike, veste tênis, corre morro acima, morro abaixo. Sobe e desce na trilha, saindo da estrada, num ambiente pra lá de bonito, sol forte, vista maravilhosa das praias e da serra. Corri por 4 praias com seus morros e “sobe-desces” entre elas, com boa exigência física, peguei o PC4 mantendo o ritmo no pelotão do meio. O PC5 tava lá no final da Praia do Arpoador, e ali começava o pesadelo…
Já passava das 15h quando marquei o PC5 e segui mato a dentro até encontrar a trilha rumo ao PC6. Trilha estreita, no barranco. Depois ela se definia mais, fiquei até feliz. A trilha fez um T, e nenhuma das direções levava ao azimute correto. Reabasteci de água e explorei a região. Passei por todas as bifurcações até chegar ao mangue do Rio Guaraú e me dar conta de que ainda estava muito longe do PC6. Voltei e começou uma aglomeração de atletas perdidos. Eu já estava me sentindo quase um gnomo local de tanto passar pra lá e pra cá.
Decidi seguir por trilha beirando o mangue, onde o azimute era “menos pior”. Ora mangue, ora trilha. Sabe aquele filme do Hellraiser? Comecei a sentir meu corpo todo agulhado, e parecia piorar a cada milissegundo… Não eram espinhos, eram vespas! Corri feito louco, nem sei como, naquela trilha estreita! Braços, pernas, cabeça, orelha… tudo picado! Vara mato, atola no mangue, corre na trilha, mangue. Aquela lama preta tem um cheiro que dá uma fome… Aglomera mais gente, fui no vara-mato, bebe, come, pensa… perrengue... Finalmente PC6! Misericórdia…
Subi do PC6 varando mato num barranco até uma trilha na crista. Andei um pouco, “cuidado com as vespas!”, gritou um lá na frente. De novo! Tudo picado! O desafio até o PC7 era atravessar a mata fechada sem trilha, passando por entre duas montanhas. O sol já se punha e uma leve claridade dava uma dica por onde deveria seguir. A bússola ajudava, mas como não sabia o ponto exato em que me encontrava no mapa, a incerteza era maior. Às vezes aparecia uma trilha de caçador, mas logo sumia.
Depois de muito varar mato e passar entre as montanhas, tudo o que pude pronunciar foi: “Vida de índio é difícil, hein!” Descer de esqui-bunda o terreno íngreme parecia um episódio de um programa do Discovery. Um aglomerado de atletas descendo, muitas pedras soltas rolando, noite, lanternas acesas, cobras. Seria Viagem ao Centro da Terra? Chegamos a um rio. Seguimos rio abaixo, por suas pedras, sentido sul. Só havia um rio no mapa naquela condição e numa região provável de onde eu estava. Um afluente do Rio Tocaia, que na altitude 70 m tinha uma trilha que o cortava e daria acesso à estrada para o PC7.
Trilha encontrada! Um ar animador pairou sobre todas as cabeças. Animei até correr de novo, pois a trilha agora parecia bem definida. Corre trilha, corre estrada, PC7! Transição para os 10 km de canoagem no duck, contornei a Ilha do Ameixal passando pelo PC8. De vez em quando um banco de areia no meio no rio atrapalhava a remada, só dava pra ver quando chegava bem perto, a escuridão da noite dava um tom sombrio nos contornos das árvores margeando o rio. A lua cheia apareceu, mas logo sumiu no meio de nuvens pesadas e tenebrosas. Começou a chover forte.
PC9, transição para a bike, para os mesmos 20 km, agora no sentido contrário. Anorak, gel, pedal. Ainda tinha energia pra manter um ritmo razoável em meio à chuva, com a iluminação da bike e do capacete balançando na frente a cada buraco da estradinha.
Um pouco antes do pórtico de chegada já encomendei uma pizza, de cima da bike mesmo, pedalando e falando com o pessoal da pizzaria. Pórtico, chegada, missão comprida e cumprida!
Denis Luque