Persistência além do limite da dor

Por Aline Paganelli - 29 Jan 2009 - 09h07

Pois bem, não faço uma narrativa desde o tempo do vestibular. Estava pensando em como sintetizar uma experiência tão nova, tão diferente, tão enriquecedora. Resolvi fazer de maneira simples... simples como Marco Farinazzo, o novo recordista mundial da Ultramaratona Brazil 135, que correu sem parar 217,3 Km, em 26h, e o melhor, sorrindo do início ao fim.

A viagem começou de repente. Substituindo o colega que não pôde acompanhar o time, fui escalada pela Armadda Adventure Team, a fazer o acompanhamento médico do atleta que competiria a modalidade solo numa competição da qual eu nunca havia escutado falar. A possibilidade de passar 4 dias acompanhando o trabalho do namorado, responsável pelo treino e nutrição desse atleta, me empolgou, e resolvi aceitar o desafio.

Saímos do Petrópolis na quinta-feira (22 de janeiro) pela manhã, em direção ao coração de Minas Gerais. A competição ocorreria numa trilha chamada Caminho da Fé , que segue de Tambau até Aparecida do Norte, percorrendo 414,5 Km. Entretanto, o trecho da Ultramaratona, foi encurtado para tranqüilos 217,3 Km, saindo de Poços de Caldas, chegando à Paraisópolis, percorrendo trechos tão acidentados, que somente automóveis com tração nas 4 rodas poderiam acompanhá-los; isto é, caso não houvesse chuva. Em caso de chuva, só a companhia de Deus mesmo. Pensei: Entendi o porque de caminho da Fé ...

Ao chegarmos em Poços de Caldas, assisti a uma reunião, onde completamente chocada, me dei conta do tamanho do problema que tinha arrumado. A equipe havia levado o atleta Marco Aurélio Farinazzo para a competição, vulgo Farina , que interessadíssimo anotava freneticamente as altitudes dos picos que teria que subir correndo (!!!), e o caminho das trilhas escondidas pelo lamaçal das chuvas daquela semana. Para se ter uma idéia, tinha um tal Pico do Gavião com mais de 1600 m de altitude! Naquele momento corri pro regulamento médico, tentando quantificar o tanto de hidratação e suporte medicamentoso eu teria que fornecer ao atleta, que, naquele momento eu já achava completamente insano.

A equipe contava, além da médica perdida ,e do treinador, de dois Pacers . Trata-se de corredores que acompanham o competidor durante o trajeto para dar o ritmo, e motivá-lo. Os dois escolhidos faziam parte da Equipe Pé de Vento, cedidos para a Armadda como uma parceria no esporte, e eram profissionais competentes e experientes. Um deles, Anderson Crisóstomo, mais forte, foi estrategicamente escalado para percorrer os trechos onde seria necessária a força, como nas subidas íngremes, e o outro; Paulo Luiz dos Santos, mais veloz, daria velocidade aos percursos mais planos, para assim diminuir o tempo total da prova de Farina. E assim se fez.

A largada aconteceu na sexta às 8:30 da manhã, e o que se passou daí até as 10:15 do dia seguinte, só estando lá para presenciar. Farina, sempre brincalhão, tornou-se concentrado, completamente voltado para o único objetivo dele; correr sem parar, até acabar. Sempre com um dos pacers ao lado, percorreu todo o trecho em uma velocidade média de 9km/h. Os meninos (pacers) se revezavam nos trechos, e de carro, eu e Bruno (treinador da equipe) seguíamos dando suporte nutricional e hídrico. Em vários momentos, Farina poderia ter parado para se alimentar, respirar um pouco melhor, ou mesmo dormir, mas não o fez. Manteve o foco na velocidade e no tempo, com uma garra inacreditável, tirando forças daquele corpo magro, de 41 anos, que a cada quilômetro ia se tornando gigante, jovem, admirável. Todos achavam que ele não agüentaria tal ritmo. O segundo colocado, num desespero de enxergar a vantagem do primeiro cada vez mais aumentar, tentou correr além do seu limite, e não agüentou. Por desequilíbrio hídrico-calórico, foi obrigado a abandonar a prova em precárias condições de saúde. Nesse momento, a vantagem de Farina para o segundo colocado aumentou tanto, que ao final, foram mais de 4 horas de diferença.

Nos diversos momentos de tentativa de examinar meu atleta, percebi como suas pernas estavam vermelhas, inchadas (pela hipertrofia muscular), e com contrações sustentadas. Farina deveria estar sofrendo muita dor, mas não reclamou. Manteve sua vontade de vencer acima da sua limitação física. Seguindo-o na madrugada alta, já pelas 4h, imaginei como podemos ser tão negligentes com o nosso corpo. Esse presente de Deus, que funciona tão perfeitamente, com tanto potencial. Farinazzo era a prova viva, logo ali, correndo na frente do meu farol, de que com treinamento, força de vontade, humildade, garra e simplicidade, podemos conseguir atingir esse potencial todo.

Experiência inesquecível! Presenciei esse super atleta chegar em primeiro lugar, batendo o recorde mundial, sorrindo, dizendo em entrevista que a sua maior motivação era o filho pequeno. Simples, bonito, marcante.

Parabéns à Armadda Adventure Team, e à Marco Farinazzo. Que exemplos assim continuem nos enxendo os olhos! Espero acompanhá-los muitas outras vezes.

Aline Paganelli

Aline Paganelli
Por Aline Paganelli
29 Jan 2009 - 09h07 | sudeste |
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