La Mision 2009 - 150 Km de trekking e navegação pela Patagônia Argentina

Por Sidney Togumi - 03 Dez 2009 - 10h37

Entre os dias 25 e 28 de novembro participei do La Mision 2009, uma competição de 150km praticando trekking e navegação pela Patagonia Argentina. Porém a aventura começou bem antes, no dia 23, segunda feira pois para chegar em Villa la Angostura era necessário voar de São Paulo para Buenos Aires, realizar uma troca de aeroporto, voar de Buenos Aires até Bariloche e aí sim pegar um ônibus para chegar na pequena e pacata cidade sede do La Mision.

O vôo de São Paulo para Buenos Aires atrasou por uma hora deixando apenas 2 horas meia para fazer a troca de aeroporto, que consegui fazer sem muito estresse. Porém o vôo de Buenos Aires para Bariloche também atrasou por 50 minutos e cheguei apenas às 20:10 em Bariloche. O problema é que o último ônibus de linha para Villa la Angostura partia às 20:30 e a cidade fica a 10km do aeroporto.

A viagem de ônibus custa 14 pesos (quase 5 dólares) e um taxi sairia por 70 dólares.

Estava estressado com isso. Quando cheguei ao saguão para retirar minha mala reparei num cara que estava no celular falando sobre a prova e assim que desligou o celular perguntei se ele iria participar e me respondeu que sim. Aproveitei para questioná-lo de como iria para Villa la Angostura e ele me respondeu que iria tentar ir de ônibus e falou para irmos juntos.

As malas demoraram a chegar e por essa razão ele ligou para a empresa de ônibus e a atendente sugeriu que pegássemos um taxi até a estrada para tentar encontrar o ônibus no meio do caminho. Pegamos as malas e pegamos o primeiro táxi que vimos pela frente. O motorista nos deixou no local por onde o ônibus deveria passar. Pagamos 12 pesos cada um. Beleza...

Beleza mais ou menos pois após esperar por 20 minutos percebemos que perdemos o ônibus por questão de minutos. Já eram 20:50 e tínhamos que decidir o que faríamos. Resolvemos pegar o caríssimo táxi, negociamos e saiu por 30 dólares para cada um. Menos mal.

Chegamos em Villa la Angostura por volta das 22:30. Eu tinha um outro problema pois teria que encontrar aonde se encontrava a organização da prova numa cidade que não conhecia, tarde da noite, garoando e sem meio de transporte a não ser meus próprios pés. Minha "sorte" foi que a cidade é pequena, 5 x 5 quadras. Me informei com uns transeuntes da cidade e 30 minutos depois encontrei a galera num restaurante. UFA !!!

Fiquei hospedado num albergue onde estavam os voluntários que trabalhariam no evento. São 4 voluntários figurássas, pareciam aqueles dois loucos do filme Limite Vertical. Organizei minhas coisas rapidamente para poder dormir. É muito louco viajar sozinho, às vezes você quer perguntar algo ou ter a opinião de alguém e quando olha para os lados percebe que terá que decidir sozinho, apenas com os seus pensamentos e experiência.

O colchão era tão mole que parecia que eu estava dormindo numa rede. hehehehe. Estava apenas com meu saco de dormir.

Acordei às 8 horas, tomei um chá com biscoito com meus novos amigos Mauro, Mauro, Marcelo. Voltei ao quarto e comecei a organizar os equipamentos e o vestuário para a prova que largaria no dia seguinte, quarta feira às 12 horas.

Às 9 horas, no pequeno centro de convenções, eu deveria realizar a parte burocrática da competição, isto é, pagar o seguro, alugar um rádio VHF, verificar os equipamentos e fazer uma pequena doação às escolas de Villa.

Uma coisa me ajudou muito, conhecer muita gente da organização, Guri (organizador), Vero, Macelo, Gringo e muitos outros. No centro de conveções encontrei outros competidores que conheci em outras provas como Jose, Luis e Hilenia da Venezuela, Jose Tugores, Oscar, Edgard, Adrian dentre outros da Argentina.

Parte burocrática completa, fui descobrir aonde teria um supermercado para comprar os alimentos para a prova. Almocei com o pessoal da Venezuela e voltei ao albergue para descansar um pouco e pensar na montagem da mochila pois às 19 horas teria que retornar ao centro de convenções para pegar o mapa e assistir ao briefing da prova.

Montei 3 kits de comida, um para cada dia de prova. Porém no último momento eu decidi levar apenas dois, peguei metade do 3º kit e dividi nos outros dois. Escolha certa!!! Essa noite fui dormir às 23 horas pensando na prova e em tudo que poderia acontecer.

Acordei às 8:30 e terminei de organizar a mochila que já estava enorme e pesada. Tomei meu café e me direcionei para o centro de convenções novamente para pegar o chip e o cartão de PCs virtuais, dois documentos que eu deveria carregar toda a prova e sem perdê-los, o que para mim foi o mais difícil.

Ás 10 horas saí para comer algo e resolvi comprar uma pochete para tirar um pouco de peso da mochila e facilitar o acesso às comidas durante a prova. Entrei numa loja de equipamentos e me sugeriram uma "pechera". Nao sei explicar o que é mas vocês poderão ver o que é pelas fotos.

Tudo pronto para a largada !!! 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1 Vaaaaaammmmossssss!!!!!!!

Seguimos o carro da organização pelas ruas de Villa la Angostura até a entrada da primeira trilha. O mais engraçado é que o Guri havia dito que saíriamos em uma marcha para uma largada promocional, pensei então vamos "caminhar tranquilamente" pelas ruas de Villa mas quando percebi já estava ficando para trás com relação ao primeiro grupo e ao carro e tratei de começar a trotar para tentar alcançá-los. Quando consegui, o carro saiu em disparada e a boiada saiu a correr numa velocidade incrível pois não podemos esquecer que carregávamos uma mochila de aproximadamente 10kg.

Tentava manter o ritmo mais forte possível e ao mesmo tempo pensava: "se eu manter esse ritmo vou me quebrar daqui a pouco"!!!

De repente comecei a ver alguns focos de neve pela montanha. Conferi o altímetro e vi que estávamos acima dos 1100m acima do nivel do mar em menos de 1 hora de prova. Um pouco mais adiante começamos a subir uma montanha totalmente coberta por neve, o que me assustou no primeiro momento. Havia uma fila interminável de atletas misioneiros em toda a montanha.

Nessa primeira parte da prova chegaríamos até 1800m de altitude e por essa razão tive que fazer muita, muita força. Os pés e as mãos estavam gelados porém eu não parava por nada, nem para comer. Tirava comida dos bolsos e me alimentava andando pois não queria ficar sozinho na montanha (risos). Só parei para tirar algumas fotos, pois não sei quando poderei voltar a esse lugares por onde passei.

A noite começou no momento em que descíamos da montanha. Primeiro obstáculo vencido e o segundo já se iniciava, pois a trilha que deveríamos seguir cruzava o rio Ujenco por mais de 20 vezes, molhando nossos pés a todo instante. Chegou um momento em que eu não sentia mais os meu pés, o que me deixou bastante preocupado. Eu tentava mexer os dedos e não conseguia. Tentei trotar um pouco, mas nada adiantava.

Noite adentro, encontrei um grupo de 6 pessoas e resolvemos seguir juntos até o próximo posto de controle. Nesse momento eu estava muito cansado e não naveguei, aproveitei que estava no grupo e descansei um pouco a mente, ainda stressada com toda aquela neve, frio e os pés congelados, coisas que eu não estou acostumado.

Chegamos no PC Malalco. A partir daí tinhamos 7km de caminhada por um estrada de terra. Iniciamos essa parte juntos porém meu ritmo foi dimiuindo e fui ficando para trás. Isso era por volta das 3 horas da manhã. Chegando próximo ao PC2 o sono me pegou em cheio e fui cambaleando pela estrada totalmente "borracho de sueño" até encontrar o PC2 às 6:30 da manhã. Nesse ponto podíamos comprar hamburguers, coca-cola e algumas guloseimas como biscoitos e balas. Comi um hamburguer, 2/3 do macarrão desidratado que eu havia levado e uma coca-cola.

Resolvi dormir por 1 hora. Tirei o tênis pela primeira vez, limpei meus pés e os deixei secando enquanto eu comia. Após essa farta refeição, entrei no meu saco de domir, coloquei uma roupa seca, sentei encostado na parede e dormi. Não podia ter muito conforto senão corria o risco de não acordar. Outra coisa que fiz foi dormir de frente para onde o sol nasceria pois ele seria um despertador natural.

Acordei às 7:45 e encontrei com 2 argentinos (Cristian e Nicolas) que estavam correndo em dupla e que estavam no grupo da noite passada. Conversamos e decidimos seguir juntos nessa parte de prova. Saímos às 9:00 horas em direção ao Col. Piedritras que se encontrava a 1831m de altitude. Para mim, pior que subir é descer, pois as pernas sofrem muito e os joelhos gritam de dor.

Durante a descida Cristian começou a sentir fortes dores no joelho, tomou um Ibuprofeno e continuou. Queríamos chegar no PC3 antes de anoitecer, o que parecia possível. Mas durante o trajeto, quando estavamos a menos de 12km do PC3, nos perdemos e abrimos caminho em direção ao PC, porém estávamos muito lentos e demoramos 3 horas a mais do que havíamos previsto.

Detalhe: quando encontramos a trilha certa ouvimos um apito. Era uma equipe que estava perdida há muito mais tempo que nós. Apitamos, gritamos e eles conseguiram chegar até nós e seguimos juntos. Um dos competidores perdidos era o Luis, um amigo meu da Venezuela que também estava solo. Chegamos ao PC3 as 00:30 da sexta feira. Nesse ponto a dupla argentina desistiu pois os joelhos estavam destruídos.

Conversando com o Luis sobre a prova, combinamos de seguir juntos até a chegada pois esse seria a última parte. Porém ele não havia dormido na noite anterior e estava cansadíssimo e eu também estava beeeemmmmmm cansado. Tínhamos outro trecho de alta montanha e por essa razão falei para dormimos até sol nascer, o que aconteceria as 6 horas da manhã, pois assim poderíamos recuperar nossas energias e não corríamos o risco de nos perder na montanha e muito menos termos que dormir lá em cima morrendo de frio. E foi o que fizemos.

Comemos, cuidamos dos pés e dormimos. Quer dizer, eu não consegui dormir muito bem pois o PC era na beira de um lago e fazia muito frio e vento. Havia uma fogueira. Me acomodei perto dela e tentei dormir. Não sei quanto tempo depois eu comecei a tremer de frio e quando olho para o lado um dos voluntários se colocou entre eu e a fogueira! &#%$*&% !!!!!

Tentava relaxar para dormir mais um pouco, mas um tempo depois voltava a tremer. Não sei dizer quanto tempo isso durou, so sei que às 5 horas acordei de vez e comecei a me organizar. Quando eu estava acabando o Luis acordou, se arrumou e saímos às 7 horas da manhã rumo ao cerro O' Connor que está a 1853m de altitude. Um pouco antes de começarmos o ataque ao pico, encontramos um outro argentino, Gaston, que seguiu conosco até o final da prova.

Ao nos aproximar do pico da montanha avistamos algumas aves e pensamos que era um condor. Uma dela pousou bem no pico e por lá ficou. Seguíamos em sua direção e ela não se mexia. Foi incrível, ficamos a menos de 3 metros de uma ave de rapina. Tirei algumas fotos e descobri mais tarde que não se tratava de um condor e sim de um águia. Presentes da natureza !!!! Muito Obrigado !!!!

Depois desse ponto tinhamos que camimhar por toda a crista do Cerro O'Connor, uma das partes mais lindas da prova. Tivemos que passar numa parte muito estreita de gelo. De um lado, montanha, do outro, um abismo.

O Luis tinha apenas um sanduiche para todo o dia. A sorte é que eu tinha comida a mais e dividimos. Porém ao final da prova só me restavam 2 saches de gel e 1 barra de cereal.

Depois do Cerro O'Connor bastava passar por mais um PC virtual e ai sim teríamos apenas 9km até a a linha de chegada. Quer dizer, os 9km mais longos que já percorri até hoje, foram intermináveis e a ansiedade era gigantesca por chegar novamente a Villa la Angostura.

O Luis estava sofrendo muito com os pés e desde a descida do cerro eu já tinha emprestado meus bastões de caminhada para ele. Isso também fez com que os 9km ficassem maiores.

Ao cruzar a última esquina antes da largada, as lagrimas me encheram os olhos e a emoção ficou à flor da pele. Como um flash, um filme sobre tudo o que eu havia passado durante a prova me passou pela mente: o frio, a montanha, os pés congelados, as mãos doloridas de frio, os PCs, a briga com o sono e principalmente, as pessoas com quem convivi por esses 56 horas de prova.

Eu, Luis e Gaston cruzamos a linha de chegada juntos e nos abraçamos como uma equipe, agradecemos uns aos outros pela força e pelo apoio durante o trecho em que viemos juntos. Era emoção pura.

Marcelo Flores da organização do La Mision e um grande amigo meu, deu-me um grande abraço. Para mim ele representou todas as pessoas queridas que eu gostaria de encontrar na linha de chegada principalmente a Claudia, minha esposa/namorada.

Não contive o choro e a emoção. Era um sorriso só e um grande prazer ter carregado a bandeira brasileira por toda a prova e conseguir cruzar a linha de chegada com ela aberta e tremulante sobre o meu trekking pole.

Com tanta emoção, quase esqueci de passar o chip no PC para concluir a prova. Cheguei na 76ª posição geral (na verdade 74ª, pois cruzamos juntos, a posição foi apenas uma questão de ordem de passar o chip) e 44º na categoria solo masculino.

Mas nessa prova como o próprio Guri diz: "Llegar és ganar !!!"

Dedico essa minha grande conquista pessoal principalmente à Claudia minha esposa/namorada, pois sem o apoio dela não conseguiria realizar meus sonhos. É ela que me aguenta quando não estou treinando bem, que fica sozinha enquanto fico treinando ou viajando e mesmo assim me incentiva de todas as formas para que eu vá em busca de novas conquistas. Muito obrigado Clau !!!

Dedico também à minha família Mário (pai), Odete (mãe), Wlad e Adolpho (meus irmãos)

Até a próxima aventura !!!

Sidney Togumi

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03 Dez 2009 - 10h37 | geral |
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