Relato de Gustavo Ayres no Brasilia Multisport 2010

Por Gustavo Ayres Netto - 29 Jun 2010 - 23h32

O Brasília Multisports (BMS) é uma competição elaborada nos moldes do Coast to Coast, prova na qual os atletas atravessam a ilha sul da Nova Zelândia correndo, pedalando e remando.

A edição 2010 do BMS contou com grandes nomes do esporte tanto na prova masculina quanto na feminina, atraídos pelas belezas e desafios do cerrado, fortes amizades e boa premiação.

Meu interesse pela prova em Brasília surgiu junto com a sua criação, devido ao formato inovador e dinâmico, com várias trocas de modalidade, muita velocidade e estratégia. Esse ano surgiu a oportunidade de participar e não pensei duas vezes, pois não queria ficar de fora dessa verdadeira festa do esporte outdoor.

Vindo de uma seqüência de provas muito duras, com pouco tempo de recuperação, eu sabia que não ia ser nada fácil. Especialmente por não ter grande domínio da canoagem, modalidade vital para uma boa performance nesse tipo de evento.

Ao chegar em Brasília, na última quarta-feira, fui recepcionado pela Luciana Carvalho, que conheci no Xterra de Maui – Hawaii e que também iria correr a prova longa no final de semana. Iniciamos os preparativos juntos, fomos para o briefing receber as orientações dos organizadores e comprar suprimentos. No dia seguinte houve uma descida de reconhecimento no trecho de 18 km do rio, em ritmo de passeio. Foi um treino importantíssimo para adaptação ao caiaque que usaria na prova, um open-top modelo tubarão, bastante estável, mas de baixa performance, bem diferente das "lâminas" usadas pelos aventureiros experientes, o que literalmente separa os atletas em patamares absolutamente distintos. Remadores e não remadores. E eu não passo de um remador recreativo, no máximo.

Sexta-feira foi o dia de sentar com a equipe de apoio, coincidentemente nossos charás - outro Gustavo e outra Luciana - e definir as estratégias de alimentação, deslocamento e outras variáveis que futilmente tentamos dominar, como tempo entre os trechos, previsão de chegada, etc. Além disso, tivemos que deixar os caiaques na área de transição, localizada na margem do lago, o ponto de início dos primeiros15Km de canoagem.

Resolvi aproveitar para testar o K1 escola que eu havia encomendado para esse trecho e, para minha surpresa e infelicidade, virei 2 vezes em menos de 1Km ! Ou seja ... sem chance de remar com ele na prova. Três anos sem praticar com esse tipo de caiaque e eu achando que era só chegar e sair remando, ledo engano. Teria que remar com o tubarão nesse trecho também. Fato que reduzia minha competitividade na prova a ZERO.

Alinhei no sábado às 7:30 da manhã conformado com a situação, mas disposto a dar meu melhor, curtir a prova e aprender o máximo possível nessa minha estréia no Multisports. Largamos para os 6 km iniciais e me posicionei ao lado do Manzan, logo atrás de dois corredores do revezamento. Em pouco tempo apareceu o Xiquito e ambos abriram certa distância de mim. Fui seguindo juntamente com o Kenny e o Flávio e um pouco atrás vinha o Ian Edmond. Por alguns quilômetros fomos assim, num pequeno pelotão, abrindo distância da galera. Imaginem o que passava na minha cabeça correndo junto desses "monstros" da aventura ! Cada passo era uma alegria, cada segundo uma recompensa por todo o treino e sacrifício.

Mas a alegria não durou muito, pois logo fui despertado pela lentidão e ineficiência da remada no meu barco. Segui em ritmo de tartaruga no lago, perdendo de vista os aventureiros que deslizavam em suas lâminas de fibra, carbono e resina. Só me restava fazer força e prosseguir, imerso em minha própria realidade e enfrentando meus desafios pessoais. O desafio de estar numa pedreira dessas após enfrentar o Ironman, após sobreviver ao Xterra na Amazônia ... o desafio de encontrar motivação para os 135Km e forças para aprender e resistir a minha própria "loucura".

Após o lento e cansativo remo nas águas mexidas do lago, seguimos de bike por 51 km no asfalto, entre os carros, num pedal alucinante com variação de altimetria razoável e bastante vento em alguns trechos, até chegar na barragem. De lá partimos para a etapa que mais curti da prova. Uma sessão curta de trekking muito técnica, passando por rochas e vegetação seca do serrado, sempre procurando as setas vermelhas que indicavam a direção e evitando os múltiplos espinhos que proliferavam em cada galho a nossa volta. Alcançado o asfalto foi só entrar na trilha, encontrar meu caiaque, remo e colete para partir para os 18 km remanescentes de canoagem, descendo o agora conhecido rio Paranoá.

Passadas as corredeira e o remanso do rio chegamos a um ponto conhecido como Shaolin, onde aportamos e levamos o barco até o transporte. De lá era partir para os 21 km de corrida cruzando o altiplano por estradas de terra, leitos de riachos pedregosos e longas subidas. Fiz os primeiros 7 km num ritmo bom, recuperando diversas posições, mas depois disso, subitamente senti algo estranho. Algo que nunca tinha sentido em qualquer treino ou prova. Subidas que eu geralmente escalava em segundos levavam minutos ... algo estava errado, muito errado. Era como se os efeitos do IRONMAN e do XTERRA tivessem pesado sobre mim justamente naquela hora. E, para completar o quadro, minha urina havia adquirido uma coloração escura, vermelha ... resultado do desgaste muscular intenso. Após este triste diagnóstico só me restava diminuir o ritmo, caminhar, tomar água, cápsulas de sal e torcer para não ser nada grave.

Cheguei à última área de transição muito, muito depois do planejado. Não estava mais competindo naquele momento. Meu único pensamento era finalizar logo o trajeto de 11 km de bike para poder me cuidar, estabilizar meu organismo o quanto antes, pois já havia presenciado esse tipo de situação, na qual os atletas realmente se encrencaram pelo exagero, tomando riscos desnecessários e desvirtuando o propósito do esporte enquanto promotor da saúde.

Fui pedalando e, ao avistar a arena, a faixa e os outros atletas festejando o dia de aventura eu relaxei. Todo o peso da responsabilidade que eu acreditava carregar por estar em um certo nível de condicionamento se foi, só conseguia pensar em como era bom estar ali entre tantas feras, entre verdadeiros amigos de batalha, uma tribo unida por uma mesma paixão e que junta enfrentaria qualquer parada. Posei para o Togumi tirar a foto, peguei minha medalha de finisher, cumprimentei o Carrijo - organizador da prova – e fui me tratar, recuperar o corpo, pois a alma estava intacta, mais forte do que nunca.

Desafio, Double, Triple, não importa. O importante é explorar sempre o seu potencial, o seu ambiente e se relacionar de forma mais intensa e orgânica com a natureza e com os outros. Comece hoje, dando o primeiro passo ou traçando uma nova meta, renovando seus ares e se emancipando da estagnação. Liberte seu espírito, viva mais !

Agradecimentos especiais para os apoios no "Triple Survivor Challenge": Roberta Santiago e Rodrigo Shimu (Ironman), Luciana Carvalho e o casal Luciana Magalhães e Gustavo (Multisports).

Aquele abraço,
Gustavo Ayres Netto

Para encarar esses desafios o atleta Gustavo conta com o apoio da Loja Pedal Urbano, Academia Competition, Assessoria Sportplan, Clínia Fisio Run e oficina Bike Joe.

Gustavo Ayres Netto
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29 Jun 2010 - 23h32 | geral |
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