Quem segue para Santa Catarina pela BR 376 certamente já se encantou com a paisagem dos paredões que a estrada forma cortando a serra já praticamente na divisa com aquele estado. O que poucos sabem (ou imaginam) é exatamente o quê existe do outro lado daqueles paredões. A serra em questão é a do Quiriri, que fica à direita de quem segue para o sul. Essa serra forma um campo de altitude até encontrar outra, a do Araçatuba. Posso assegurar aos leitores que a paisagem dessa região se encontra entre as mais lindas que eu, particularmente já vi na minha vida.
Essa prova entra para a história das corridas de aventura por ter conciliado os maiores fundamentos desse esporte: expedição, perrengue, lugares inóspitos pelo acesso e ao mesmo tempo maravilhosos pela fotografia sem precedentes. Também contribuíram para complicar a vida das equipes o frio, que tem sido dos mais rigorosos dos últimos tempos aqui no sul. A distância expedicionária de 147km não foram pretexto para os caras aliviarem tanto na navegação quanto na altimetria: exigência total nesses dois quesitos também, durante todo trecho e em todas as modalidades. Para vocês terem uma idéia, conseguiram colocar subida até no remo !! Isso mesmo, tinha que "subir" um trecho de rio e à noite ainda, com nevoeiro e navegando através de uma represa com incontáveis braços para confundir mais ainda a vida dos orientistas.
Após uma corridinha para espantar um pouco a friaca de 5ºC que fazia por volta das 09:15 foi dada a largada rumo as bikes para um pedal de 41km por estradas secundárias e cortando parte de uma área de reflorestamento da Confloresta. Conseguimos andar bem nesse trecho e, praticamente não errando, já entramos para o treking de travessia em primeiro nos quartetos, o que nos animou a forçar um pouco mais ainda o ritmo. Esse é o treking que me referi no início da narrativa e nós o iniciamos por volta do meio-dia de sábado. A entrada para a trilha estava bem complicada, mas também não perdemos muito tempo e seguimos confiantes.
De repente, estávamos no lendário Caminho dos Ambrósios. Conheci a paisagem pelas fotos que já havia visto em relatos de montanhistas que se aventuraram na travessia daquela serra. Esse caminho foi uma das primeiras ligações "comerciais" entre o planalto paranaense e o litoral catarinense (diz a lenda que o mesmo ligava até São Francisco do Sul). Quem percorre hoje pela BR376 não tem a menor idéia do que esse povo passava para ir e vir; claro que a BR hoje cruza a serra por entre outras montanhas e os viadutos e pontes da mesma a mantém numa inclinação praticamente constante. Nós estávamos do outro lado daquelas montanhas e na trilha não tem viaduto nem ponte nenhuma; para se chegar de uma montanha a outra existem os famosos vales, cheio daquelas surpresas do tipo trilha que acaba em bambuzal, lamaçal, vegetação cerrada, enfim, via de regra, se for possível desviar melhor. E foi o que optamos por fazer, andando sempre na maior cota possível, que ia na casa dos 1400msnm, com direito a jararaca tomando sol na trilha !! rsrs Por sorte, ela nos cedeu passagem sem hesitar... rsrs
Após cerca de cinco horas caminhando (e até escalaminhando algumas rochas para não entrar no vale), avistamos a montanha onde estava o PC; mas ainda tinha chão para se chegar até lá. Olhando para o sul, conseguíamos ver ao fundo a Baía da Babitonga; estávamos andando bem na divisa dos estados PR – SC, fato confirmado ao passarmos pelo lendário Monolito do Marco Divisa. Ali estávamos uma hora atrás da dupla primeiro-geral, nossos amigos Adílson Lara e Leornardo (ALLMAK), que estavam voando baixo e mandaram muito bem do começo ao fim, parabéns aí moçada ! Assinamos o PC e ainda tínhamos uns 10km até a transição seguinte, nas bikes, onde chegamos já de noite após sermos agraciados com um por do sol cinematográfico ! Nesse trecho eu sofri bastante com o desgaste físico e se não fosse pelo Thiago não teria conseguido andar junto com a equipe, valeu cara !
Nas magrelas, o caldo entornava mais um pouco por 35km com muita navegação noturna, por trilhas, carrega bikes, pulando porteiras, atravessando rios e com subidas e down-hill's alucinantes. A Karina, mesmo com frio e com dores nas pernas, não deixava que o cansaço tomasse conta da equipe, mas mesmo assim tivemos que fazer algumas paradas pelo caminho para recompor um pouco. Só que por outro lado, a cada parada o frio tomava conta novamente. Já eram mais de 00:00 da manhã de domingo quando entramos para remar na Represa do Vossoroca, com um nevoeiro baixo, mas o céu sem nenhuma nuvem, proporcionando outro espetáculo visual. Na transição nos alimentamos com dignidade e aquilo deu um ânimo que nos permitiu fazer o trecho na água num excelente tempo de 1h45min. Foi nesse ponto que encontramos com o Adílson Lara na água, muito próximo da entrada certa do rio, e seguimos junto até aquele PC. Foi nessa transição que o frio pegou de forma sobremaneira, pois saímos molhados e resfriamos quase que instantaneamante. Ninguém conseguia parar de tremer, mesmo próximo da fogueira que o Lucas (Chauás) tinha feito prá não morrer de frio ! Para que os atletas não fossem retirados em sacos plásticos da água, a organização, sabiamente trocou a volta de remo por um contorno de treking, que aumentou um pouco mais o cansaço mas evitou muita hipotermia com certeza ! Foram 12km de pura peregrinação mesmo...
De volta as bikes, ainda tínhamos 23km pedalando mesmo, pois as subidas eram intermináveis. Já não tínhamos mais energia nem prá achar graça na nossa situação calamitosa e ao mesmo tempo compensadora por termos conseguido um excelente resultado. Já estava de dia claro quando encostamos na propriedade onde seria a pista de orientação; o portão estava fechado e tudo estava estranhamente silencioso. Nos olhamos e tivemos a certeza de que não tinha mais ninguém lá, que por algum motivo a tal pista de orientação de 3km havia sido "cancelada". Chegamos a cogitar deixar o locar e seguir para a chegada sem aquela transição, mas resolvemos seguir um pouco mais adiante. Foi aí que avistamos o Fernando uns 300m adiante com o resto do pessoal da pista de orientação. Nós estávamos tão cansados que quase colocamos tudo a perder ! rsrs
A pista de orientação também estava casca grossa, com desnível acentuado e bem técnica. O Paulinho e a Karina fizeram a pista enquanto eu e o Thiago tentávamos nos aquecer e recompor um pouco em volta da fogueira. Esse último trecho de bike prá mim foi o pior da prova toda, em termos de desgaste, não conseguia sentar mais na bike, havia pedalado todo ele sem sapatilha (a mesma fora deixada na caixa de transição e recolhida acidentalmente na transição...), eu estava com fome, muita fome, mas ao mesmo tempo com o estômago enjoado e sentia que qualquer alimento que ingerisse iria me fazer vomitar. Foi forte mesmo esse final de prova. Quando o Paulinho e a Karina chegaram de volta da pista eu havia melhorado o suficiente para encarar os 2km de subida que ainda tinha até a chegada. Foram quase 24 horas de prova...
Fomos abençoados com a vitória e somos gratos por Deus nos ter providenciado os cuidados durante todo o trajeto e nos mostrando, novamente, que com determinação, fé, amizade e coragem é possível enfrentarmos os obstáculos mais difíceis que temos pelo caminho.
Em nome da Equipe Guartelá agradeço ao pessoal da Audax que consolidou o nome e inaugurou um estilo de prova de altíssimo nível técnico.
Certos de sua atenção,
Obrigado,
Alexandre Carrano
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