Um jantar em equipe na Quinta feira que antecedeu a competição serviu para definir os últimos detalhes. Decidimos por arrumar o carro na sexta para dormirmos um pouco mais no sábado. Tudo aconteceu de acordo com o que havíamos planejado e cedo estávamos na estrada em direção a São Carlos, guiados pelo nosso apoio profissional -Wally.
A equipe foi formada pelo que agora vos fala Jorge Elage, Adriano “Nico” Kimura, Ronaldo Grego Veiga e pela Fabi(ana) Mello - todos com experiências anteriores (equipe Eco sapiens e outras diversas, incluindo a participação da Fabi no EMA Amazônia). Apesar de diferenças em nossos objetivos pessoais – foi a primeira vez que corremos com este nome e esta formação, tínhamos a expectativa de fazer uma boa prova, fazendo força para andar entre os líderes e terminar em uma boa colocação.
Ao
meio dia já havíamos pego os mapas e checado os equipamentos.
Saímos para almoçar e nos preparar. Diferente de experiências
anteriores, tudo esteve sempre muito organizado e pela primeira vez chegamos
no local 5 minutos antes da largada. Só então o Ronaldo resolveu
ir no banheiro (que era bem ali do ladinho da largada).
- Segura minha bike aqui rapidinho...
3 min. 1 min...
-Cadê o Ronaldo??? (era a Fabi já preocupada!)
30 segundos...
- Aê! Chegou.
- Vamos lá galera, boa prova... “O Queiroz disse que é nóis!”
- PËËËËË”! Largamos.
A adrenalina pré-largada que circulava no sangue agora se transformara em energia para os primeiros momentos da prova. Saímos da Fazenda Damha em direção a rodovia e passamos sob o túnel. Do outro lado, uma trilha no pasto seguia as margens da Washington Luiz. Os Brother lideravam o pelotão de formigas vorazes, e nós, pedalando forte entre as 5 primeiras equipes.
Pulei sobre depressão na trilha e gritei: “BURACO!” O
Nico tava bem atrás de mim e pulou também. Dois segundos depois
eu olhei pra trás e só vi poeira. Parecia acidente de largada
em Formula 1, dia de chuva! Cruel. E pra piorar, não vi mais o Nico.
Bandeira Amarela. Diminui a velocidade da minha Ferrari (GT vermelha) mas continuei
pedalando. Logo passaram o Ronaldo e a Fabi
–
Cadê o Nico?
Falei
- Tá lá naquele bolo de areia! Vou esperar. Pode seguir até a
bifurcação.
Passou todo o pelotão e lá vem o Nico na Minardi dele, toda requenguela!
- Meu, fui atropelado pela Lobo Guará. Perdi meu freio traseiro e meu “bar
end” entortou...
- E o corpo Nico?
- Ah, o corpo é o corpo!
Beleza, era isto que eu estava precisando ouvir.
- Vamos lá, tá no começo da prova ainda.
E fomos... Ultrapassamos
uma pancada de gente, consertamos o freio dele no PC 1, nada grave, e no caminho
para o PC 2, em uma bifurcação
não plotada, uma placa dizendo “igreja” somada a um velhinho
com suas informações:
–
Por aqui é bem melhor, meu filho! Pode seguir que a igreja é logo
ali...
Acabamos indo parar na igreja errada e perdemos uns 15 minutos. Que bode!
Já não
tão empolgados seguimos para o PC 2. O Nico tava
sentindo o baque da queda e a lombar. Coloquei a mochila dele nas minhas costas,
e o Ronaldo foi empurrando ele e assim seguimos por um tempo. Um down-hill
bacana e veloz no meio do canavial, com umas lombadas gordas, nos levou ao
PC 2. Posição: 12o.
Na subida seguinte o Nico ouviu o câmbio traseiro chiar e depois explodir
- PlaaC!
1a reação: Jorge – Vai Nico, pega minha bike que eu vou
empurrar a sua!
2a. reação: Nico – Meu, pega a comida da minha mochila
e o raid book e se manda, tá dando tudo errado, vou ficar por aqui.
3a. reação: Ronaldo, o mais sensato: Pega o saca corrente e vamos
transformar a “Minardi” em uma “barra forte” (esta
fala foi alterada pelo autor).
Dito e feito, arrancamos o câmbio e enquanto a Fabi descansava um pouco o Ronaldo remendou a corrente, eu estralei e alonguei o Nico e seguimos firme – como geléias. Eu na “barra forte”, o Ronaldo ajudando o Nico e a Fabi na onda dela.
Anoiteceu. Chegamos no PC 3. Escureceu, seguimos sempre em ritmo moderado, eu meio isolado andando na frente porque se eu parasse de pedalar a barra forte brecava, e os três logo atrás. Demoramos um pouquinho pra achar a estrada que levava ao PC 4 – AT 1. Descia uma encosta onde estava o PC 5 e no nível mais baixo (rio) estava o PC 6. Depois subia outra encosta e lá em cima, em um descampado, estava o AT. Um pequeno push-bike – já não dava pra pedalar naquela marcha, e chegamos.
Wally – Vai galera, cêis
tão atrasado heim, vâmo,
vâmo!
Medáessasmochilas!oquequecêisquerem?tádemorando!VaiVai!
E a gente:
- Puts, já rolou tanta coisa Wally, vamos transitar com calma.
Nico – galera, vou ficar por aqui! Pode seguir, pega o neoprene, os rangos...
Todos – calma Nico, descansa um pouco, daqui a pouco a gente sai, vai
mudar de modalidade, depois fica melhor...
Nico – Não, meu, pode ir na boa que eu estou sentindo muita dor
nas costas
Depois de muita conversa e de uma transição feita no tempo certo,
nos despedimos de nossa equipe de apoio – agora formada por dois membros
e saímos para a etapa noturna da prova.
Percorremos o mesmo caminho que fizéramos anteriormente com nossas bicicletas. A Fabi nos aguardou no PC 6 (rio) enquanto fizemos o rappel e voltamos pela trilha conversando e correndo. Foi divertido. A verdade é que estava bem escuro (a lua ainda não tinha saído totalmente) e o que a gente queria era mesmo prosseguir na maior velocidade possível, sem stress.
Entramos no rio e deitamos em nossas bóias. Nos arrastamos 10 metros e encalhamos. Levantamos e puxamos nossas bóias pela água até o PC 7, xingando os organizadores da prova. Não estava nada agradável caminhar pelo rio quase seco com nossas bóias a tira colo. Não via a hora de chegar o momento de sair do rio. A obrigatoriedade de seguir pelo rio somente até o PC 7 me pareceu tentadora demais e a trilha plotada ao lado parecia fácil de ser seguida.
Logo depois do PC 7 tentamos a primeira saída do rio. Seguimos um pouco por uma trilha aberta e alcançamos uma equipe que estava dentro do rio. A trilha se afastou do rio e virou uma várzea grande. Uma hora minha perna afundou acima do joelho e então vi que estávamos em território inseguro. Voltamos para a água depois de mais de meia hora gasta em tentativas de achar a trilha certa. O terreno no entanto era tão hostil que nem se estivéssemos nela acreditaríamos que estávamos certos. Voltamos ao rio e seguimos até o PC 8.
Durante todo este período em que estivemos fora da água, o mapa esteve em minha mão. E nela permaneceu mesmo quando voltamos ao “trekking-cross”.
O rio variava prolongados momentos rasos e algumas pequenas corredeirinhas que serviam apenas para pular sobre a bóia e iludir nossa cabeça que estávamos num bóia-cross. Eu permanecia quase todo o tempo andando e achava graça da Fabi e do Ronaldo dando pulos sobre a bóia para curtirem 8 segundos de “a água está me levando lentamente”.
Aos poucos (e bem lentamente) esta realidade foi se transformando e já passávamos metade do tempo sobre a bóia quando decidi comer um gel. Prendi o mapa no elástico da alça da mochila e pouco tempo depois percebi que minha ingenuidade tinha custado caro. As leves corredeiras do rio tosco cuidaram do sumiço do meu mapa quando, em algum momento ele se desprendeu da mochila.
Tentei achá-lo, perguntei para outras equipes que nos seguiam...
sem chance.
Durante o resto da descida fiz contatos com outras equipes no intuito de seguí-los
até o PC 10. Sabia que não era a primeira vez que isto acontecia
em uma corrida e havia a possibilidade de pegar outro mapa com a organização
(por menor que fosse, era uma possibilidade!).
Outros 10 minutos se passaram
antes que o Ronaldo gritasse:
- Puta, furou minha bóia!
Ele espetou o dedo indicador no furo e disse:
- Vai, acho que dá pra seguir.
Tinha uns momentos cruéis, vários troncos e galhos no meio do rio, as vezes umas cortinas de folhas e árvores... Muito sinistro os lugares que passamos. Tinha que descer da bóia, pular os troncos e depois pedir para alguém passar a bóia. E o Ronaldo espetado na bóia. Aliás, a bóia espetada no Ronaldo. Eu puxava ele pelo colete e ele se virando para não tirar o dedo de dentro do buraco. Remando, fazendo leme, pulando... tudo com uma única mão. Trash!
Contatamos
uma equipe, combinamos de seguí-los e seguimos em nosso ritmo,
dizendo que os esperaríamos no PC 8. Chegamos lá com os fiscais
gritando:
- Corre, falta 20 segundos pro corte, vai, corre!
Tinha mais 2 equipes por lá. Uma saiu pelo rio e a outra queria seguir pela trilha. Lá vinha a outra equipe (foram cortados e seguiram direto para o PC 10)
Nos enturmamos com uma
equipe chamada Lagarto Negro. E seguimos por uma trilha horrível, um
mangue. Só seguimos por ali porque o fiscal disse
- Pode ir que é esta aí mesmo. A gente veio por aí!
Na
hora eu já fiquei com pena pela roubada que estes haviam entrado
(na premiação o Victor até agradeceu eles em público).
A trilha melhorou um pouco, piorou, melhorou e fomos indo, achando que estávamos
bem melhor encaminhados que todos os que tinham seguido pelo rio. Ledo engano.
Atravessamos um riozinho e depois toda aquela várzea voltou a cruzar
nosso caminho. A direção era correta, mas não dava para
acreditar que iria surgir algo que valesse a pena seguir. Batemos cabeça
juntos por mais de 1 hora e depois chegamos a conclusão que era melhor
voltar ao rio.
Passava das 3 da manhã e todos os 7 estávamos
morrendo de frio. Foi só nesta parte do cross que eu entendi a necessidade
das bóias
e agradeci mentalmente a organização. Eu estava com tanto frio
que não importa o que estivesse na minha frente eu não saía
de cima dela. Me arrastava com as mãos no chão, ultrapassava
os troncos que estavam na linha d’água, achava um caminho entre
os galhos à transpor, fazia de tudo para não descer dela. E ainda
tinha que escutar a medrosa da Fabi. Antes de chegar a qualquer zona critica
ela já perguntava:
- Dá pé?
Por medo ou por frio, em nenhum momento ela teve a iniciativa de ser a primeira
a por o pé na água para pular um galho!
E o Ronaldo coitado... Parecia um agente do X-files a procura de ETs. Bóia pendurada no pescoço, light stick, head-lamp, caneleira, joelheira, capacete. Hilário. Teve horas que o rio não dava mais pé e ele seguia boiando. E resmungando das galhadas que ele tomava na perna sob a água. Pela quantidade de galhos que a gente teve que pular (só os que estavam visíveis) dá para saber que não eram poucos os que ficavam submersos. Teve muita gente reclamando de dor na canela depois da prova...
Teve uma hora que vimos uma clareira e saímos do rio para ver o que tinha por perto e ver se havia a possibilidade se seguir por terra. Vi o light stick do PC a alguns metros e falei para todos saírem da água pois era mais perto seguir por terra. Nos trocamos e fomos até o PC. A turma da Lagarto ficou um pouco para trás, mas logo chegaram. As lonas que eles levaram para proteger as bóias eram bem pesadas e retiam muita água, por isto seguiam em ritmo lento.
No PC 9 conversamos um pouco com o pessoal
e com a equipe médica. Encontrei
com o Danilo (organização) e falei do mapa. Pedi que passasse
via rádio a mensagem:
- ...ainda tem mapa?
- Positivo
Eu – Pede pra deixar no apoio da equipe 12.
- Deixa com o apoio da 12. Copiou?
- Ok! Vamos procurar.
Eu (morrendo de alegria) – Pô meu, valeu mesmo hein...
Seguimos
em estradas até o Virtual e depois contornamos um morro, tentando
achar o caminho até o rio novamente. Encontramos dois carinhas abraçados
e empacotados no cobertor de sobrevivência. E a Carol (a mulher da Lagarto
Negro)
- Nossa, quê que vocês tão fazendo aqui?
- He he he! Você acha que a gente fica só correndo as provinhas
da FAAP...
- Mas como é que vocês chegaram aqui e porque vocês estão
parados?
- A gente seguiu a Rosa dos Ventos até o rio e depois resolveu descansar.
Abri o mapa pela primeira vez no PC 8 (era o navegador falando)
E eu:
- Vamos aí. Vamos caminhar e achar essa trilha logo que eu tô com
frio.
A trilha que nos levava de volta beirava o rio no sentido oposto. Encontramos
o caseiro de uma fazenda e ele nos deu a dica de como chegar até a estradinha
que ia para o PC 10.
- Segue a trilha passando do lado daquela árvore ali (tinha umas 10)
e depois que passar pela pontinha vira a direita que já chega nela.
Daí é só seguir.
Nem parecia que era o mesmo local descrito nas instruções. A trilha que ele falou era um caminho de gado e a ponte era sobre o brejo. Mas nem sei porque tinha aquela ponte porque logo depois a gente teve que meter os pés no meio do barro até a canela para poder passar. O tal caminho era um absurdo. Lama, muiiiita lama!
Pelo tempo que havíamos gasto tentando achar a trilha sentido PC 9 (era a mesma da volta) nem perdemos tempo tentando achá-la novamente. A luz do dia começava a clarear nosso caminho e depois de uns 15 minutos caminhando na lama sem parar chegamos a uma área mais seca. Não tivemos muita dificuldade em achar o caminho que nos levou a estradinha. Mais para frente alguém perguntou onde estavam os dois que se juntaram ao grupo no meio do morro, mas eles já não estavam mais lá. Deviam Ter parado novamente para dormir ou então não acompanharam nosso ritmo. Estávamos andando forte e constantes desde a saída do rio.
Chegar no PC 10/ AT 2 foi questão de tempo e perna. E boas notícias nos aguardavam. Encontramos o Igor (apoio da Lobo Guará) saindo do AT e ele falou que estávamos em 6º lugar e que tinha leite quente no carro.
Na verdade estávamos na 7º posição e o mapa estava lá, devidamente plotado e plastificado pela nossa dupla de apoio. Comemos miojo, leite e trocamos de roupa. Ficamos pouco e saímos logo. Agradecemos nossos companheiros salvadores (ou salvadores companheiros) que ainda transitavam por lá e seguimos sem maiores dificuldades. Pedalamos bem até o PC 12 (20 km) e caminhamos rápido até a chegada (7 km).
Num total de 19 horas, passamos por diversas experiências de sentimentos, estados de humor, sensações térmicas e momentos de stress. Como dito em outros textos e pela própria organização, realmente esta foi uma prova de testes psicológicos. Navegação noturna, frio, canaviais, fazendas, várzeas, brejos, “trekking-cross”, arrastamento de bóia e muito mais.
A lua estava espetacular e o céu cheio de nuvens esburacadas. Muitas vezes seguimos apenas iluminados pelo resplandecer da luz. Show!
A medida em que nossos objetivos e expectativas são postos à prova e o tempo molda a estória, vivenciamos momentos diversos e os compartilhamos em equipe. A solidariedade e a ajuda ao próximo motiva, cresce e fortalece o prazer em praticar o esporte. Tudo isto no entanto muitas vezes são coisas que ficam na nossa cabeça e no nosso próprio sangue. Muitas pessoas estiveram em São Carlos neste final de semana e cada um teve a sua própria experiência e sei jeito de absorver o que estava sendo vivido. Através deste pude dividir um pouco do que vi e senti, mas nada é igual a estar lá e fazer a própria estória.
Espero que a evolução da modalidade traga fluidos positivos para o esporte como um todo, contribuindo com a formação de individualidades sensatas e conscientes e pessoas com bom senso suficiente para dar continuidade a tudo isto que temos visto e vivido nos últimos anos.
Quero parabenizar a organização do Raid Terra pela excelente prova. Meus parabéns também ao grande Togumi, que não perde uma e tá sempre lá fazendo as fotos que muitas vezes vão parar nas mãos de nossos futuros patrocinadores e investidores do esporte.
Agradecimentos especiais aos parceiros da equipe Espírito Livre (www.espiritolivre.net): a loja de equipamentos Rover Store (valeu Márcia), a agência Rover Travel – ecoturismo (valeu Angélica) e ao Pablo da Scorza Fisioterapia. Obrigado por acreditarem, o futuro nos espera! Muito grato também ao Dewar, que nos conseguiu as bóias, ao Wally e toda equipe.
Aproveito a oportunidade para convidá-los à exposição de algumas imagens da Serra do Cipó - “Área de Transição”, fotos feitas no Qualifying Ecomotion Pro. Na ocasião estive trabalhando como apoio junto a equipe Lobo Guará. A “abertura” vai ser no próximo “Café na Rover Store” (2/Agosto) que acontece todos os primeiros sábados do mês, pela manhã. Vai ter suco, bolo, quitutes e fotos! (R. Rouxinol, 1050). Logo mais as informações estarão aqui no site. Fique ligado.
Grande abraço.
Jorge Elage
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