Tudo começou em maio de 2011 após o Ecomotion. Estava buscando um novo desafio para o ano seguinte e após ver um vídeo que um professor de Spinning de minha academia havia feito sobre sua inesquecível atuação no Cape Epic naquele ano, achei que esta seria minha investida para o ano que viria.
O Cape Epic é uma prova de Mountain Bike por estágios, com 8 dias de duração e em duplas. Para 2012 ela prometia 781 km de pedal e 16.300 m de ascenção (o que equivaleria a subir praticamente 2 Everests saindo do nível do mar e indo até o topo). Aparentemente o desafio seria grande e comentei com meu amigo Gerson Doll, que já havia corrido esta prova 2 vezes, sobre meu interesse em fazê-la. Ele instantaneamente topou participar comigo e entramos assim na loteria de inscrições que sorteia as vagas para a prova. Felizmente fomos contemplados com uma inscrição e este sonho começou a tornar-se realidade.
O Cape é uma prova muito dura que acaba agradando muito os atletas de corrida de aventura, pois consegue unir o pedal em montanha ao perrengue tão procurado por este público e acho que foi isso que acabou me atraindo desde o começo.
Treinamos e conversamos muito durante este quase 1 ano de preparação, porém com apenas 2 semanas antes da largada da prova, Gerson se machucou treinando e quebrou a clavícula em várias partes, impossibilitando sua participação. O desespero foi grande!
Dentro de algumas horas em um domingo sombrio consegui acionar quase que todos os possíveis parceiros para mim (é impressionante a capacidade de divulgação que o Facebook nos proporciona nestas horas). Acho que a maioria das pessoas que pedalam e estão lendo este relato agora devem ter visto no Facebook há aproximadamente 1 mês uma procura de atleta para esta prova. Pois bem, minha resposta veio rápido e em 2 dias ja possuía uma nova dupla que se tornaria um enorme parceiro e companheiro durante a corrida.
Gustavo Thomaz, amigo de minha namorada, triatleta e com pouca experiência em corridas de vários dias, topou quase que imediatamente esta investida, mesmo sabendo que nossas chances em completar a prova não eram altas, devido principalmente ao fato de NUNCA termos pedalado juntos. O Gus (Gustavo) estava treinando apenas corrida e fazendo manutenção do treino de bike, porém naquela hora e altura do campeonato, ele era a minha melhor chance (além de ser o único louco que topou em dois dias investir todo o dinheiro, tempo e sangue que seriam necessários). Além disso, eu simpatizava pessoalmente com ele, o que ajudava muito nossa convivência durante a prova.
Alguns dias depois, e sem nenhum treino juntos, Gus e eu nos encontramos em Guarulhos e voamos para a Cidade do Cabo, em busca deste sonho maluco e de um objetivo comum.
Pouco tempo para arrumar os equipamentos, 2 dias depois fazíamos nosso primeiro pedal juntos, já no Prólogo do Cape Epic (Prólogo é a primeira etapa, com 27km neste ano, que indica em qual bloco a dupla largará no Estágio 1, que ocorre no dia seguinte).
Fizemos um bom Prólogo e garantimos uma largada no grupo D (os grupos vão de A a H sendo o A composto pelos atletas que ganham a prova, geralmente medalhistas olímpicos e corredores profissionais).
O estágio 1 se passava e pedalávamos bem, sempre tentando poupar um pouco as pernas pois sabíamos que os dias seguintes seriam cada vez mais longos, chegando ao ápice de 143 km no quarto dia.
Foi a partir do estágio 2 que nossos maiores desafios começaram a aparecer. Com apenas 10 km de prova meu pedivela começou a ficar solto e aparentemente não duraria muito. Tinhamos que pedalar mais 30 km até o primeiro ponto de abastecimento, onde teríamos uma possível ajuda de mecânicos. Paramos e começamos a perguntar a todos os outros corredores que passavam: "Alguém teria uma chave de pedivela para emprestar??" Pergunta praticamente sem resposta. Ninguém em sã consciência carrega uma chave destas, pois além de raramente ela ser necessária, seu peso inviabiliza qualquer transporte em mochila ou bolsa.
Fiquei bastante desesperado, pois sinceramente odeio mexer com mecânica de bikes (quem já correu comigo sabe disso), mas o Gus, calmo como ele já demonstrava ser, sentou e começou a analisar a situação. Em alguns segundos, como se algo conspirasse a nosso favor, Gus pegou a primeira pedra que encontrou e apertou o encaixe do pedivela, quase como a pedra fosse feita para aquele encaixe. Não conseguíamos acreditar naquilo, a primeira pedra havia encaixado perfeitamente e nós pedalávamos velozmente em busca do primeiro ponto de abastecimento. Queríamos apertar a peça com segurança e isso só poderia ser feito com a ferramenta adequada.
Completamos mais este dia dentro do tempo mínimo e foi assim que nossa prova seguiu, uma sucessão de acontecimentos, soluções inusitadas e uma parceria cada vez mais sólida se formando.
Estágio 3, quarto dia de prova. Os temidos 143 km. Acordamos como todos os outros dias às 4:57am (3 minutos antes da gigantesca fila que se formava nos banheiros) e começamos a arrumar as mochilas para a largada. Neste dia eu já tinha começado a sentir os efeitos de uma infecção intestinal que tomava conta de mim, porém o Gus conseguia sempre manter o bom astral do time no pedal e conseguimos passar este temido dia dentro do período permitido.
Poucas vezes pedalei mais que100km na vida e confesso que pedalar os 143Km não foi fácil para a cabeça (e principalmente para o corpo). Mesmo assim, seguíamos firmes e fortes na luta.
Estágio 4, dia mais leve com apenas 105km e 2600m de ascensão. Era para ser mais fácil mesmo, não fosse o furioso vento que tomou conta da prova e pasmem, nos últimos 35 km tínhamos que pedalar nas descidas para que a bike conseguisse se movimentar para frente!
Estágio 5, agora sim eles devem começar a facilitar as coisas! Facilitar que nada. Neste dia tive que pedalar 119 Km com 2350m de ascenção e muita chuva (muita mesmo!) e apenas no "coroão" pois a coroa menor quebrou e não entrava nem com reza brava! (uso uma relação 2x10, assim cruzar as marchas não era um grande problema). Além disso, já estava desde o dia anterior sem conseguir me alimentar direito. Tudo que pensava em comer me causava um enjôo quase que instantâneo. A fraqueza era eminente e confesso que foi um dia muito difícil e que ao final, eu achava que havia sido o mais difícil de todos. Doce ilusão...
Sétimo dia do Cape, Estágio 6 com apenas 85km e 2200m de ascenção. Este não tinha como ser um dia difícil.... ou tinha?
Nos últimos 3 dias tinha me alimentado muito mal e já havia conhecido todos os médicos da prova. Foi neste mesmo dia que quase paguei o preço mais alto desta desnutrição acumulada. Mal começamos a pedalar e eu já me sentia muito mal, quase não conseguindo mover a bicicleta para cima das montanhas e sendo ultrapassado constantemente pelos pelotões do fundo.
Com apenas 2 horas de prova encontrávamos nossas maiores subidas e foi neste momento que o desespero bateu. Confesso que desde o começo deste dia pensava na hipótese de não conseguir terminar a prova devido à fraqueza, porém após muito refletir no assunto, encontrávamos fechando a prova como últimos colocados. Parei por alguns instantes para retomar o ar e neste momento quase cai no chão de tontura e fraqueza, não fosse o Gus ter me segurado.
Sugeri a ele que talvez devesse terminar a prova sozinho e acho que este foi o momento mais difícil da prova para mim, porém por sorte minha meu parceiro sequer cogitava a hipótese de me abandonar e mesmo estando como últimos colocados, ele insistiu que seguíssemos devagar e assim conseguiríamos vencer mais aquele dia. Pois bem, acho que este carinho e garra me fizeram seguir e, pedalada após pedalada, conseguimos nos manter na prova e inclusive ultrapassar ao menos umas 10 duplas antes de fechar o dia.
Estágio 7, último dia! Este não poderia dar errado e realmente não deu. Na noite anterior havia conseguido ingerir uma quantidade razoável de alimento e isso me deu força suficiente para acordar bem e rasgar o solo da África do Sul até a chegada junto com meu grande parceiro. Finalmente fechamos a prova e fomos recepcionados com uma chegada emocionante e absolutamente perfeita.
Nos emocionamos muito e por fim entendemos o que realmente significava o Cape Epic em nossas vidas.
É muito difícil afirmar se farei ou não esta prova outra vez, porém aos que tiverem interesse posso assegurar que foi uma das experiências mais marcantes em toda minha vida. E segue um conselho: entrem na loteria do Cape, torçam e se joguem de corpo e alma neste grande desafio, pois ele vale cada quilômetros pedalado!
Abs,
Maurício C. Cervenka
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