Das distâncias curtas, percorridas com uma amiga, enquanto os filhos jogavam bola, Vera Saporito pegou gosto pelas corridas. Dali para as provas de montanha foi um passo, o início de uma paixão pelo esporte que marcaria sua entrada nas ultra trails. Vera ainda pode ser considerada uma novata nas ultramaratonas, afinal, foram duas únicas provas de 50 quilômetros na carreira. Na primeira, em Ilhabela, conquistou o primeiro lugar. Na segunda, sua primeira competição internacional, confirmou o vício pela modalidade. Atualmente, a atleta coleciona troféus, medalhas e a vontade de correr ainda mais.
Veja abaixo, um bem humorado e emocionante relato de Vera Saporito na sua primeira competição fora do País, realizada em outubro no Chile. Nele, a atleta dá o exemplo de que competitividade e camaradagem com as adversárias podem sim andar juntas. A experiência de Vera na prova internacional também serve de modelo para que os organizadores brasileiros se espelhem no que os atletas recém-iniciados no esporte podem esperar deles.
Adventuremag – Recentemente, você correu 50 quilômetros na The Norh Face Endurance Challenge, no Chile. Por que decidiu correr esta prova?
Vera Saporito - Decidi correr esta prova depois de ter participado do XTERRA The North Face de 50km, em Ilhabela (SP). Fiquei encantada! Por influência de alguns amigos, que fizeram a prova do Chile no ano passado, resolvi arriscar. Pensei que se havia completado os 50kms aqui, no Brasil, porque não arriscar no Chile?
Advmag - Como foi a prova do Chile para você?
VS - Foi minha primeira prova internacional e meu objetivo era completar. Foi uma experiência incrível!!! No dia da prova, estava mega ansiosa! Outro país,outro clima, bastante frio. De manhã tinha até umas fogueiras para os atletas se aquecerem. Todo mundo agasalhado, falando uma língua que eu domino pouco. Estava louca para encontrar os brasileiros que havia conhecido um dia antes num almoço. Havia, pelo menos, doze brasileiros na prova. Quando os encontrei, fiquei mais tranquila. (risos).
Lembro do helicóptero sobrevoando a área quando fui para a largada. Na contagem regressiva pensei comigo: agora não tem volta! Soou a buzina. A galera saiu em disparada e eu também (aliás, está aí uma coisa que preciso corrigir nas minhas largadas. rs). Levei uma máquina fotográfica na mochila, que só fui usar bem depois!!! Lá pelo km4 ou 5 começaram as subidas...Super subidas!!!! Descobri como os bastões ajudam!!
No início da prova eu estava em segundo lugar, avistando a chilena primeira colocada na subida. Ela subia numa boa, enquanto eu atrás estava quase beijando o chão. Superada essa subida INSANA, começaram as descidas. Aí sim! Amo descer! Desço com a cara e a coragem. Tomei vários tombos, porque havia mato e estava úmido. Mesmo assim, consegui passar pelo primeiro controle em segundo lugar. Mas já havia outra competidora na minha cola. Apesar da maior parte da prova ser em subida, eu aproveitava para acelerar no plano, pois a minha adversária não mandava muito bem nesses trechos.
Continuei firme. No segundo posto de controle, por volta dos 30 kms de prova, eu mantinha a segunda colocação. Neste ponto, acabei conversando com a tal chilena do bastão, que se chama Isara (muito bacana por sinal!). Tirei uma foto dela e ela me perguntou qual era a minha categoria. Éramos da mesma categoria. Sorrimos e trocamos desejos de boa sorte. Em meio à despedida, passa uma moça baixinha, voandooooo!!
Corri para alcançá-la e perguntei: você é brasileira? Ela respondeu que sim e eu repliquei: Então ganha essa pra nós, vai?! Sorrindo, ela respondeu: Vou tentar!!! Depois disso, a garota sumiu!!!! Com a Isara à frente e eu em seguida, fiquei olhando para trás, preocupada com a outra atleta atrás de mim.
A partir daí comecei a entender os efeitos do Mal de Altitude. Minha cabeça começou a doer demais. Tinha força para correr forte, mas com a cabeça doendo não rola!!! A quarta colocada me passou e passou a Isara também. Incrível a passada dela na subida! E lá se foi meu terceiro lugar. (risos)
Resolvi parar no posto de alimentação para descansar, a cabeça doía, o frio começou a apertar e meu corpo começando a dar sinais de cansaço. Sentei num morrinho, comi três batatas, amendoim, Coca-Cola e enchi minhas garrafinhas de água. Estava nova para continuar. O cansaço passou, mas o frio estava difícil para mim. Os ventos estavam sinistros e eu só mentalizando uma descida, que não existiaaaaaaaaaaaaa!!!
Com mais de cinco horas de prova, aparece outra chilena que subia numa facilidade impressionante!!!! E lá se foi meu quarto lugar! O quinto lugar estaria de bom tamanho. Uma prova difícil daquela, cheguei a pensar que só havia cinco inscritas nos 50km. (risos)
Finalmente comecei a avistar as descidas. Soltei o freio e desci loucamente, pedindo licença para o povo. Com certeza, esse foi o momento mais marcante da prova: último posto de controle para passar e com o chip da munhequeira, peguei um punhado de amendoim e perguntei para o rapaz: Só faltam 2 kms, não é? Ele: Nooo, faltam 5 kms!!! Ninguém acredita o que esta informação fez na minha cabeça. PIREI!! Xinguei, me descabelei!!
Como eu tinha certeza que estava no final da prova, já havia dado tudo que restava de mim!!! As subidas tinham acabado???? Nãoooo!! Esses cinco kms finais pareciam uma montanha russa, sobe-desce total!!! A penúltima descida da prova muito punk. Era uma terra preta, lisa. Não tinha uma pedra para que eu pudesse descer em pé e me segurar nelas. Agachei, alinhei meus pés e fui patinando por uns 400 metros de descida. Cara, que medo! Como eu já não estava mais raciocinando direito, sem noção de tempo e nem kms (a bateria do relógio havia acabado no útlimo posto de controle), eu só queria avistar a chegada!
Finalmente consegui enxergar a chegada, mas ela estava muito longe. Ainda havia uma descida e uma subida pra chegar lá. Chorei! Olhei para a chilena na minha cola e perguntei: muito mais que 50kms, não é?
Ela: Sim, muiito mais!!!
Continuei: Humm! Me fala uma coisa: chileno não sabe contar?
Morremos de rir! E lá se foi meu quinto lugar.
Terminei a prova em sexto lugar, com 8h20 e na verdade eram 55kms!!!
Terminei muito feliz! Missao cumprida e medalha na mão!
Fiz um prato de pedreiro de macarrão, tomei um suco e fui embora para o meu hotel supeeer feliz!!!
Advmag - O que leva brasileiros se aventurarem em competições de alta montanha, no exterior?
VS – Com certeza é o desafio de completar uma prova difícil! Conhecer um país diferente, fazendo o que gosta, é algo incrível! Depois da minha experiência na prova do Chile, vejo como o Brasil está bem atrás no quesito organização de provas trail run. A prova chilena estava bem organizada, sinalizada, ambulâncias em lugares estratégicos, postos de controle mega abastecidoscom alimentação, hidratação, contagem de tempo, chip funcionando perfeitamente, helicóptero sobrevoando a área. Fora o pré-prova. Eu entrava no site e conseguia visualizar todos os percursos que a organização havia preparado e as informações do que seria oferecido. O kit era muito legal também. Tudo o que estava escrito no site realmente aconteceu. Não é muito barato participar de provas internacionais, mas cada centavo gasto vale muito à pena!!
Infelizmente, no Brasil as coisas ainda funcionam diferentes. Normalmente, os organizadores brasileiros anunciam a prova, passam um mapa do percurso, prometem hidratação e alimentação, mas quando chega na hora prova não cumprem o prometido.
Ultramaratonas precisam ter uma infraestrutura muito boa. É preciso estudar bem o percurso, a logística da prova, sinalização e equipe qualificada em certos pontos. Já participei de prova em que o staff simplesmente não sabia me informar o caminho certo ou era ponto de hidratação que era para existir a cada cinco quilômetros e simplesmente não existia.
Hoje, eu mesma acabo preparando a minha logística de prova, mas e quem é marinheiro de primeira viagem? Torço, sinceramente, para os organizadores das provas de trail run no Brasil melhorem a infraestrutura destas provas. Não é difícil.
Por outro lado, houve uma prova que me arrependi de não ter participado: o Desafio das Serras. Quem participou desta achou tudo muito organizado, prova de nível internacional! Ficou um pouco cara? Sim, ficou. Sendo cara, mas cumprindo o prometido, não vejo problema.
Advmag - Por que você começou a competir em corridas?
VS - Comecei a correr há oito anos, por influência de uma amiga. Corríamos para preencher o tempo, enquanto nossos filhos jogavam bola. Peguei gosto e comecei a correr no parque três vezes por semana, entre 8km a 10 kms. Minha primeira prova foi a Nike10. Depois disso, não parei mais. Participei de diversas provas. Hoje, também sou marcadora de ritmo na Track&Field, na Meia Maratona da Corpore, no Circuito Vênus. Às vezes, puxo algumas amigas em algumas provas.
Advmag – Quando as corridas de montanha entraram na sua vida?
VS - Minha primeira prova de montanha foi a Meia Maratona de Trail Run de Ribeirão Pires. Havia chovido muito e o percurso era puro barro, cheio de buracos e ainda uns 800 metros de corrida na linha do trem. Fiz em 1h46 e fiquei em primeiro lugar. Nem eu acreditei! Joguei o tênis no lixo, mas amei. Agora meu lema é "quanto pior melhor!". Rs.
Advmag - Qual foi sua primeira ultramaratona?
VS - Foi a de Ilhabela, XTERRA Endurance 50km, em abril de 2012. A sensação foi INCRÍVEL!!! Ainda mais que ganhei a prova! A prova foi muito dura, tive dor, cãimbra, alucinação e piriri. Fora isso, até o km21 minha adversária do circuito paulista de montanha estava lá (a Luzia). Ela sempre ganha de mim nas provas curtas. Cruzar a linha de chegada foi emocionante. Chorei demais nos braços da enfermeira. Rs.
Advmag - As corridas de montanha são hoje as suas preferidas?
VS – São sim. O visual é sempre incrível e o pessoal que participa agrega demais. As provas de rua são sempre a mesma coisa, nos mesmos lugares e eu ficava na pilha de melhorar meu tempo. Tá louco!
Na prova do Chile fiz amizade com pessoas muito legais. Os atletas profissionais dão uma mega atenção pra gente. O Iazaldir [Feitosa], por exemplo, me disse: "Curta a prova e termine bem!!!". Ou então o [Marcelo] Sinoca: "Não pensa no corte. Vai lá e corre, que você consegue!". Isso passa uma super segurança!
Migrar para estas provas exige algumas mudanças, treinamento físico diferenciado, tênis específico, treinos em percursos acidentados, mas o fato de existir estas mudanças é que faz toda diferença. Ainda participo de algumas provas de rua, mas minha grande paixão é a montanha.
Advmag - Você já se destacava nas provas de montanha, de 12km. Por que decidiu ir para as ultramaratonas?
VS - Em 2011, fiz o XTERRA de Ilhabela, de 18kms Nigth Run. Tive um resultado bacana, fiquei em terceiro lugar. O José Virgílio estava na categoria 50km e ficou em segundo lugar. Fiquei super empolgada com o povo que estava correndo os 50km e acabei resolvendo fazer. Ganhei minha inscrição por conta do meu patrocínio da New Balance. Eu faria os 80kms, mas resolvi seguir os conselhos do meu técnico e de atletas que eu questionava pelo Facebook, e acabei decidindo pelos 50km.
Longas distâncias já me atraiam. Agora as longas de montanha também. Acho que a única maratona que vou fazer ano que vem é a do Rio de Janeiro, porque amooo aquele lugar!
Advmag – De quais provas você participou em 2012?
VS - Esse ano não foram muitas, porque foquei tudo no Chile!! Fiz XTERRA Ilhabela - 50km (1º lugar geral); Ultramaratona Bertioga-Maresias – 75km (1º trio feminino); K42 Bombinhas – 42km (1ª dupla feminina); Revezamento Pão de Açúcar – 42 km (5º lugar quarteto feminino); e The North Face Chile 55km (6º geral e 4º na categoria)
Advmag- O que você pensa quando vai para uma prova?
VS - Sempre vou para uma prova querendo curtir e terminar bem. Respeito demais os sinais do meu corpo manda, seja em uma prova longa ou curta. Como sou mãe de três, corro 50kms e ainda tenho que voltar para casa para fazer a janta. Em contrapartida, é lógico que tenho meu lado competitivo. Estudo as adversárias e vejo se tenho possibilidade de uma boa colocação. Por exemplo, no XTERRA de Ilhabela desse ano, já na largada da prova, eu meti na cabeça que o título era meu. Mas na volta de Castelhanos comecei a passar mal e naquele momento pensei: "Se a segunda colocada me passar, não faz mal. Eu preciso sim terminar essa prova bem!".
Advmag – Como foram seus treinamentos e preparativos para a prova do Chile?
VS - Meus treinamentos de corrida são conforme as provas que vou fazer. Treino corrida seis vezes por semana e domingo pedalo na ciclovia quando dá! Nunca fui muito ligada no lance de suplementação. Tomo, desde sempre, apenas BCAA e uma boa proteína. Para os 50km do Chile tive que aprender muito sobre o que comer durante a prova. Procurei uma nutricionista e conheci uma moça muiiito bacana, a Zilma. Ela fez Conrades [África do Sul] inúmeras vezes e só corre ultras. Já fez 100km do Egito e 247 kms na Grécia. Conheci comidas e cápsulas que nem sabia que existiam, cápsula de sal, bala de carboidrato, bolacha de carbo, gel de café.
Advmag – Você treina em algum clube de corrida ou assessoria esportiva?
VS – Treino, há cinco anos, com a assessoria PN Treinamento. Costumo treinar no Ibirapuera, de segunda a sexta e aos sábado escolho lugares diferentes. Ligo meu GPS e caio no mundo. Dependendo do treino corro sozinha, mas se for rodagem, sem foco de tempo, corro com todo mundo. Adorooo!!
Advmag - Como consegue conciliar treinos e a rotina do dia a dia?
VS – É tudo meio puxado. Sou dona de casa e tenho três filhos (Giovanni – 19; Giuliana – 13; e a raspa do tacho, a Malu - 2 anos). Apesar do Giovanni estar na faculdade e trabalhando, filho é para sempre. A Giu é atleta do Pinheiros, faz Saltos Ornamentais e já foi atleta de Ginástica Olímpica. Sempre calha das competições dela acontecerem nos mesmos dias que as minhas corridas. Mas me divido bem! E por fim minha Maluzita, que tenho certezaaa que vai para o mesmo caminho da Giu, pois ela não para.
No meio desse corre-corre, vou mega cedo para o Parque do Ibirapuera, faço meu treino e volto para casa para liberar meu mais velho, que fica cuidando da Malu. À tarde fico pensando em quem ficará com a Malu para eu poder fazer musculação. Cansa, viu!?!rs
Advmag – Você já pensa em distâncias maiores?
VS – Sim, já penso em distâncias maiores. Quero fazer o Xterra 80kms e Bertioga-Maresias solo. Conversando com um amigo meu, o Sidney Togumi, fiquei sabendo do La Mission. Ele me explicou mais ou menos como é. Vi um aluno dele treinando no parque e fiquei muito a fim de fazer essa prova. Vou treinar com ele quando chegar a época. Serão 150kms...INSANO! Boraaa!!
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