Depois que meus planos para algumas provas deste ano não se concretizaram, eu realmente precisava de uma que me desse muito prazer. Comecei a procurar nos calendários internacionais e encontrei uma prova muito interessante na Adventuremag, a Salomon Zugspitz Ultratrail, na Alemanha. Quando assisti ao vídeo da Zugspitz fiquei apaixonada, mas como a data estava muito próxima e eu só teria dois meses para treinar, deixei a idéia de lado...
Correr é minha paixão! Adoro treinar, fazer amigos, conversar . É nos longos e duros treinos de sábado onde encontro pelo caminho muitos amigos, entre eles as pessoas da Ztrack que sempre me dão um apoio especial e são motivadores para o meu dia ser completo.
E foi assim que, ao terminar um dos meus treinos longos de sábado, passado das 12horas, exausta e com sol forte, resolvi acompanhar um amigo, Rapha na parte final do seu longão para a Comrades. Foram 7km que tirei da alma para completar e foi aí então que tive a certeza que queria fazer a ultratrail!
Fiz minha inscrição para a Salomon Zugspitz Ultratrail, uma prova ainda nova, com poucas edições e com três distâncias – Basetrail 35.9km, Supertrail 68.8km e Ultratrail 100km - todas com chegada em Grainau, na Alemanha. O percurso é feito pelos Alpes, passando da Alemanha para Áustria e retornando à Alemanha. É claro que escolhi a de 100km, com 5.420m de ascenção acumulada. Quanto mais tempo de prova melhor!!! Adoro!!!!
Conversei sobre a prova com meu treinador Caco Fonseca e resolvemos montar um treino enxuto, sem muito desgaste para mim, pois só me restavam quarenta e cinco dias.
Chegamos a Grainau na véspera da prova. Uma cidadezinha linda ao pé das montanhas. Busquei meu kit, um belo kit para os competidores da Ultra. À noite um jantar de massas reuniu muita gente, mas acredito que nem a metade dos competidores estava por ali, pois eram 1600 ao todo nas várias distâncias.
Fui para largada bem cedo. As pessoas por ali me pareciam muito sérias e concentradas, não tinham a mesma alegria das provas aqui do Brasil e do resto da América Latina.
Para o posicionamento para a largada todos os equipamentos obrigatórios foram conferidos pela organização. No momento da largada, enquanto o DJ delirava com a música Highway to Hell, do AC DC, eu pensava: hum... "estrada para o inferno", isso vai ser muuuuito bom!!!!! Quanto pior, melhor!!!! A largada foi dada por uma bandinha típica da região, passamos o pórtico e começamos a correr por ruas estreitas e com inúmeros espectadores, um tanto complicado para passar até entrarmos no bosque. O cheiro do mato e o ar fresco da manhã faziam uma composição maravilhosa com a paisagem. Provas junto à natureza são momentos únicos de total liberdade que me completam. Só de estar ali já estava realizada!
© Klaus Fengler
As subidas começaram e com a trilha muito estreita formou-se uma fila, todos no mesmo ritmo, ficava díficil ultrapassar. Consegui me desvencilhar passando muitos nas descidas. Notei que algumas mulheres tinham muito cuidado para correr e fiquei surpresa pois pensei que como locais elas deveriam estar mais acostumadas com aquele tipo de terreno. Ao sairmos do bosque já estávamos bem alto e então fizemos a descida por uma pista de esqui, muito íngreme! Não quis descer forte porque a brincadeira estava apenas começando e eu poderia me machucar. Em muitos pontos, de tão alto que estavamos, as nuvens se fechavam ao nosso redor. Minha maior preocupação eram os cinco cortes no decorrer de todo percurso. Consegui passar o primeiro duas horas antes e o segundo também e então pude ficar mais tranquila para admirar todo aquele incrível complexo de montanhas e vales. Com esta folga no tempo também pude parar nos postos de hidração, abastecer as garrafas e o camelback e também comer.
Como corredora de aventura estou acostumada a cruzar campos com vacas e cavalos que costumam se afastar, mas ali as vacas de leite com seu sinos amarrados ao pescoço pareciam querer participar, não faziam cerimônia de estar no meio do caminho ou de se aproximar dos corredores no percurso. Tornavam a cena divertida.
© Lars Schneider
Mas divertidas mesmo eram minhas quedas! Cheguei a pensar que estava com algum problema, mas muitos dos corredores também estavam sujos de terra, comprovando que eles tinham caído muitas vezes também. Atravessar trilhas com neve na montanha requer muita técnica, habilidade e concentração, principalmente nas descidas. Quando a neve está alta isso faz o percurso ficar ainda mais complicado. Assim foi em uma das descidas na encosta da montanha, onde havia até um cabo para ajudar, mesmo assim caí e desci sentada os 20m finais. Embora tivesse adorado a experiência e me divertido muito, tudo teria sido muito mais divertido se eu não estivesse de bermuda curta e a neve não tivesse entrado no tênis. Por ter me apoiado na neve, os dedos das minhas mãos ficaram congelados por uns 30min...
Havia um ponto da trilha onde só se viam grandes pedras no topo de uma montanha. Ali a trilha seguia pela encosta do rochedo por alguns metros e para passar era preciso segurar com a mão esquerda em um cabo, que estava chumbado nas rochas, e com a outra mão segurar os tracking poles, pois era muito, muito alto!!!
O posto V5 , por volta do km 57, marcava o meio da prova e tinha a mesa de comida mais farta, inclusive com sopa. Alí médicos avaliavam se os competidores podiam continuar em frente. Para este posto foi possível mandar uma bolsa com suprimentos, troca de roupas e outras coisinhas. Havia muitas pessoas pelo chão, pelas barracas e nas cadeiras. Aproveitei para fazer um descanso por 30min, bastante longo mas ótimo para trocar a roupa e tomar sopa. Estava muito frio e um pouco de conforto é sempre bem vindo. A intenção era terminar a prova, então pude me dar este luxo!
© Sportograf.com
Durante a prova, mesmo com toda vontade e concentração, às vezes o cansaço vinha e então as palavras do Marcelo Sinoca soavam como um mantra: "eu quero, eu posso, eu consigo!". Repetia algumas vezes, respirava fundo e seguia com mais vontade!
A última subida nos levou de 810m a 2020m. No topo pensei que era só descer os últimos 10km e concluir a prova, mas grande engano foi pensar assim, pois este ultimo single track estava muito escorregadio e era muito íngreme. Os vários degraus faziam um zig-zag na montanha e deixavam a trilha muito técnica . Acompanhei a queda de alguns competidores homens e, mesmo concentrada, fui ao chão também!
Embora cansada, já de madrugada e na total escuridão do bosque, a sensação era de felicidade por estar naquele lugar. A energia que sentia da natureza é algo inexplicável, que só quem vive momentos assim consegue perceber. Era um misto de alegria por estar prestes a completar a prova e outro de sentimento de tristeza por chegar ao fim....
Assim, com essa sensação, passei o pórtico de chegada e recebi a minha medalha e a camiseta de "finisher". Mesmo havendo perdido meu chip pelo caminho, meu tempo foi computado certinho!
Finalizei mais uma linda corrida, mais uma experiência fascinante vivida em um lugar maravilhoso e que me deixou muito feliz.
Katia Ronise Fernandes
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