Depois de um segundo lugar animador no Haka de Passa Quatro (55km – 8h18) tínhamos uma Chauás 120km pela frente. Despedida do Tio Lucas.
Lugar de origem do capitão e paizão Thiago. A vida nos reserva surpresas, quem sabe para nos ensinar algo ou mesmo por alguma razão que no fundo desconhecemos e acho que foi por isso que o Thiago, no fundo, não pôde correr essa prova, sendo substituído por ninguém menos que Marcio Monteiro, que honrou, de forma magnífica, o ranking que ocupa no RBCA.
Saímos por volta de 8 horas de Registro rumo a Fazenda Tangará (próximo de Juquiá), local da largada.
Largada por volta de 10h10, bike por estrada de terra até PC 02, cerca de 12 KM. O sol estava escaldante e fazia muito calor, um clima abafado, por causa disso, o que parecia muito simples tornou-se um pouco estafante. Imaginei que faríamos esse percurso em 40 minutos. Levamos 48. Achei que foi bom. Marcamos o PC em segundo e ali começou o trekking. Longo trekking, estimado em mais de 35 km.
Marcio pediu uma água gelada para o staff. A Leandra o acompanhou, mas ao dar o segundo gole, pegou a garrafa que estava ao lado. Que será que tinha dentro? Pinga, rssss. Depois de um belo gole de cachaça e quase vômito. Acho que não vomitou de verdade porque não deveria ter nada no estômago.
A saída foi em local relativamente plano e estrada. Pena que era apenas 2,5 km, porque dali em diante já entrávamos em trilha na mata e morro acima.
Depois de subir bastante começamos a contornar o morro de 513 m de altitude. A Leandra, por causa da cachaça ou mais pela tensão pré-prova, não tava bem de estômago. O André já puxava ela (cinto de tração). Ainda bem que o Marcio levou o reboque dele, pois esquecemos o nosso.
Pouquíssimas dúvidas de navegação. Trilha bifurcada que não constava no mapa, mas normal em se tratando de perrengue Chauás. O capitão, com a preciosa ajuda do André, tirou de letra.
A Leandra, que estava com bastante "sorte" (risos) - foi agarrar-se em uma árvore. Acho que deu aquelas derrapadas normais de trilhas molhadas. Acontece que a árvore tinha suas defesas naturais (espinhos) e o resultado não foi muito legal, furos e cortes na mão. Para ajudar, com minha natural ausência de psicologia, digo-lhe, cadê a luva? Se a luva não impede a lesão (o espinho perfura a luva), certamente ajuda.
Chegamos ao primeiro trecho de rasga-mato. Na verdade seguiríamos por um rio (riacho de águas límpidas, raso e com bastante pedras e troncos – típicos de nossa mata atlântica). Se a velocidade já era relativamente baixa, dá prá imaginar o quanto cai em local de difícil progressão. E não adianta tentar acelerar, pois um escorregão em uma pedra lisa pode trazer graves prejuízos, bastando imaginar um torção de tornozelo.
Antes de chegar ao rio encontramos com umas "amiguinhas" que foram incomodadas em seu habitat natural. Estava eu descendo a ladeira e saí um pouco ao lado para esperar a Leandra, acho que encostei no ninho de vespa, pois só percebi ao sentir as dores de picadas. Saí correndo e gritando: abelhas!! . Vi uma em minha coxa, na verdade era vespa, bem grande. Ardeu muito. A água do rio era gelada e para mim isso aliviava a dor. A Leandra também foi picada.
Ao final do rio teríamos que pegar uma trilha a esquerda. Na nossa estimativa de distância, tínhamos passado do local. Procura trilha até que eu vou um pouco mais adiante e vejo um local aberto, com alguma culturas e casa que tinha pegado fogo. Percebi que em meu mapa constava a informação dessa casinha. Avisei nosso navegador e aí eles conseguiram nos tirar dali.
A trilha permitia aumentar a velocidade. Nessa altura o enjôo de estômago de Lê tinha ido embora, quem sabe até substituído pela dor da picada de vespa. O tênis dela estava cheio de areia e para tentar correr na trilha seria necessário limpá-lo ou ao menos tirar um pouco da areia. Feito isso, avante. Morro para subir, morro para descer e rumo ao PC 3.
No final dessa trilha teríamos que encontrar uma estrada de terra. Encontramos com o Trigo e seu companheiro. Ao final, antes da estrada, nova bifurcação. Confere no mapa, vai um pouco prá lá outro prá cá. Encontra o rio, abastece e vê a estrada. Novamente aumenta a velocidade. Sobe, desce, pára em uma casa, reabastece camel e avante. Encontramos Massa e Diego. Assinamos o PC 3. Leandra tomou um antialérgico. Seus dedos estavam inchados e ali soubemos que teve corredor que precisou ser socorrido, pois era alérgico a picada de abelha.
Seguimos para pegar o outro trecho de rio (rasga mato). Na subida encontramos o Christian fotógrafo, registramos o momento. Nossa intenção é entrar nesse trecho antes de anoitecer. Pelo visto ia dar certo.
A temperatura começou a mudar. Ouvimos trovões. Forte tempestade se avizinha. Encontramos o rio. Também encontramos o Heitor (Gralha). Conversei um pouco com ele, pois caminhava com dificuldade. Ele disse que tinha torcido o tornozelo no Ecomotion. Fez quarteto com a dupla Santa Rita. Ele nos ajudou no rio. Vamos que vamos e novamente o PC 4 parece estar mais longe do que deveria (risos). Acho que o excesso de curvas do rio aumenta muito a distância calculada.
Finalmente encontramos o PC4. Jorge e sua amiga, que descobrimos ser torcedora da UBUNTU, nos esperavam com um costumeiro sorriso. Eramos o segundo colocado. André perguntou quanto tempo o primeiro quarteto tinha passado. Acho que era por volta de um hora. Jorge disse que a trilha a seguir seria fácil. Não era o que constava do mapa. Tinha mais de 8km de trilha mata atlântica adentro. Seria uma antiga estrada rural, abandonada há mais de trinta anos. Não lembro ao certo a hora, mas passava das 17, ou seja, ficaríamos dentro da mata, durante boa parte da noite.
Para ajudar, os trovões e relâmpagos aumentavam. Fomos em frente. Sabíamos que tínhamos que pegar a esquerda por volta de 500 metros adiante. Até vimos uma trilha à esquerda e o Marcio foi conferir, mas não era. Um pouco à frente começaram a surgir dúvidas. A trilha começava a fechar. As informações do mapa não batiam. Subimos morro. Apareceram bifurcas, sempre com aquele sinal de antiga estrada rural abandonada. A noite cai. Hora de colocar as lanternas de cabeça. Demoramos um pouco para finalmente decidirmos voltarmos ao local de origem e tentar descobrir onde tínhamos errado. Vamos voltando, sempre conferindo as opções. Bate trilha prá lá, bate trilha prá cá e vejo a casa. Alerto o capitão. E aí, finalmente, parece termos encontrado a direção. Nessa "brincadeira" foi mais de uma hora, acho que quase duas.
Já não sabíamos a posição que ocupávamos. Noite cai, chuva aumenta e temperatura cai. Nossa guerreira está sem anorack (capa de chuva). Se não bastasse a chuva, vem neblina. Visão difícil. Leandra pede para colocar reboque, lhe daria mais segurança, impedindo que a deixássemos prá trás.
Vamos nós, no máximo que podemos, pois as dificuldades impedem velocidade maior. Tentamos imaginar o horário que chegaríamos ao PC 5, onde a caixa de reabastecimento nos esperava.
Perna firme, passo sobre passo, hora passa, 20h, 21h... Chuva diminui. Visão melhora. Ouve-se barulho de carro e isso faz nascer ânimo, pois é sinal que a estrada, que procuramos, não está longe.
Leandra está com o pé doendo. Pede para parar. Marcio acha melhor pararmos na estrada. Pegamos um trechinho para a direita e percebemos que o azimute não confere. Temos de voltar. Descemos. Encontramos um pasto, uma cerca e ao atravessarmos, a estrada. Ufa... que alegria!
Até o próximo PC eram mais 6 km de trekking por essa estrada. Chovia bastante, mas tínhamos que ver o pé da Lê. Uma bolha já fazia bastante estrago. Marcio acompanhou o trato. Orientou a tirar toda a areia. Ela passou vaselina. Ainda bem que eu tinha uma meia limpa. Ela reclamou do outro pé, mas já batia o queixo de frio. Estava, a meu ver, correndo risco de hipotermia. Achamos melhor não trocar a outra meia e acelerar, para esquentar.
Coloco o reboque e vamos. Ela reclama bastante do pé e a temperatura parece não melhorar muito. Ainda bem que o André tirou o anorack dele e passou para ela. Acho que foi o diferencial!
Conseguimos controlar o frio e até trotar. Ao correr, sentindo a chuva forte, tive uma sensação boa demais. Um sentimento de liberdade, uma certeza de felicidade muito forte.
Ainda tivemos a alegria de ver o capitão ir nos prestigiar. Confesso que pensei que o Thiago, mesmo tendo dito que ia nos ver, não iria aparecer. Tinha ido dormir tarde, acordado de madrugada, ido para São Paulo estudar e ainda ia aparecer, naquela lama e chuva? É óbvio que não. Mas como ele não é normal, resolveu cumprir a promessa. Aquilo nos encheu de energia e coragem.
Paramos mais uma vez, agora para cuidar do outro pé da Lê. As bolhas também judiavam. Tira meia suja, limpa o pé, passa vaselina e coloca meia limpa e seca. Voltamos a trotar e imaginar o PC 5, onde o Thiago nos esperaria e havia uma troca de roupa seca, que ficaria seca por pouquíssimo tempo, pois não parava de chover.
Imagino que chegamos no PC por volta de 22h30. Ali tivemos a informação que éramos o terceiro. O quarteto nos ultrapassou quando ficamos perdidos. Estavam há meia hora na nossa frente. Thiago nos incentivou a ir buscar.
Parte do trecho de bike foi um treino que a Leandra, Thiago e eu já tínhamos feito. Ele não fez nenhuma questão de lembrar do perrengue que foi. Mas foi só pegar aquela subida íngreme, com muita lama, que lembrei. Apesar da chuva e da queda da temperatura, o esforço grande que realizávamos para vencer os obstáculos fazia sentirmos calor. Todos tiraram a capa de chuva. Noite, chuva, lama, trajeto difícil e cansaço fez a velocidade cair. Minhas pernas doíam bastante. Meu tornozelo incomodava. Mas tínhamos que nos superar. Passamos o trecho mais difícil. A progressão melhorou. A chuva diminuiu.
Acontece que uma das entradas se escondeu da gente. O local que devíamos seguir tinha duas colunas, daquelas de colocar portão, dando sinal de propriedade privada. Nosso navegador achou que não era ali, por isso, fomos adiante. Entramos a esquerda, adiante vimos que era um propriedade privada, sem saída. Voltamos, entramos em outro local, que também não era o certo. Voltamos mais ainda e o então capitão Marcio, com o fiel escudeiro André, foram conferir se era por ali. Ficou eu a Leandra. Os dois minutinhos que ficamos esperando serviu para a Leandra dar "uma pescada". Era 1h52 da madrugada. Ouvimos o grito do André e fomos. O caminho era por ali. A frente gritei, ninguém respondeu. Apitei e também ninguém respondeu. Chegamos a pensar que tínhamos ido pro lado errado. Mesmo assim seguimos e para nossa alegria encontramos o André, nos esperando. Então avançamos.
A chuva voltou a castigar. Em determinado momento, em uma ponte de madeira, o Marcio dá uma derrapada e a Lê, que vinha atrás, perdeu o controle. Tombaço! Baita susto. Resultado, calça da Lê rasgada e parte da bunda a mostra (risos). Depois vim saber, via André, que a Leandra tinha levado um segundo tombo. Ainda bem que eu estava com uma bermuda de pedalar, que serviu prá esconder o estrago.
Eu, momentos antes tinha levado um pequeno tombo, derrapei em um "facão" (fenda que fica na estrada). Para copiar a Leandra, levei um segundo tombo, caindo em uma ponte de madeira. Não sei ao certo o erro que cometi, deve ser o acúmulo de cansaço, sono, chão escorregadio, iluminação que precisa ser melhorada, suspensão também. Só lembro da mão e joelho indo de encontro ao chão e sofrendo os tradicionais arranhões.
As correntes da bicicletas também começavam a reclamar e ranger. As marchas da bike da Leandra começaram a emperrar.Já era madrugada, o sono apertava, a velocidade diminuía, mas a garra não. Nessas horas já comecei a imaginar: próximo objetivo PC 6, depois 7, depois cerca de 35 km de remo e aí só restariam 6km de bike, em asfalto.
Chegamos ao PC6 e dali mais alguns quilometros teríamos o PC 7. Fizemos uma opção um pouco mais longa, para pegar um pouco de asfalto e evitar uma baita subida com muita lama. Ótima escolha.
Esse desgaste deu para evitar, o mesmo não se pode dizer do furo no pneu da bike do André. Não dava para a Leandra ficar parada esperando o conserto, senão "hipotermava". Fui com ela à frente, enquanto o André arrumava o pneu, sendo auxiliado pelo Marcio, que entre outras coisas, iluminava o local.
Chegamos ao asfalto. Resolvemos esperar um pouco em um ponto de ônibus, ao menos estava coberto e evitava a chuva, que nesse momento era bem fraca. Não tardou e apareceram os dois, só que o pneu trocado furou de novo. Lá vai o André para a troca. Dou-lhe minha câmara e depois ele percebe que é de "bico fino". Aí forneço o a bomba e refil de CO2. De novo Leandra e eu vamos na frente, visando evitar a temida hipotermia. Só que eles demoram. Depois venho a saber que a tal bomba de CO2 não funcionou.
No asfalto sigo atrás da Le, pois o tombo que tomei quebrou o meu farol de bike, então aproveito o farol dela. A garoa da madrugada e o vento tornam a pedalada bem fria. Mesmo assim resolvemos esperar os dois. Paramos em uma barraquinha que vende bananas (aquelas da beira da estrada), cachorros começaram a latir e não demorou o dono apareceu, e de longe, com uma expressão nada simpática, nos tocou dali.
Primeiro perguntou o que queríamos, dizendo "o que tá pegando". Tentei responder que era prova de aventura. Só me lembro dele dizer que nossa "aventura terminou". Melhor pedir desculpa e sair fora. Desconfiei que ele estivesse bêbado ou como dizem por aqui "torrado". Fiquei com medo de que eventualmente estivesse até armado.
Seguimos empurrando a bike, assim eles nos alcançariam. Não tardou apareceram. Finalmente chegamos ao PC 7.
Chegamos pedindo água. Não é que pensávamos em desistir, afinal, "somos brasileiros". É que tínhamos ficado sem água. Ao nos reabastecer, no PC 5, a água estava simplesmente barrenta, resultado da chuva intensa. Ainda bem que o Marcio tinha o purificador de água. Não tomei muita água durante todo o percurso de bike, pois dava até prá sentir, inclusive nos dentes, o barro da água. Vou entregar a Lê: ela tomou um monte (risos). Também conto que sofri prá caraca com azia. Ao chegar no tal PC 5, comi um baita sanduíche com recheio de tomate seco e muita azeitona. Também tomei meia caramanhola de um suplemento que Lê comprou. Essa combinação não me fez nada bem.
Com a ajuda do staff colocamos as canoas no rio e fomos remar. Embarcamos às 4h52. Dois em cada canoa, Marcio e Lê e André e eu. Sinto me seguro remando com o André. Ele manda muito bem!
Nosso remo rendia, mas não podíamos abrir muita distância dos dois. Sofri com o sono. Acho que cheguei a dar umas "pescadas". Jogava água no rosto, não adiantava. Comia e isso também não amenizava. Até batia o remo na canoa para fazer barulho. Tentei cantar, mas também não deu. Acho que a bala de gengibre foi o que mais fez efeito. Aliás, levei um pouco de taurina, deu me azia e acabou não fazendo diferença quanto ao sono.
Concluímos a canoagem em cerca de 7 horas e o PC falou: faz dois minutos que o quarteto saiu e eles não estavam nada bem. Segundo o staff, ao contrário de nós, eles demoraram um tempão para tirar a canoa do rio. Para quem não sabe, tirar a canoa do rio, depois da canoagem, não é tarefa fácil. A canoa, que não é leve, parece pesar uma tonelada.
A frase do PC era nossa deixa. André ficou animado. Acelerou o Marcio, que também acelerou todo mundo. A chuva aumentou e colocamos força no pedal. Quem diria que com quase 24 horas de prova ainda teríamos força para um sprint.
Parece que quanto mais rápido pedalávamos mais chovia. Tentava fazer a Leandra aproveita o vácuo, mas não dava, espirrava muita água dos pneus. Marcio empurrou ela um monte. O cara não é fraco não. André também. Eu tentei dar uma força. O pior é que eu empurrava as costas dela, mas logo largava (dava trancos). Ela vira prá mim e diz: "assim não".
Passa km 1, nada do quarteto. Km 2, também não. Km 3 e nada do quarteto. A força já não era a mesma. Se no começo do sprint passamos de 35Km/h teve momentos, em especial na subida, que ficou em 12km/h.
Confesso que ao ver a placa de 4 km e não enxergar o quarteto a frente fiquei desanimado. Pensei comigo, dois minutos a frente, em trecho tão curto, de asfalto, é muita coisa prá tirar. Porém, um pouco a frente visualizamos o quarteto. A alegria, emoção, ânimo e sei lá o quê tomou conta da gente. Pedalamos forte e em silêncio. Passamos o quarteto, que sequer esboçou reação para evitar a ultrapassagem. Tudo que ouvi foi um de seus membros lamentarem.
Essa sensação foi única e indescritível. Foi um segundo lugar com sabor de primeiro!
Nos abraçamos forte e comemoramos bastante.
Fantástico! Sensacional! Estupendo! Magnífico! Esplendoroso e sei lá mais quantos sinônimos seriam possíveis... Dú caralhooooo!
Cada dia que passa admiro mais meus companheiros de equipe. Thiagão que esteve presente o tempo todo. Até fisicamente deu o ar da graça. André que não esmorece nunca. Marcio que liderou e navegou muito bem. Leandra que é fonte de inspiração. Vocês são fudêncios.
Menesio Pinto Cunha Junior
Amante de corrida de aventura
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