Correr uma prova na Patagônia sempre foi um sonho, que se tornou realidade junto aos amigos da Equipe Harpya.
Nossa prova parece que começou nos aeroportos (Galeão-Rio de Janeiro, quando Pedro descobriu que seu passaporte estava vencido e teve que ir às pressas para Niterói buscar o RG. E de Santiago-Chile, onde eu quase fui detida por contrabando de Castanha-do-Pará e uvas-passa...rs), daí foi uma correria total, não foi fácil chegar a Puerto Aysén, local de largada da expedição. Com as dificuldades pré-prova, largamos com a mentalidade de que o mais difícil foi chegar até ali, e que a partir de então faríamos a NOSSA prova, curtindo a aventura de estar na Patagônia!
Sabíamos que seria uma prova diferente, num ambiente novo para nós quanto ao tipo de terreno, a navegação e o clima, além de haver modalidades novas pra nós em Corrida de Aventura, como natação e escalada em rocha. A expectativa e ansiedade eram grandes.
Largamos muito animados na corrida de apresentação em Puerto Aysén (2km), para logo pegarmos os caiaques e remarmos nas águas frias do rio e do Oceano Pacífico. Quase ao final da perna de canoagem, rajadas fortes de vento viraram o caiaque de Pedro e Fausto, o que foi literalmente um banho de água fria, não só pra eles, mas também pra mim e para Diogo, pois ficamos sem saber se retornávamos para ajudá-los (o que provavelmente faria com que nosso caiaque virasse também) ou se esperávamos a lancha da Marinha Chilena fazer o resgate, já que a avistamos indo na direção dos meninos. Enquanto o resgate acontecia, Diogo surfava nas ondas do Pacífico, me dando as orientações para que nosso caiaque não virasse. Minutos depois, Pedro e Fausto retornaram ao remo, para finalizarmos a pernada em terceiro lugar, atrás da Equipe Uruguai Ultra Spots e XK Race.
Saímos do remo e corremos até o belo Ginásio Poliesportivo de Puerto Aysén, onde nadamos 500m e partimos para um trekking, onde subimos até o cume do Cerro Cordón. Na subida em meio a trilha, eu estava me sentindo ótima, mas foi ao chegar na parte desabrigada da montanha, que a Patagônia mandou novamente seu recado: Desceu a "Pica Eólica" (como diria nosso grande amigo Thiago Brouzão). Ventava muito, então vesti um corta-vento light (direto na pele) e coloquei a camisa de prova por cima, o que fez meu suor gelar no corpo. Também esqueci as luvas e minhas mãos ficaram semi-congeladas e acho que essa foi minha primeira "lateralizada" na prova. O vento parecia que me empurrava pra trás, o que me deixou mais lenta e um pouco assustada, mas eu pensava que logo pegaríamos as bikes e tudo ficaria bem. Ledo engano, pois já pegamos as bikes à noite e o frio piorou.
Então o que pensei que seria a parte mais tranquila da prova pra mim, pois adoro pedalar, acabou por piorar meu estado psicológico assustado, pois foi um pedal muito diferente dos que temos aqui em Minas Gerais. Estava difícil acompanhar os meninos no ritmo, pois era um terreno muito plano, com muitas pedras soltas e contra o vento. Geralmente acompanho bem na bike, o que não estava acontecendo naquele momento, o que me deixou chateada. De repente, do nada eu tomei um pequeno tombo, rolando pela estrada e comecei a rir e logo depois a chorar:
Pedro:- O que tá acontecendo Fabi?
Fabi:- To mal...
Pedro:- Mal de quê? Você é tão forte na bike...
Fabi:- Mal de cabeça... Acho que to ficando velha pra isso (chorando).
Todos começaram a rir, mas me deram a maior força, dizendo que eu era muito forte e que eu ia vencer tudo aquilo, pois já tinha passado dificuldades muito piores no Brasil.
Realmente, já passei por muuuuuita coisa... Não era aquele ventinho Patagônico que ia me derrubar!
Seguimos na prova em terceiro, entre trancos e barrancos, vales e montanhas, brincadeiras e momentos de seriedade, velocidade e arrastos, forças e fraquezas, risos e lágrimas... Parecíamos estar meio conformados com a terceira colocação, mas ao mesmo tempo, "ninguém queria ser feio".
Mas foi no terceiro dia de prova, depois de duas noites viradas, que tudo mudou, após uma grande sacada de navegação do Pedro, com o apoio constante do Diogo, no Cerro Huemule, quando economizamos muito tempo, fazendo o trecho em pouco mais de 8 horas, enquanto a equipe campeã, fez em mais de 12 horas. Foi ótimo, mas não foi fácil. Rasgamos bosques de lenga (grande árvore, típica da região), tendo que passar por cima de galhos e troncos enormes. Todo corredor de aventura sabe que no terceiro dia de prova a perna quase não quer levantar, fica pesada. As passadas ficam mais rasteiras. Mas com a certeza que a navegação tinha sido acertada, ficamos empolgados apesar do cansaço e teve até corridinha na estrada, ao final do trekking. Eu arrastando meus pequenos pés e tropeçando pelas pedras, tentando acompanhar os meninos.
Contudo, planejamos descansar e nos alimentar com calma na AT para a bike. Porém, ao chegarmos na Escola onde era a AT, a grande notícia:
Moço do PC: - Vocês estão em segundo.
Pedro: - O quê?
Diogo: - Passamos os Argentinos?
Fausto: - Passamo os inimigos???? Passamo os inimigos!!! (risos).
Fabi: - Tamo em segundo? Tamo em segundo??? (gargalhadas).
Pedro: - Transição em 15 min, Porra!!!
Regresado a la competencia! Nadie quiere ser feo!
A partir daí, foi tudo alegria, o corpo doía todo, mas estávamos focados no segundo lugar do pódio. Não é como o primeiro lugar, mas como a primeira equipe estava muito na frente, o segundo lugar na nossa primeira prova internacional, era um resultado interessante, praticamente um primeiro lugar geral... (risos)
Entretanto, antes de cruzar o pórtico, ainda iria passar dois pequenos perrengues, o pânico no El Fraile e Cerro Divisádero e a descida do Cerro Cinchao correndo.
O El Fraile é uma montanha que fica a 1.599m ao nível do mar, onde funciona uma estação de esqui. Chegamos à estação, ao cair da noite (por volta de 22H) do terceiro dia de prova. Pagamos as 2 horas obrigatórias de descanso no PC Camp (no abrigo da estação de esqui), nos alimentando e TENTANDO dormir um pouco, já que os meninos escolheram deitar ao lado do fogão de lenha, na cozinha e depois descobrimos que deitaram na cama de um cachorrinho tinhoso, que avançou na gente. Aí eu e o Diogo deitamos no colchão de um chileno não menos tinhoso, que expulsou a gente...
Quando o despertador tocou avisando a hora de atacar o cume do El Fraile, rapidamente levantamos e partimos, sob a recomendação de um casal chileno de competidores bem legal, que avisou pra gente levar toda a roupa que tínhamos, pois estava muy frío lá em cima! Então já subi preocupada, sem saber que minha maior dificuldade não seria o frio, mas a "pica" de pânico, que me acometeria na subida de pedras soltas. Logo na saída cruzamos com a equipe argentina chegando de bike.
O psicológico da gente é muito doido... Não tenho medo de altura. Na perna de escalada em rocha, me saí muito bem (fui escaladora durante 2 anos da minha vida, antes de fazer corrida de aventura). Não sei se foi TPM, ou manha de mulherzinha de quase final de prova... Só sei que no meio da montanha eu travei. Não conseguia mover nem pra frente nem pra trás. Na minha cabeça, aquele monte de pedras soltas ia rolar, me levando junto pro abismo... "Deu ruim"” lá em cima, como diria Faustinho.
Foi preciso um pouco de paciência dos meninos, principalmente do Diogo, eterno escudeiro, me ensinando a andar em pedra solta e o esporro do "Capitão Pedro", seguido do acalento e a ideia de me pegar pela mão, me tirando daquela roubada. Mas tirando essa parte tensa, o restante da caminhada foi incrível. Até chegar no PC do radar (que era impressionante, mesmo visto de noite), passávamos por vária placas de gelo, nais quais eu e Faustinho (que estávamos tendo nosso primeiro contato com neve nesta viagem), fazíamos questão de pisar.
O Faustinho até fez xixi na neve, experiência da qual achei melhor abrir mão, já que pra mim seria um pouco mais complicado, com receio de congelar meu bumbum. A sensação térmica lá em cima devia ser de -8º, pois ventava e chuviscava bastante.
Na descida eu implorei para seguirmos a sugestão do mapa, voltando pela floresta (não queria mais andar sobre pedras escorregadias) e parece que deu certo. Chegamos ao amanhecer, pedalamos o dia inteiro e ao entardecer iniciamos o último trecho da prova, de trekking, o do PC no alto do Cerro Cinchao, que não chegava nunca!
Saindo do cume sem fim, encontramos com os argentinos e, educadamente, demos dicas para que eles achassem o PC. Depois tivemos que descer tudo correndo, para chegar à meta no tempo previsto de prova, o que foi uma luta, debaixo de chuva, com os joelhos e pés doendo. Mas seguimos até o fim, cantando "O Rappa", felizes com o resultado de toda aquela aventura.
Na chegada ficamos ainda mais felizes em ver a galera gente boa da organização e o querido Togumi, pronto pra tirar aquela foto!
Tudo acabou em pizza, chopp, cochilo na mesa e Diogo viajando na pizzaria e falando sonhando: "Tem uma capa de computador que carrega com energia solar". Ninguém entendeu nada, mas foi divertido, sem falar no silicone, mas isso já é outra história. Aliás, corredor de aventura parece pescador, tem muita história pra contar...
Mas nessa minha história, quero agradecer a todo mundo que de alguma forma me ajudou a vencer esse desafio: Meus apoiadores KTM Bike e Stúdio FG3, minhas irmãs Fernanda e Flávia, que torceram e se preocuparam comigo, meu marido Rodrigo, pela tolerância de ter uma corredora de aventura em casa (ou fora dela) e compreender que faço isso porque amo essa "maluquice" de paixão, mas que ele é minha outra grande paixão e nada vai abalar isso.
E principalmente agradecer meus amigos da Equipe Harpya, Pedro, Diogo e Fausto, por me darem essa oportunidade de viver momentos muito bacanas, na PATAGÔNIA!!!.
Enfim, hoje penso que essa aventura me ensinou algumas coisas:
1- Que a rincha Brasil X Argentina não é só no futebol;
2- Que na hora do desespero, devemos ter a humildade de pedir ajuda;
3- Que não é só a fé que move montanhas, mas também a amizade, o espírito de equipe e uma boa navegação;
4- Que a fé na vitória tem que ser inabalável;
5- Que a Patagônia não é Ibitipoca (MG), não;
6- E que ninguém quer ser feio mesmo...kkk.
Beijos Fabi.
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