Lugar de avó é em casa, cuidando dos netos e fazendo crochê? Não necessariamente, como mostram Carmen Silvia Carvalho (58 anos) e Carmen Lígia Nobre (61 anos) e Silvia Salmaso (56 anos). No último dia 08 de março, elas participaram da etapa de abertura do circuito Haka Race 2014 na categoria Sport. Junto com os demais competidores - em geral, bem mais jovens -, encararam os 35 quilômetros de trekking, bike, remo e rapel. Com simpatia e muita garra, quebraram tabus e mostraram que, para participar de uma corrida de aventura, força de vontade e determinação superam qualquer obstáculo. Confira neste emocionante depoimento concedido por Carmen Silvia.
Para que alguém possa compreender o que significou participar da primeira etapa do Haka Race 2014, em São Francisco Xavier-SP, eu preciso contar algumas coisas anteriores à prova. Desde minha adolescência sonhava em participar de uma Corrida de Aventura, mas nunca havia tido a oportunidade.
Treino na academia Self, que é de minhas filhas Renata e Alessandra Gailey, mas com o objetivo de trabalhar minha saúde, ou seja, não sou uma atleta. Já tenho 58 anos, quatro filhos e cinco netos e um preparo compatível com o que essa situação permite. Foi quando minhas filhas contaram que a academia iria participar do Haka e eu disse que queria participar também.
Era realizar um sonho antigo, mas será que aguentaria? Desde o início elas acharam o máximo, deram a maior força e eu pensei que precisaria montar uma equipe. Mas teria de ser uma equipe especial. Duas amigas minhas de muitos anos, a Carmen Lígia e a Silvia Salmaso também treinavam na academia. Falei com as duas e elas acabaram topando, mas com o mesmo medo que eu. Será que aguentamos? A Carmen Ligia Nobre tem 61 anos, vovó como eu, e a Silvia, mais nova (56 anos) e mais preparada, mas com o mesmo receio. Resolvemos encarar o desafio, mas com um objetivo particular: “chegarmos ao final vivas”.
A Alessandra nos inscreveu e explicou para a organização quem era a equipe 'Maduras' e pediu que arrumassem um tutor para nós. Chegou então um e-mail muito simpático do Rodrigo Kaveski dizendo que seria nosso tutor, que estava empolgado e que desde já depositava toda a confiança na equipe e, se quiséssemos conhecer um pouco mais dele, que entrássemos em seu site. Fizemos isso e quase caímos de costas quando descobrimos que nosso tutor era um atleta de ultramaratona. Na mesma hora dissemos: "Ele não vai aguentar, o cara corre 200 quilômetros e vai ter de andar em passo de tartaruga!". Escrevemos uma resposta bem humorada contando "quem éramos", mas o Rodrigo quis ser nosso tutor assim mesmo, e a aventura começou a virar de verdade.
Fomos para São Francisco Xavier com mais 11 pessoas da academia (eram três equipes), inclusive minha outra filha Patrícia e meu genro, o Luciano. E assim, participar do Haka, que começou quase como uma brincadeira, acabou sendo uma experiência riquíssima de vida. Chegamos decididas a ir até o fim, qualquer que fosse o tempo que demorássemos. A atitude do Rodrigo, que renunciou a si mesmo para cuidar das três “maduras”, que aceitou caminhar a passo de tartaruga só para nos ajudar já nos emocionava, tal a capacidade de doação. A coisa tinha ficado séria porque não podíamos decepcioná-lo, tínhamos de corresponder à entrega que ele estava fazendo.
A prova era muito mais difícil do que imaginávamos, 38 quilômetros com subidas muito íngremes e longas, o que tornou nosso desafio mais difícil ainda. Logo no início um paredão, depois outro e outro e começamos a achar que não conseguiríamos. A cada vez que vinha o desânimo, o Rodrigo nos falava palavras de incentivo, ajudava a carregar a bike quando estávamos cansadas demais, verificava o caminho indo e voltando para não nos cansarmos à toa em alguma trilha errada, ficava nos lembrando de beber água e comer e em nenhum momento demonstrou impaciência ou irritação. Ao longo de toda a prova ele era um anjo da guarda levando as 'meninas', como nos chamava, pelas subidas e descidas. Isso por si já teria sido muito legal. Mas foi mais. Eu já era amiga das duas, mas elas pouco se conheciam. Logo o trio ficou muito amigo e entre nós o clima foi de solidariedade, uma ajudando a outra. Ninguém se estressava porque a outra estava cansada e precisava parar para respirar. Tínhamos claro que o importante era chegar, não importava em quanto tempo. Conversávamos, cantávamos, ríamos, contávamos histórias...não sei como o Rodrigo aguentou as três tagarelas.
A partir do meio da prova parecia que o pessoal do staff do Haka torcia por nós, nos ajudava, sorria quando a “comissão de fundo” passava por eles. Sentíamos uma vibração, uma energia difícil de explicar, mas que nos animava. Quando estávamos caminhando e empurrando as bikes até o PC 07 a coisa pegou. O cansaço era grande, as subidas íngremes demais e infinitas e a Silvia começou a ter esgotamento do exercício e não tinha mais condição de andar. Justamente naquele momento o Rodrigo tinha ido procurar o PC 7 na nossa frente e nos sentimos desamparadas. Deixei as duas sentadas esperando e fui atrás do Rodrigo e de ajuda. Estava firmemente decidida a desistir da prova, pois não podia admitir que a Silvia passasse além do seu limite físico. Cheguei no PC, avisei o Rodrigo e ele saiu correndo desesperado para encontrar as duas. Estava lá o Léo Barbosa (organizador do Haka), com sua perua azul e pedi a ele que fosse buscá-las. Para mim tinha acabado a brincadeira. Fiquei sentada em um tronco esperando as duas. Depois de um tempo chega o bombeiro Edson Dutra, de moto e diz que a Silvia estava bem, que estavam as duas vindo e que não devíamos desistir, pois faltava pouco e nós conseguiríamos. Quando elas chegaram andando, empurrando suas bikes e cantando a marchinha de carnaval que a Carmen Ligia havia criado eu fiquei muito emocionada, começamos a cantar juntas, o bombeiro gravou nossa euforia e, a partir daquele momento passamos a ter dois anjos da guarda conosco. A música ajudou a animar. Sua letra diz:
Se você pensa que o Haka é fácil/ O Haka não é fácil não!/O Haka é prá quem tem raça/E raça não nos falta não!!! (acompanhando a melodia da marchinha de carnaval ‘Cachaça’)
Subimos nas bikes e começamos a pedalar. O bombeiro nos acompanhou até o final da prova. Cada vez que a perna da Silvia entrava em pane ele parava, fazia massagens, nos incentivava. E assim, escoltadas pelos dois anjos, depois de 9h30 de prova, chegamos ao final, eufóricas, e com minhas filhas me abraçando de alegria, e muitos aplausos. A comissão do Haka e todos os atletas pareciam estar lá nos esperando, vibrando conosco. Cantamos nossa música no microfone, e celebramos nossa vitória com todo mundo. Por mais que tente traduzir a sensação de superação, de euforia por termos conseguido, por termos sido tão cuidadas, de ter tanta energia positiva, tanta solidariedade, tanta gente torcendo por nós, nunca vou conseguir na intensidade do que foi.
Fomos a um restaurante perto da praça de São Francisco jantar e comemorar e o dono nos trouxe sua melhor cerveja gelada para comemorar junto conosco. Quando saímos do restaurante, todos os presentes se levantaram e ficaram batendo palmas em pé enquanto passávamos! Até agora me emociono com essa lembrança. Ter participado dessa prova foi uma das maiores emoções da minha vida. Lembrar dela me traz um sentimento de gratidão muito grande por minhas filhas, que me treinam e me incentivaram, acreditaram que eu conseguiria e apostaram tudo em mim. Sinto gratidão pelo cuidado e carinho do Rodrigo durante todo o tempo. Sinto gratidão por aquele bombeiro que ficou a nosso lado, nos ajudando e torcendo com tanto carinho. Sinto gratidão por todos do Haka, que foram tão competentes e cuidadosos. Parabéns. Nós conseguimos porque não éramos apenas quatro, éramos uma imensa equipe!
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