Foram exatos 3 anos e 6 meses desde a última prova do Adventure Camp que eu corri. Era a última etapa de 2010, em outubro, na praia de Caraguatatuba. Foi uma das mais especiais até hoje porque corri com a minha querida amiga Lívia, que neste mês de abril faz um ano que nos deixou. Eu já tinha pensado em correr outras etapas no ano passado, mas desisti de todas. Não achei alguém que topasse a empreitada em duplas, não treinei muito. Enfim, fui deixando para lá.
Nesse ano, a ideia de correr ressurgiu e quem eu mais queria correr junto topou: meu noivo Hadi! Já corremos juntos uma etapa do Haka Race, em 2009, mas eu sempre quis correr um Adventure Camp com ele porque é uma prova emblemática no nosso relacionamento.
Eu o conheci na primeira etapa de 2008, em Pindamonhangaba, quando ainda era repórter do Webventure. Na segunda etapa, que aconteceu em São Paulo, de madrugada, embaixo de um temporal fenomenal (quem não se lembra??), ele disse que queria ficar comigo de verdade e dar um passo naquele relacionamento enrolado que estávamos. Eu dei mais uma enroladinha nele. Na terceira etapa, na Ilhabela, prova que aconteceu junto com o Ema Remake, nos reencontramos e repensamos aquela bagunça toda na qual havíamos nos enrolado e começamos a levar a sério o relacionamento. Na última etapa de 2008, em Paraty, estávamos juntos e felizes e resolvemos contar para todo mundo. Já me desfiz de muitas camisetas de provas que ganhei ao longo desses 6 ou 7 anos envolvida com a aventura, mas as 4 camisetas do Camp de 2008 estão guardadinhas, para sempre!
Enfim, havia esse desejo de corrermos juntos. Ele nunca havia topado porque o ritmo dele nada se assemelha com o meu e algo não daria certo: ou ele teria que ir muito devagar para me acompanhar ou eu iria quebrar com o ritmo dele. Porém, há 3 meses do nosso casamento, ele resolveu topar. E eu resolvi arriscar.
Fiquei bem apreensiva com as subidas que vi em Cunha. Esse era meu maior receio, porque não estava treinando mountain bike. Larguei tensa, com muita atenção nas saídas da cidade, subidas, descidas, mantendo o ritmo e sempre com o Hadi me empurrando. Fizemos os primeiros 9km de bike e eu já estava sem ar porque mantivemos um ritmo alto. Saímos para a primeira corrida, até o PC onde ele faria o rapel e eu faria a caverna com o PC Virtual. Eu preferia fazer o rapel, mas na hora essa foi a opção dele, e como eu respeito o capitão da equipe, disse “sim senhor” e desci a trilha para a cachoeira. Apenas duas coisas a dizer sobre esse PC. A primeira: a trilha era uma emboscada! Caí umas 4 vezes descendo e umas 3 vezes subindo, e vi muita gente caindo em situações dignas das Videocassetadas! A segunda coisa é que eu fiz gelo na perna – e no corpo inteiro – porque eu me senti mergulhando num lago no Polo Norte. Tromso deve ter uma temperatura bem perto da que eu senti na água daquela cachoeira.
Saímos do PC e voltamos correndo até o onde deixamos as bikes para pegar o barco e remar. Durante a canoagem, a única coisa que me lembro de ter ouvido o Hadi falar foi: "Come algo que você está debilitada". E eu realmente estava. Sentia meu corpo não responder aos estímulos que eu dava para remar, continuar fazendo força. E mesmo assim, buscamos 4 equipes que estavam na nossa frente nesse trecho. Quando deixamos o barco, havia mais uma corrida para pegar a bike e pedalar mais 11km até a chegada. Neste percurso da corrida, eu via as bikes passando no contra fluxo e fui contabilizando – ou achava que estava contabilizando – as duplas mistas que passavam e, nas minhas contas, estávamos em quarto ou quinto lugar. Porém, o Hadi, que estava assinando os PCs, foi fazendo as contas de acordo com as assinaturas e disse que, na verdade, estávamos em segundo, depois caímos para quarto e recuperamos para terceiro. Mas ele não me disse isso no percurso. Me disse depois, apenas.
Enquanto isso, eu dava o pódio como perdido. Eu já estava muito cansada, mas ele continuava me puxando no limite da capacidade, ou acima da capacidade. Acho que nunca fiz uma corrida tão forte para os meus parâmetros. Não imaginava que seria capaz disso.
Fomos para o último trecho de bike, o mais pesado, e eu fui subindo o morro rumo ao PC 7 segurando na mochila do Hadi enquanto ele levava as duas bikes por um trecho que não dava para pedalar. Olhava a paisagem ao nosso redor e simplesmente agradecia pela oportunidade de estar lá. Às vezes, a gente esquece o quanto somos abençoados em termos essas chances na vida. Chance de correr, de praticar um esporte bacana, de estar entre amigos, de conhecer lugares novos. Vamos para as provas com a cabeça competitiva e esquecemo-nos de pensar "contemplativamente". A corrida de aventura me deu coisas especialíssimas. Me deu meu noivo, me deu grandes amigos que levo para a vida toda. Me deu a chance de percorrer lugares do país que eu jamais iria por outro motivo. Me deu a chance de trabalhar com algo que eu sou completamente apaixonada. Me deu a chance de ajudar pessoas, de inspirar pessoas que antes eram sedentárias. Me fortaleceu tanto nas trilhas, na força física mesmo, quanto na vida, porque passamos perrengues no meio do caminho, com nossos parceiros de equipe, que são lições que levamos para o nosso dia a dia. Enfim, eu tinha e tenho MUITO a agradecer. E aproveitei aquele momento para isso. Embaixo de um sol escaldante, morrendo de calor, com o tênis perdido afundado no esterco de vaca... mas era o que eu tinha naquele momento, fazer o que?
E nessa corrida, pude perceber que meu parceiro de corrida era um baita parceiro de vida. Que me deu muita força, que me incentivou bastante, que carregou o peso quando ele era o mais forte, e que soube me forçar a dar mais de mim quando eu achava que já havia dado o suficiente mas ainda havia mais força a dar.
Subimos, subimos, subimos, e com a graça de Deus, uma hora começamos a descer! Na chegada, já dentro da cidade, havia uma subida horrorosa, e mais uma vez Hadi levou as bikes, empurrando, e eu presa na mochila dele fui na inércia. Eu fiz tanta força que eu quase desmaiei, de verdade. O sol já era do meio dia, o termômetro já marcava 35° na sombra, eu mal tinha bebido água no caminho e só conseguia dizer "vou apagar". O Hadi continuava a subir forte e falava para eu não largar da mochila dele, senão eu apagaria mesmo. Foram pouco mais de 300m assim até que eu subisse na bike de novo e pedalasse mais uns 300 ou 400m até a linha de chegada.
Cheguei sem esperanças de pódio, tentando recuperar o fôlego e a força para falar, porque nem isso eu conseguia na hora, e foi quando ele veio com a grata surpresa da terceira colocação nas duplas mistas.
No final, cheguei emocionada também. Lembrava da minha última corrida com a Livia, que me deu uma super força na nossa prova. Ela dizia o tempo todo "Vamos, Lili, vamos!", sempre de bom humor, sorrindo, dando o melhor de sí. Bateu saudade de toda a garra dela e uma vontade de comemorar com ela também aquele pódio. Tenho certeza que ela se orgulharia muito.
E no fim de tudo, com troféu na mão, foto no pódio, percurso e obstáculos vencidos, o que mais eu levo dessa corrida é que a gente é sempre capaz de mais. Me reconheci de forma diferente. Vi que eu sou capaz de mais, basta saber como extrair mais de mim mesma. Nossos limites são maleáveis. Para ir além é só querer.
Se existe a chance, há de se aproveitá-la com gratidão. Se eu não tivesse ficado entre os três primeiros colocados, estaria tão grata quanto estou hoje, porque eu fui lá, tentei, dei o meu melhor, corri com o companheiro da equipe que vou levar para a vida toda, conheci pessoas bacanas no percurso, dividi risadas com os amigos que encontrei no caminho. Vi pais e filhos correndo lado a lado, passando os ensinamentos a diante. Vi paisagens maravilhosas, contemplei as belezas que Deus nos manda sem que percebamos. E não abaixei a cabeça diante das dificuldades.
Essa é a maior lição da corrida de aventura: dificuldades existem de todas as formas, da mais amena até a mais agressiva. Se você vai ultrapassar essa dificuldade, com mapa na mão, corpo forte e inteligência, é você quem vai dizer, porque as armas você tem.
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