por: Débora Troyano
Quando a Alê me convidou para fazer dupla com ela no Haka Expedition 100km, minha primeira resposta foi "Você tá doida!". Ela é muito mais forte e experiente do que eu, que só participava das provas de 50km. Mesmo sendo inexperiente na orientação, era eu quem iria navegar, então a primeira coisa que pensei foi que aquilo era mesmo demais pra mim. Mas ela insistiu, disse que só queria mesmo participar e não se importava em correr no meu ritmo. Sabe aquela máxima: Se der medo, vai com medo mesmo? Aceitei e lá fomos nós, sem nenhuma pretensão, querendo só terminar a prova.
Meu medo era me perder muito, ter que rasgar mato à noite, ficar com muito sono, não aguentar. A Alê dizia que qualquer coisa a gente ia bem devagarinho. E de fato fomos e eu tentei abstrair aqueles fantasmas da minha cabeça. Pensei: quando eles chegarem, eu vejo o que faço.
Logo no início da prova, nos perdemos um pouquinho, indo para o PC2. Não achamos a estrada atrás do rapel, sabíamos pelo mapa mais ou menos onde estávamos, então azimutamos e fomos na direção certa, por outro caminho no meio do pasto e acabamos chegando no PC. Conseguir nos orientar naquele momento nos deu muita confiança. Mas estava muito quente e isso fez cair nosso ritmo. Eu não tentei me poupar, mas acho que a perspectiva de que ainda havia muito pela frente me fez ir mais devagar. Sabia que logo chegaria a canoagem e o calor passaria.
No rio, havia algumas corredeiras e acabamos atolando o caiaque. A gente quase virou, tivemos que sair do caiaque e por causa da correnteza quase o perdemos. A Alê conseguiu segurá-lo pelo bico e ficamos ali pensando como a gente ia fazer pra entrar de volta e continuar. Os pescadores ficavam olhando pra gente como uma cara estranha e apesar daquele perrengue todo, a gente só ria. Decidimos entrar no caiaque daquele jeito mesmo, nas nossas posições, mas viradas ao contrário! Deu certo.
Assim que conseguimos entrar numa área mais tranquila desviramos e conseguimos seguir em frente. Chegamos da canoagem no fim da tarde, já anoitecendo, com muito frio. Eu sabia que a perna de bike seria longa, à noite e nessa hora bateu um desânimo. Comemos, coloquei uma roupa seca – o que pra mim foi essencial - nos agasalhamos e seguimos.
O primeiro percurso de bike foi o mais difícil, eu já estava cansada e tinha muita subida. Já estava escuro e à noite eu não me sentia completamente à vontade. Foi a parte mais difícil da prova pra mim. A gente até tinha parado de falar...(risos). Percebi que o cansaço vinha cada vez mais rápido, então pedia pra Alê pra gente parar e descansar um pouco, comer alguma coisa para levantar o astral. Demos várias paradinhas e isso me ajudou muito.
Quase chegando em Morungaba, cruzamos com uma equipe que já estava voltando. Ver gente no caminho é muito bom! Eles avisaram que estava chegando, pra tomar cuidado com a descida! Ahhhh, descida, graças a Deus!- pensei. A proximidade de um PC é sempre animadora! Chegamos no PC5 e lá o cansaço bateu forte. Talvez porque eu sabia que vinha a perna mais longa de trekking e isso seria feito de madrugada. Fizemos uma transição mais longa. Comemos uma comida quente, tomamos uns energéticos, um chocolate. Avisaram que o trekking estava difícil. Um amigo havia feito em três horas, então nossa previsão era bem mais. Precisávamos pegar um PC virtual e ele disse que precisou rasgar para encontra-lo. Deu a dica pra gente bater o azimute logo após passar as toras de madeira.
Muito embora eu tivesse comido bem e me agasalhado, saí para o trekking num total desânimo. Tinha certeza que a gente ia se perder, ali, de madrugada. Estávamos bem atrás e não havia perspectiva de encontrar alguma equipe que pudesse nos fazer companhia. O meu maior medo estava ali, batendo na porta. Era hora de encará-lo.
Rumo ao PC7, o virtual, entramos em um caminho feito por tratores que estavam recolhendo madeira de reflora. Dava pra ouvir o barulho deles trabalhando e então, passando as toras, fiz o que o nosso amigo disse e cortei por cima dos restos dos eucaliptos cortados. O terreno era ruim e eu já não tinha certeza se queria mesmo ir por ali. Estávamos com as lanternas ligadas, perto de um dos tratores. Parecia que ele estava incomodado com a gente ali e eu até comentei com a Alê que a gente estava atrapalhando o trabalho dele. E não é que saiu um rapaz do trator e gritou de lá se a gente queria alguma informação? Eu saí correndo: Sim!!!!!
Fomos lá e perguntamos onde eram as torres de transmissão (onde estava o PC7). Mostrei o mapa, apontei onde a gente queria ir. Ele disse pra gente seguir a estrada, acabou confirmando o caminho que havíamos traçado. Sempre me falaram para não acreditar completamente nas informações do pessoal local, mas o fato é que eu também tinha que acreditar no que eu tinha traçado, né. Agradecemos muito o rapaz e seguimos. Eu dizia pra Alê: Se aquela torre estiver lá, eu vou ficar muito feliz!
A animação já era outra. Chegando perto, a gente não tinha certeza se aquela sombra era a torre ou só uma árvore e ficamos torcendo. A torre estava lá, com a bandeira verde e o picote do 7! Foi o melhor momento da prova! Até começamos a andar mais rápido. Aquilo nos deu muita confiança e pela primeira vez me vi terminando a prova. Sabia que ainda faltava muito, mas entendi naquela hora a diferença que o psicológico faz e o quanto ele precisa estar bem pra gente continuar.
Chegamos de volta no PC8 muito felizes, com a maior energia. Acordamos todo mundo. Até tinha pensado em descansar um pouco antes de pegar a bike, mas quando cheguei, disse que queria ficar ali só 20 minutos, que ia comer e "vazar". Até a volta da bike foi mais fácil, não tinha tanta subida como na ida e o fato de estar amanhecendo ajudou.
Quando chegamos no PC9, os staffs comemoraram. Ficaram felizes de ver "as meninas". Aliás, todos eles torceram pela gente a prova inteira, a cada PC o staff que estava lá nos parabenizava, dava força, uma palavra de motivação! Isso também fazia a diferença. Você vê que o apoio das pessoas é muito importante. Só de escutar "você consegue" já ajuda muito!
Dali pra chegada foi um pulo. Eu só pensava: Meu Deus, não acredito que vou conseguir completar essa prova! Ao mesmo tempo que eu não queria "cantar vitória" antes do tempo. Aliás, minha bike podia quebrar, por exemplo, e acabar com a minha festa.
A verdade é que eu mesma não sabia de onde tinha tirado tanta força. Quando chegamos, eu me emocionei. A gente realmente não sabe do que é capaz. Quando achamos que estamos no nosso limite, sempre tem um pouquinho mais pra dar. Essa prova foi uma grande vitória pra mim. Não há recompensa maior do que vencer os medos, superar os limites, ver que você é mais forte do que pensa e que sempre existirão pessoas que irão te acompanhar, te apoiar e torcer por você.
Débora Troyano
Kbeça & Kdera Aventura
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