A preparação da nossa equipe começou cedo para o Raid Terra 2004, afinal de contas seria a nossa maior prova, pouco comparada com a as duas de 100 Km que havíamos feito anteriormente. Em razão disso, nosso objetivo era o mais modesto, ou seja, terminar a prova. Os preparativos se iniciaram faltando 45 dias para o grande dia. Nesse tempo conseguimos nos organizar bastante, ficando cada um encarregado de alguma coisa. Também percebemos que quando se prepara com bastante antecedência fica mais fácil de conseguir um patrocínio. Primeiro foi o apoio da Elite Bike de Campinas que com certeza nos foi muito útil, afinal a bicicleta é um dos equipamentos mais caros, tanto para adquirir quanto sua manutenção. Depois, para alegria geral, as empresas INA, LUK e FAG, resolveram nos patrocinar integralmente. E para finalizar, ainda tivemos o apoio da Roupas BY.
Para esta prova treinamos bastante, nos reunimos para tentar prever o que poderia acontecer na prova e para traçar um estratégia, além de eu ter feito outro curso de navegação , pois a informação que eu tinha era que o Raid Terra tem como característica exigir bastante na parte de orientação. A única coisa que acabamos não conseguindo foi fazer um curso de canoagem com ducks, porém achávamos que não deveria ser tão difícil (até parcece!!). Resumindo, foi mais de um mês onde só falávamos na corrida.
Finalmente no dia 18 de março saímos de São Paulo e fomos para a cidade de São Carlos onde seria dada a largada. A partir daí já começamos a perceber que nem tudo antes previsto é fácil colocar em prática. Chegamos na fazenda onde seria dada a largada por volta das 15:30 horas como o previsto. Queríamos fazer a checagem de materiais rapidamente, comer alguma coisa na cidade e descansar um pouco antes de voltarmos para a fazenda pegar os mapas às 21:00 horas.
Mas a checagem atrasou, fomos comer alguma coisa no shopping da cidade enquanto a Carol foi para um hotel dormir um pouco. Nós (eu, o Thiago e o Edgard) saímos do shopping já eram 20:00 horas então resolvemos voltar para a fazenda.
Chegamos, começamos a fazer os acertos finais e quando percebemos já estava na hora de tirar a foto para colocarem no site e logo em seguida retirar os mapas do percurso. Porém tivemos que esperar a Carol, só conseguindo ter acesso aos mapas às 21:40.
A partir desse momento o nervosismo já começa a aflorar, ainda mais quando são três folhas de mapa e ainda faltavam duas partes que seriam entregues durante a prova.
Decidimos o melhor caminho a ser seguido, deixamos o apoio encarregado de encapá-los e voltamos para os carros verificar se faltava alguma coisa.
Tudo pronto, fomos para o local da largada. Eu olhava para o lado e só via equipe experiente, que eu já tinha visto na televisão, com os melhores equipamentos. Nessa hora cheguei a pensar: “que diabos eu estou fazendo aqui” e “acho que entrei numa fria”. Mas não deu tempo de pensar muito mais coisa e a largada foi dada, às 00:00 horas do dia 18, com metade seguindo por um lado e metade por outro, de trekking.
Optamos por seguir um caminho mais difícil, mas bem mais curto. E essa foi a opção das melhores equipes que, em poucos minutos já se distanciavam de nós. Seguimos sem erros até o PC1. Mal começamos a seguir em direção ao PC2 e percebi que estávamos indo para o lado errado. Voltamos um bom pedaço e desta vez íamos na direção correta, porém não havia estrada, rua, caminho, ou trilha. Tivemos que nos orientar simplesmente com a bússola e uma cerca de referência. Nessa parte houve uma grande confusão pois ninguém sabia para onde ir. Resolvemos seguir a bússola e entrar no meio do mato fechado. Lá estavam a Atenah, que logo desistiu de tentar por ali, e o pessoal da Oskalunga que até nos incentivou a ir com eles, mas não sei como eles iam extremamente rápidos naquele rasga mato e em poucos minutos já haviam sumido. Aí bateu aquela insegurança e resolvemos voltar. Porém quando saímos da mata estávamos numa estrada de terra que ainda não tínhamos passado e por nossa sorte uma equipe estava passando por ali e nos indicou onde estávamos. Por sorte íamos na direção correta. Passamos pelo PC2 Virtual e seguimos em direção ao PC3 sem grandes problemas. Para falar a verdade nossos problemas começaram no PC3/AT1, onde começamos a descer o rio Jacaré-Guaçu. No começo era tudo brincadeira, mas como pegávamos todos, sem exceção, todos os galhos com espinhos e troncos, começamos a perceber a falta que um curso de canoagem nos fez. Eu e o Edgard conseguimos virar o duck umas quatro vezes. Ainda tivemos que fazer uma portagem no PC3B e depois enfrentar uma corredeira. No final do trajeto de rio, depois de, literalmente, levarmos na cabeça, acabamos aprendendo algumas noções básicas e até que não fomos um total desastre. Na parte da represa, pouco antes do PC, nem giramos!! (viram quanta evolução!!)
Chegamos no PC4/AT2 e saímos com as bikes em direção ao PC5 Virtual. Nesse trajeto cometi um erro crasso de navegação e demoramos uma eternidade para achar o PC Virtual, o que acabou contribuído para levarmos nosso primeiro corte. Não conseguimos chegar antes das 21:00 horas no PC6, na cidade de Ribeirão Bonito, então deveríamos seguir direto para o PC8. Como o Thiago estava precisando dormir aproveitamos uma espécie de quiosque que havia lá mesmo e dormimos por 2 horas. Nesse momento que comecei achar que talvez não conseguíssemos terminar a prova. Primeiro porque achava que ainda era cedo para se dormir, depois porque o Edgard estava sentindo fortes dores no pé direito devido a uma inflamação por excesso de treinamento e conseguiu dormir apenas 1 hora.
Saímos em direção ao PC8 que se encontrava na cidade de Trabiju, seguindo por uma estrada que seguia paralela a uma estrada de ferro abandonada. Chegamos na antiga estação de trens e eu já apresentava alguns sinais de cansaço, mas como não queríamos pegar outro corte seguimos direto para o PC9/AT3. Essa foi a pior parte da corrida para mim. Estava com tanto sono que comecei a conversar com a luz do farol da minha bike, não conseguia entender o que diziam para mim e balbuciava alguns sons para minha equipe e ainda exigia resposta. Com isso nosso ritmo diminuiu bastante e chegar antes das 05:00 horas no PC9 se tornou impossível. Naquela altura ainda precisávamos passar pela cidade de Dourado e segui por um bom pedaço até o PC9.
Então o primeiro estress aconteceu. Estávamos muito perto da cidade de Dourado, então resolvi dormir 30 minutos, porém a Carol não queria pois achava que se fosse para descansar devíamos fazer isso na cidade enquanto eu achava perigoso pois estávamos com as bikes e dificilmente alguém ficaria acordado tomando conta. Para falar a verdade não foi bem um estress que rolou pois consegui somente argumentar umas duas vezes e dei boa noite para a Carol, capotando logo em seguida, por meia hora.
Acordamos, seguimos para Dourado. Quando chegamos lá já era 06:00 horas, ou seja, havíamos pegado o corte do PC9/AT3. Pegamos o raid book e lá dizia para pular o PC9 e 10 e continuar direto até o PC12. Poi foi o que fizemos chegando no PC12 por volta das 07:00 horas, porém qual não foi nossa surpresa e decepção ao saber que deveríamos voltar para o PC9, pois o Raid book estava errado e era lá que pegaríamos o resto do mapa além de encontrar com nosso apoio. Nesse momento o desânimo era geral. Até pedimos para o pessoal do PC tentar falar com algum organizador para ver o que poderia ser feito mas o rádio não funcionava. Até que as equipes Selva e Caliandra nos incentivaram a voltar até o PC9. Então, decidimos continuar, pegamos as bikes e fomos por um atalho bem difícil, passando por pastos e cruzando dois rios com as magrelas nas costa. Finalmente chegamos no PC9/AT3, recebemos o resto do mapa onde fomos informados que deveríamos seguir com as bikes direto para o PC19 e fomos encontrar com nosso apoio para nos reabastecer, descansar um pouco e plotar os mapas que havíamos recebido. Mais uma vez nossa inexperiência acabou fazendo com que perdêssemos muito tempo nessa transição. Ficamos cerca de 3 horas até partir em direção ao PC19 que se estava na cidade de Brotas.
Chegamos nesse PC sem problemas, inclusive cruzando com a Rosa dos Ventos e a Selva pelo caminho. Infelizmente, com o corte acabamos fazendo o trajeto que seria de trekking, em cima das bicicletas, mas tudo bem.
Neste PC existia uma parada obrigatória de uma hora. A nossa equipe optou por ir até uma lanchonete e comer uns belos sanduíches. Depois do lanche, eu aproveitei pára dar uma olhada no mapa, enquanto o resto da equipe foi dar uma descansada.
No PC19 também era uma área de transição pois os atletas que estavam fazendo a corrida sem o corte do PC9, pegariam as bikes. Mas como agente já chegou lá de bicicleta, tomamos um baita susto quando estávamos saindo e encontramos com nosso apoio.
Também foi neste PC que recebemos a notícia que a organização havia cortado o trajeto de trekking e natação. Com isso, o trecho de remo aumentou para aproximadamente 40Km. Aproveitamos para nos reabastecer mandamos o apoio embora e seguimos para o PC21/AT, onde pegaríamos os ducks novamente, não sem antes passar pelo PC20 Virtual. Foi nesse trajeto que a nossa equipe acertou bem com a navegação. Apesar de ser fácil, conseguimos dividir as tarefas para sempre estarmos bem orientados. Enquanto eu checava a orientação, e as curvas de níveis, o resto da equipe me informava distância que eu havia medido no mapa.
Chegamos na transição para os ducks já à noite. Nesse momento o nosso eficiente apoio nos ofereceu nada mais nada menos do que arroz, feijão, farofa e um bife. Parecia tão irreal que o Thiago não acreditou e ainda zombou quando lhe ofereceram: “não tem batata frita não??”. Depois, quando viu todo mundo quieto e com um marmitex na mão saiu correndo para pegar o seu.
Sabíamos que essa etapa seria dura e difícil, primeiro porque não sabíamos (e ainda não sabemos) remar corretamente, segundo porque estava de noite, o que torna tudo mais monótono, e terceiro porque estava frio e apenas possuíamos roupas para água da cintura para cima, fora a Carol que estava com traje completo.
Nem por isso nosso humor foi embora. Havíamos comprado vários lights sticks na 25 de março em forma de pulseira. Pois acendemos todos e espalhamos por nossas mochilas e capacetes, parecendo bastante com Ets.
Entramos no rio e decidi dormir um pouco. Foi uma das piores coisas que eu podia ter feito. Depois de uma hora de sono acordei com dor pelo corpo todo e tremendo muito de frio, quase que incontrolável. Peguei o cobertor de emergência, enrolei minhas pernas, que eram o motivo da minha tremedeira e comecei a remar até que o frio se estabilizou, não em um grau muito agradável, mas pelo menos estava melhor. No outro bote, o Edgard sentia muitas dores no pé, até para nossa felicidade chegamos por volta das 4:00 horas no PC22, que tinha uma fogueira acesa. Paramos e ficamos nos aquecendo por meia hora, menos a Carol que permaneceu no duck pois não estava nem um pouco com frio.
Restabelecidos, seguimos sem paradas até o PC26/AT. Como íamos muito devagar, o Thiago começou a ficar desesperado para saber onde estava. Ele perguntava para todo o pescador que passava se ainda faltava muito para a ponte, mas sempre sem parar. Foi aí que tivemos o segundo stress. O Thiago resolveu parar para pegar mais referências com um pescador. A Carol começou a argumentar que não era preciso ficar parado e perder tempo pois chegaríamos de qualquer jeito na ponte (verdade), enquanto o Thiago insistia que precisava saber exatamente onde estávamos pois estava ficando louco (verdade). Então quando ela falou que não precisávamos de mapa, ele começou: “ Ah é?! Então vamos jogar essa porcaria (mapa) na água e seguir sem rum. Pra quê isso aqui né (mapa)?!!? Ele só nos atrapalha!!” No outro duck, eu e o Edgard ríamos copiosamente daquela cena cômica que presenciávamos.
Passado o stress seguimos em bom ritmo até o PC26/AT. Só para se ter um idéia do nosso “bom” ritmo, ainda fomo ultrapassados pela equipe Brisa com um remo quebrado.
Finalmente, após 9 horas descendo o rio, chegamos na última área de transição, pegamos as bicicletas e seguimos, debaixo de sol forte, em direção ao final da competição.
Cruzamos a linha de chegada por volto do meio dia, ou seja depois de 60 horas!!.
Depois ainda fomos bonificados com 4:00 horas a menos em nosso tempo devido ao erro de digitação do Raid Book, terminando na 13.ª posição, cumprindo com nosso objetivo que era terminar a prova, mesmo se ter experiência em corridas longas.
Mas o mais importante, terminamos unidos, pois descobrimos que em corridas como essa, tão importante quanto resistência física existe o fator psicológico, além é claro da estratégia.
Conseguimos adquirir experiência, observar nossos erros e acertos para, numa próxima oportunidade, melhorarmos nosso desempenho.
Mais uma vez agradecemos aos nossos patrocinadores INA / LUK / FAG, pois sem eles dificilmente teríamos participado desta prova, além dos apoios da Elite Bike e da Roupas BY.
Não podemos esquecer é claro dos nossos apoios, que mostraram eficiência, sempre estando no lugar certo com tudo pronto para nós. Obrigado e parabéns para Suzana, Débora, Brunos, Vicente e para o meu amor, Juliana.
Queria aproveitar a oportunidade de um relato tão longo e agradecer a todos que nos incentivaram a fazer essa corrida. Valeu Jorge (Espírito Livre), Togumi, Sonia e Dany (BY), Beto (100stress).
Té mais galera!!
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Equipe Lagarto Negro
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