Agouti, 6:00 da manhã - Em um pequeno vilarejo nas montanhas Atlas do Marrocos, dava-se início a primeira etapa do X-Adventure Raid Series. As melhores equipes de aventura do mundo, entre elas SPIE, Nokia, Salomon Suisse, SAAB Salomon… estavam alinhadas e prontas para mais uma acirrada batalha pelo grande título de campeã.
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Tudo parecia certo. Depois de um 2003 muito difícil, sem patrocínios, tendo que pagar nossas últimas viagens e provas e quase desistir de competir por falta de recursos, vimos nossos esforços recompensados. Nossa equipe – Clight Salomon Atenah - estava ali, alinhada entre os melhores do mundo, pronta para largar. Tudo certo…..tudo?! Talvez nem tudo estivesse certo. Voltando no tempo….
Casablanca, 6 de maio, 23:30 hrs – Depois de uma tumultuada partida do Brasil, fizemos uma escala na Holanda e seguimos para Casablanca, onde chegamos tarde da noite. Ao desembarcar, uma grande e “agradável” surpresa para qualquer atleta de aventura: uma de nossas caixas com todos os equipamentos não havia chegado. Começou mais uma aventura… depois de toda burocracia de aeroporto, explicar para a polícia marroquina o que havia nas caixas, etc e tal, pegamos dois taxis e seguimos para nosso hotel, Le Casablanca, centro da cidade.
6a feira – véspera da prova. Na manhã seguinte tentamos de todas as maneiras localizar nossa caixa, mas não tivemos êxito. O tempo passava e ainda havia uma longa viagem, de supostas 4 horas (que depois descobrimos que eram 7 horas), até o local da checagem de equipamentos, entrega de mapas e briefing, que iniciou-se às 19:00 hrs. Chegamos a tempo de ouvir as últimas instruções e receber nosso set de mapas. Conseguimos todos os equipamentos que nos faltavam emprestados. Depois de cinco anos competindo fora do país, conquistamos grandes amigos e muitas equipes nos ajudaram ao ver nossa aflição e desepero para conseguir os equipamentos. O André, coitado, dono da caixa desaparecida, teve que se esforçar para entrar em nossas roupas.
Passados sufoco e correria pré prova, pegamos canoas, remos e coletes salva-vidas, preenchemos fichas de inscrição e seguimos para nossa casa local, onde finalmente organizamos nossos equipamentos e comidas. Fomos muito bem recebidos por nosso anfitrião, que se esforçava para entender nossas mímicas. Nas montanhas do Marrocos as pessoas falam o idioma bárbaro e poucos entendem o francês. Tiramos todas as caixas do carro com a ajuda de nosso motorista, Abdeslame, começamos a trabalhar e epa!… Mais uma surpresa. Ao abrir sua caixa de bike, a Shubi percebeu que a roda traseira da bike possuia dois raios quebrados. Como a Mati não faria a prova (três semanas antes da prova ela quebrou a clavícula ao ser atropelada de bicicleta em SP) e só seria nosso apoio, pegamos a roda de sua bike emprestada e solucionamos mais este problema.
Mapas - Enquanto os outros arrumavam nossos equipamentos, mergulhei de cabeça nos mapas e, para minha tristeza e de qualquer navegador, me dei conta de que estes eram de má qualidade, preto e branco, sem muitas atualizações e muita imprecisão, sem coordenadas, 1:100.000. Tudo o que eu não queria para uma prova que já estava começando de forma atrapalhada e nos testaria a cada instante. Tive tempo de analisar mapas e gráficos, descobrir que começaríamos a prova com um trecho de montanha, o mais alto da prova, num trekking de 21km, seguido por um canionismo de 11km até chegar a um vale onde encontraríamos as nossas bikes. Como já tinha previsto antes, fomos dormir tarde, por volta das 00:30 hrs para acordar às 04:30 hrs.
08/05, 06:00 hrs – Depois das últimas instruções, últimos momentos de tranquilidade, última foto…5,4,3,2,1. Foi dada a largada. Corremos muito tentando acompanhar todas as equipes ao longo de uma estrada de terrra que, passados 500 metros, transformou-se em uma pequena trilha por um vale em direção às grandes montanhas, cujos picos, apesar da primavera, estavam cobertos de neve. Esta primeira seção nos fez perceber o alto nivel das equipes presentes na prova logo no inicio dos 2000 metros da ascensão. Praticamente todas as equipes largaram com sua formação máxima, três homens, o que dificultou ainda mais nosso desejo de nos manter juntos. Mesmo com todo nosso esforço, não teve como evitar o que já se mostrou inevitável. Apenas alguns quilometros após a largada já sentimos o peso e a falta de ar, a 3000 metros acima do nivel do mar, e foi impossivel acompanhar todos aqueles homens, que aos poucos foram desaparecendo ao longo daquela interminável e pequena trilha, entre aquelas gigantescas montanhas brancas.
Neste ponto da prova não tinha como nos sentir 100% e uma forte dor no peito atormentava a Shubi a cada inspiração. Não teve como andar mais rápido e fizemos o máximo para chegar ao primeiro topo, 3 minutos atrás da penúltima equipe, composta por três italianos. O pior ainda estava por vir… O pesadelo daquela subida me fez cometer o erro mais estúpido e infantil dos últimos tempos. A trilha seguia descendo até um vale, no meio do nada, quando então deveríamos subir em direção à segunda grande montanha. Neste momento começamos a correr morro abaixo, o que foi um grande alívio para nossos pulmões e principalmente para nossas pernas surradas depois de tamanha subida. Um grande alívio, até eu me dar conta de que eu tinha conduzido a equipe pela direção errada, descendo o rio ao invés de subi-lo (os mapas realmente tinham uma péssima qualidade e eu me esqueci de verificá-los melhor, creio que tinha na cabeça o desejo implícito de descer e não subir outra grande montanha, desta vez 3200m). Foram de 3 a 4 km de erro que nos custou 3 horas perdidas no total, porém nos proporcionou um dos momentos mais engraçados de nossa aventura nas montanhas do Marrocos.
Ao me dar conta do nosso erro tentei me comunicar com uma senhora, única habitante de uma pequena “caverna”, e que foi uma experiência e tanto. A senhora não entendia nada o que eu falava e eu então me confundia cada vez mais a cada palavra que ela soltava por seus lábios enrugados, “tacnabata moruska” (ou algo parecido com isto). Desta vez nem mímica me salvou. Era impossível qualquer tipo de comunicação. Passadas muitas tentativas, a única coisa que consegui compreender foi o belo sorriso que aquela senhora soltou ao abanar seus braços num gesto de adeus.
Voltei para junto da Shubi e do André e seguimos de volta pelo mesmo vale até encontrar um outro habitante solitário, que nos indicou uma trilha que chegaria ao topo da nossa montanha. Subimos por um vale enorme e atravessamos rios até chegar ao colo da montanha Tabout, a 3200m de altitude. Nesse momento ultrapassamos os italianos que, por incrível que pareça, estavam ainda mais cansados do que nós.
Terminamos os primeiros 21 km de trekking e iniciamos uma seção de canionismo e cordas, de 11km, descendo um pequeno rio, passando por cavernas, cachoeiras, rapel e tirolesa em um lugar incrível e de deslumbrante beleza. Mesmo sabendo que tínhamos perdido todas as chances de colocação, não permitimos que o desânimo nos vencesse e prosseguimos a prova, mesmo sabendo que estávamos prestes a perder a próxima seção. A beleza da prova compensava todo e qualquer esforço e pudemos conferir de perto todas as belezas do país e seu povo.
Chegamos na primeira área de transição e a primeira pessoa que vimos foi o diretor da prova, Sylvain. Seu conselho foi de pularmos as duas seções seguintes e seguirmos direto para a última do dia, 64km de mountain bike, pois o acesso era muito difícil e poderíamos perder as seções seguintes por atraso. Entramos no carro e começamos nossa longa e sim, desgastante viagem até a área de transição 3, começo da última bike. Acreditem: nossa viagem até lá durou 4:30 hrs. O acesso era muito difícil, uma estrada de mão única, onde somente veículos tracionados podiam passar. A noite já caía e a única luz que tínhamos era a da lua no céu, iluminando a neve no topo das montanhas que subíamos. A viagem quase nos matou de tédio e nosso motorista não ajudou. Dirigia de tal maneira que não podíamos nos manter nos bancos, o carro balançava tanto….
Por volta das 22:00 hrs chegamos finalmente, desta vez de carro, ao topo de mais uma montanha, início da última seção do dia: 1000m de uphill por estradas de gelo, para em seguida fazer um interminável downhill de 1200m, e que à noite, com todo o frio que já tomava conta de nossos corpos e mentes, parecia ainda mais assustador. Depois de analisar nossas reais condições, o tempo que levaríamos e o desgaste, percebemos que o melhor seria nos dirigir direto para o camping (onde passamos a noite) para tentar ter uma boa noite de sono e energia suficiente para no dia seguinte dar o nosso máximo, deixando para trás a má sorte que nos atormentou durante todo o dia de sábado.
Domingo, 04:30 hrs – Hora de levantar e seguir para uma seção de trekking e cordas, 750 m de ascensão e um lindo rapel de 120 m, o que fazia aquele vale ainda mais bonito. Foi uma escalada e tanto. Na descida de volta à transição corremos como loucos para chegar a tempo de sairmos para a seção de canoa, descendo corredeiras de nível III/ IV ao longo de 10 km. Esforço este que não foi recompensado. Ao chegar à transição fomos informados de que a seção havia sido cancelada, devido ao alto nível da água e muitos galhos ao longo do rio (depois da morte ocorrida no Quirguistão no ano passado, os franceses ficaram mais cuidadosos em relação às águas brancas e resolveram cancelar o trecho por medidas de segurança).
Nossa decepção foi imensa. Nos restava porém, mais um trekking e uma última seção de canoagem em um represa, para então cruzarmos a tão esperada linha de chegada. Ao chegar junto ao carro, mais uma surpresa…. Acreditem ou não, nosso carro nos deixou na mão. Sim, quebrou. O Abslame não conseguiu dar a partida e nós tivemos que esperar que a organização providenciasse um outro veículo para nos levar à penúltima área de transição, o que levou certo tempo e nos impediu de fazer mais uma seção de trekking. Mesmo com todos nossos esforços chegamos ao AT cinco minutos atrasados e não pudemos sair. Nos conformamos com toda nossa falta de sorte e seguimos para a barragem, onde sairíamos para a última etapa da prova, 8 km de canoagem, curtos, porém com dois agravantes…1- o vento estava soprando contra, tornando-se um inimigo ainda maior para nossos braços e, 2- percebemos, minutos antes da partida, que nossa canoa estava furada. Não tivemos escolha. Não havia outra canoa para substituí-la, muito menos kit reparo, nada. Colocamos a canoa na água e saimos dispostos a encarar mais um desafio que esta prova nos trazia.
Remamos com tanta garra e força que as outras equipes não acreditaram quando foram ultrapadas por nossa canoa furada. Eu tive que intercalar remadas com bombadas de ar para conseguir manter a canoa cheia o suficiente para chegarmos até o fim, sem perder a velocidade. Como canta a nossa Rita Lee, “nessa canoa furada, remando contra a maré (vento neste caso)…não quero luxo, nem lixo, quero chegar no final…” E foi ao final da tarde de domingo que nós, Shubi, André e eu, cruzamos a linha de chegada aos aplausos de todos os locais, competidores e organização. Para nossa tristeza chegamos na última colocação, mesmo depois de uma excepcional etapa de canoagem, cujo nosso tempo foi apenas 5 minutos acima da equipe mais rápida. Isso nos permitiu o gostinho de terminar uma seção em 11° lugar e nos fez acreditar e confiar em nosso potêncial.
Sim, foi uma prova difícil, cheia de desastres, má sorte, erros e etc…Levando em conta aspectos profissionais, foi ruim. Não, não foi um desperdício, mas sim uma prova rica, maravilhosa e cheia de obstáculos que nos proporcionaram momentos inesquecíveis e deslumbrantes ao longo das montanhas do Marrocos. Experiências locais, com seres humanos e culturas totalmente diferentes, mas que nos ensinaram que apesar de todos os problemas e qualquer desastre, o simples fato de estarmos ali e podermos compartilhar tantos aprendizados já nos fez vencedores.
Vencedores por estarmos ali, vencedores por encararmos todos os desafios sem desânimo…vencedores por representarmos nosso país e nossos patrocinadores de maneira tão alegre e bela. Obrigada a todos os nossos patrocinadores: Clight, Salomon, Fiat, Evoke, Suunto, Kona, Powerbar, Kailash por todo apoio e incentivo. Obrigada a vocês que fizeram possível mais esta aventura e pelos quais demos toda nossa energia, garra e detreminação. Obrigada a vocês que nos fizeram vencedores de mais um estágio desta nossa grande corrida de aventura, chamada vida.
Estaremos juntos de novo em uma semana na próxima aventura na Croácia, quando representaremos nosso Brasil em mais uma prova: Terra Incógnita, de 25 a 30 de maio. Até lá e muita energia para todos vocês….
Clight Salomon Atenah
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