Atletas ficam sem dormir em laboratório para saber como a privação do sono influencia o seu rendimento

Por Wladimir Togumi - 19 Ago 2004 - 09h36

Quem já participou de provas com duração de vários dias já sentiu na pele a dificuldade de se manter acordado depois de um certo período de atividade física e foi obrigado a parar para dormir no meio do caminho. Depois de um pequeno cochilo a equipe acorda e continua a seguir o rumo indicado pela bússola. Mas será que o pouco tempo parado foi suficiente?


Os longos períodos na esteira exigiram muita determinação


Ricardo Tamaoki, Rosângela Hoepnner e Eduardo Razuk iniciaram o simulado na noite de sexta feira


O cuidado com os pés foi o mesmo realizado durante as corridas


Amanhece no laboratório do Instituto do sono.


Xuxa, com muito sono, pedala na segunda noite de simulado


Esteira para cadeirantes foi utilizada para que a equipe andasse junta


Todos os participantes tiveram que fazer o exame de polissonografia após o simulado


Amaury e Renato comemoram o término do desafio


Ciclo ergômetro de braço foi utilizado como simulador de remo


Dra. Hanna Karen passa instruções para os atletas


Comemoração no final do simulado

Muitos atletas já estão treinando com o objetivo de completar o Ecomotion Pro e querem melhorar o seu rendimento durante a corrida. Dentre esses atletas, sete resolveram enfrentar um desafio diferente e trocaram o contato com a natureza por um laboratório fechado com vista para o bairro paulistano da Vila Mariana, o vento no rosto pelo ar condicionado da sala e as águas cristalinas da Pratinha por uma pequena piscina. Objetivo: saber como a privação de sono influencia o rendimento físico dos atletas.

Os trekkings foram realizados em esteiras, as etapas de mountain bike foram feitas nas próprias bicicletas dos atletas, encaixadas em aparelhos computadorizados e a canoagem foi feita nos ciclo-ergômetros de braço. À primeira vista isso tudo pode parecer muito cômodo e muito fácil de ser feito, mas imagine ficar 28 horas caminhando em uma esteira, olhando para longe e indo para lugar algum!!

A simulação aconteceu em um dos laboratórios do Instituto do Sono, com profissionais do CEPE, sob coordenação do professor da disciplina de Medicina e Biologia do Sono da Unifesp, Marco Túlio de Mello, e foram investigadas as alterações fisiológicas, bioquímicas, cognitivas e nutricionais desses indivíduos.

De acordo com Hanna Karen Antunes, pesquisadora do Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício (CEPE) da Unifesp, o desgaste físico da simulação é semelhante ao das principais competições atuais de corrida de aventura. Junto com ela, a nutricionista Ioná Zalcman fez um acompanhamento da alimentação dos atletas durante a “corrida”.

O laboratório utilizado na simulação ocupa um andar inteiro e é uma academia completa, equipada com o que existe de mais moderno em aparelhos para atividades físicas. O local também possui uma piscina e uma esteira para cadeirantes, que acabou sendo utilizada pelos atletas de uma das equipes para simular um trekking juntos.

Alguns estudos demonstram que o exercício físico pode, de certa forma, proteger o organismo de alterações bioquímicas e psicológicas em indivíduos privados de sono. Para desvendar os mecanismos ligados a essa proteção e ao tipo de condicionamento físico das pessoas, outros dois grupos participaram da pesquisa e cada um deles acompanhava uma equipe diferente. Entretanto, nenhum deles praticou qualquer atividade física. Apenas foram privados de sono e puderam dormir somente quando a equipe que eles estavam acompanhando fossem dormir. Essas pessoas foram chamadas de ‘controle’.

Antes dos inícios das atividades todos os participantes realizaram exames de sangue, teste de força e a medição da composição corporal, além de outros exames e realizaram um teste de polissonografia em repouso. Durante todo o simulado, quatro vezes ao dia, foi feita a coleta de saliva dos participantes para medir o nível de stress.
A primeira equipe, formada por Renato Tumang, Henri Kubota, Alexandre Prieto e Amaury Souza, iniciou as atividades na noite de quinta feira e um dia depois foi a vez de Ricardo `Xuxa` Tamaoki, Rosângela Hoeppner e Eduardo Razuk começar o mesmo simulado.

O grupo de controle era formado por Tatiana Onaga, Sérgio Garcia Stella, Hélio Corrêa, Patricia Rebelo, Ricardo Roitburd e os integrantes da equipe Salomon Mitsubishi QuasarLontra, Vinicius Mori, Rafael Campos, Marina Verdini e Fabrizio Giovanini, sendo que os três últimos estavam enfrentando uma segunda maratona contra o sono já que na semana anterior estiveram participando do AR World Championship, no Canadá, que completaram em pouco menos de cinco dias.

O percurso simulado foi o mesmo do Ecomotion Pro 2003, com as mesmas modalidades e transições da corrida real e os atletas poderiam parar para dormir quando quisessem, mas para alguns atletas o objetivo era atingir o limite pessoal.

Henri, que quinze dias antes sofreu uma queda de bicicleta onde chegou a desmaiar com o impacto e ficou esse tempo sem treinar, acabou parando no primeiro dia. Além do acidente, o atleta chegou para o simulado com uma pequena inflamação na garganta. Com o ar condicionado, que chegou a 12 graus, a garganta dele praticamente ‘fechou’ por causa da faringite e mal dava pra engolir saliva, dificultando também a alimentação e a hidratação.

“Numa parada durante o trekking, pedi pra um médico examinar a garganta e quando levantei, as pernas travaram. Sugeriram antibiótico e a injeção de anti-inflamatório. A equipe resolveu parar e dormir 1 hora e ver se eu me recuperava. Fomos para a polissonografia. Depois de 1 hora, ainda não tinha condições e os médicos e a Dra. Hanna acharam melhor eu parar para me preservar, já que daqui a dois meses tem o Ecomotion Pro”, disse Henri.
Pouco tempo depois outro atleta da equipe, Alexandre Prieto, teve uma tendinite tibial e também parou para se preservar.

Apesar do preparo físico dos participantes, a situação do simulado exigiu muito mais do psicológico de cada um porque não existe a variação de paisagem e a superfície da esteira é sempre igual, apesar de poder variar a inclinação, tornando tudo muito monótono. O ciclo-ergômetro de braço, utilizado como simulador de canoagem, foi eleito por todos como o aparelho que dava mais sono.

“Em uma corrida você precisa estar preparado fisicamente e administrar o seu psicológico, afinal se você parar para pensar, na corrida o meio te ajuda a administrar o psicológico. Você tem a natureza, o ar, o vento, o sol, a noite, o frio e diversos outros fatores que podem desviar seus pensamentos do desgaste físico e do sono, como a própria competição em si”, disse Ricardo Tamaoki. “A simulação foi totalmente o contrário porque o meio não ajudava e sim contribuía negativamente para se alcançar os 480km. Foi muito complicado controlar o fator psicológico. Imagina você andar 28 horas em uma esteira olhando para o mesmo lugar. Chega a ser insuportável...”, completa.

Mas não era só os atletas que procuravam se manter acordados, principalmente na segunda noite. Para quem não estava se exercitando o jeito era procurar por alternativas para ficar com os olhos abertos. Conversar, dançar, assistir televisão, jogos de tabuleiro, Internet, adiantar o trabalho da empresa e jogar videogame foram algumas das alternativas. Ficar andando pela sala também foi uma opção utilizada por alguns participantes.

Para evitar que dormissem os médicos do instituto estavam sempre observando seus movimentos, procurando saber onde estavam e se não estavam dormindo. Para animar e acordar os participantes, a Dra Hanna tinha um lema que era sempre lembrado aos participantes: “Nãããããããooo poooode dorrrrmirrrrrrr!!!!!”

Os equipamentos de ginástica eram um convite para os participantes se apoiarem e cochilarem poucos segundos, até alguém acordá-los. Os ‘controles’ se divertiam observando os outros tentando fugir do monstro do sono. Era comum ver as pessoas cochilando na frente do monitor do computador, quase caindo no prato de janta ou parados com um sanduíche na mão, mas o objetivo era que os controles ficassem acordados o mesmo período que os atletas para poder comparar os resultados posteriomente.

“Foi a 1° vez que fiquei tanto tempo acordado (ou quase)... Fiz de tudo: entrei na Internet, tomei banho, bati papo, joguei imagem e ação, playstation e principalmente comi e ri muito. No inicio eu cheguei a torcer para a equipe parar, mas depois acabei me acostumando e estava tranquilo se eles iriam parar ou não”, disse Ricardo Roitburd, um dos controles da equipe Eco2.

A dra Hanna observou que “no início todos brincavam e davam risadas de piadas sem graça. Aos poucos os participantes foram se isolando e o mal humor passou a ser bastante visível. Qualquer barulho começava a irritar”.

Sem poder fazer qualquer atividade fisica e sem conseguir ficar acordados, os ‘controles’ aos poucos foram indo dormir. Somente após realizar alguns testes e fazer a coleta de sangue os participantes eram levados para o quarto onde era realizada a polissonografia.

Tatiana Onaga, que estava como controle da primeira equipe, foi quem ficou mais tempo acordada mas também quem mais dormiu após o simulado. Foram pouco mais de 16 horas dormindo direto, sem interrupção. Fabrizio também ficou bastante tempo acordado e para conhecer seu limite, decidiu não dormir quando a equipe que acompanhava parou para descansar.

As maiores dificuldades para as equipes aconteceram durante a madrugada da segunda noite, durante a etapa de remo. A monotonia do aparelho e a sala escura, as luzes eram apagadas durante a noite, era um convite para dormir. O nível de sono era tanto que o Renato até colocou o capacete para não se machucar no aparelho caso cochilasse.

Mas assim que o sol começava a aparecer na janela, a disposição dos atletas voltava e o ritmo dos exercícios voltavam ao normal.

Quando uma equipe resolvesse parar para dormir ou alguém não aguentasse mais de sono, os integrantes eram levados para outro andar e colocados individualmente em um quarto monitorado para realizar o teste de polissonografia. Os resultados irão mostrar se o tempo de descanso foi suficiente para o melhorar o desempenho da equipe na continuação da corrida.

Ao final do simulado a primeira equipe contabilizou uma hora de parada para dormir e terminando o simulado na tarde de domingo. A segunda equipe terminou na tarde de segunda-feira e ficou duas horas e quarenta minutos dormindo. Vale ressaltar a capacidade fisica e psicológica da atleta Rosângela Hoeppner, que se manteve animada durante quase todo o simulado. O único momento que lembro dela um pouco mais quieta foi quando a equipe voltou a se exercitar após a parada de descanso. Durante o último trekking, que teve a duração de 1:50h, ela resolveu correr “um pouco” e aumentou a velocidade da esteira para 9 km/h. Ricardo “Xuxa”, que estava com bolhas no pé, foi animado pela companheira de equipe e conseguiu calçar os tênis. Os dois terminaram a modalidade correndo a 15km/h!!

“O trabalho da Hanna é muito bom !! Vamos ter como saber o que acontece durante aquela 1 hora de sono que temos durante as provas. Temos como comparar uma noite de sono normal com uma noite de sono após a prova”, analisou Henri. “Vamos saber através dos exames de sangue, como o organismo está antes da prova, logo que acaba a prova, após a primeira dormida, após 24 horas e após 72 horas e com isso analisar o quanto o sono recupera o organismo. Através dos relatorios de alimentação que fizemos, mais os resultados dos exames, veremos se realmente nos alimentamos adequadamente antes, durante e depois da corrida. Através dos exames cognitivos, veremos o quanto a privação de sono e o desgaste fisico interferem nas atividades do cerebro”, completou. “Com todos esses resultados, a gente tem como aprimorar a alimentação, definir estrategias de sono para as provas, elaborar treinamentos mais especificos e elaborar estrategias de ‘cobertura’ do navegador nos horários criticos.”

“A conclusão que eu tirei desse simulado foi que tudo está na sua cabeça. Se você consegue dominar os seus pensamentos dá para resistir, mas se não tiver cabeça você poder ser a pessoa mais forte do mundo que não passa das 24h. Para mim a maior dificuldade foi administrar o psicológico porque era através dele que controlava o sono e as dores conseqüentes dos exercícios. O estudo em si será muito bom não só pra comunidade, mas para corrida também porque nele está sendo analisado o melhor período de sono para trabalhar melhor em uma corrida, ou seja, é um treino de como se usar o sono da maneira mais produtiva possível.”, completou Ricardo Tamaoki.

Agora é esperar pela corrida em outubro para saber o quanto esse estudo ajudou no desempenho dos atletas participantes.

Wladimir Togumi
Por Wladimir Togumi
19 Ago 2004 - 09h36 | General |
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