Equador e os 250 km mais difíceis da minha vida

Por Redação - 05 Ago 2015 - 09h36

Por: Carlos Dias

Quando decidi ir correr nas montanhas do Equador, tinha em minha cabeça as montanhas do Nepal, onde corri 103 km em 4 dias, no ano de 2011. Na oportunidade, eu não aguentei os 7 dias os efeitos da altitude, saí da prova cumprindo apenas uma parte da meta que eu tinha escrito no papel. Mas voltei com uma lição: correr na altitude era um exercício mais mental que físico. Os anos passaram e eu tinha no Equador a oportunidade de cumprir a minha meta de completar os 250 km em 7 dias em altitude.

Comecei o ano com um desafio intenso, corri 42 maratonas em 42 dias, expondo o meu corpo ao máximo de exigência possível para poder chegar ao Equador o mais preparado possível fisicamente e mentalmente. Faltando quarenta dias antes da grande largada, sofri uma agressão covarde, por racismo, que me forçou realizar uma cirurgia na cabeça, ficar por pelo menos 15 dias em repouso, tomando antibióticos e perdendo muito em resistência física.

Carlos Dias no the Rove, Equador, 2015

Mas a mente estava firme, focada e entusiasmada a transformar um momento difícil e cheio de adversidade em um momento único de superação e conquista.

Me preparei mentalmente para enfrentar um desafio extremo, sem esquecer da preparação física com os melhores especialistas, equipamentos e materiais de alta tecnologia.

Cheguei em Quito no Equador, cidade a 2980 metros de altitude, 5 dias antes da largada para uma aclimatação. De cara senti os efeitos da altitude, tontura, enjoo e insônia.
No dia 25 de julho seguimos rumo ao primeiro acampamento no pé do Vulcão Cotopaxi, a 3350 metros de altitude e muito frio.

Passei a primeira noite, tentando respirar. As roupas me protegeram do frio, mas não do cansaço imposto pela altitude.

O meu primeiro dia de corrida foi um verdadeiro curso para aprender a andar. A largada já começou com uma longa subida e os passos sendo cortados com um vento gelado no rosto, me fazendo reforçar a cada minuto minha determinação.

Após um primeiro dia de corrida muito lento e respiração sufocante, acordei para o segundo dia com mais vontade de melhorar meu desempenho. Nesse dia o paratleta Vladmi Virgilio teve um colapso e foi socorrido ao hospital, assim seguimos com dois brasileiros na prova, eu e a Jane Carvalho, de Salvador.

Mas o segundo dia foi ainda mais difícil. Corremos pelo vale de vulcões, trilhas e longas subidas com caníons, chegamos a 3.600 metros de altura, senti momentos de tonturas, outros de enjoo, muitas vezes as pernas simplesmente não respondiam ao meu comando. O choro vinha, pois achava que não conseguiria terminar a etapa. Procurava manter firme meu entusiasmo, ajudando um atleta aqui, outro ali e quando chegava aos check points acionava os staffs com brincadeiras, mesmo que no momento eu estava vivendo um dia de muita dor.

O terceiro dia foi um sobe e desce incrível e finalmente enfrentamos o caminho inca, uma trilha fina fincada no alto de paredões gigantescos, onde um erro poderia nos levar a uma queda fatal.

Nesse dia meu corpo, me deu uma trégua e consegui correr melhor, mas de forma cautelosa para não ter uma acidente e preservando meu corpo para os dias extremos que tinha pela frente.

No quarto dia, o mais difícil na minha concepção, começamos o dia correndo em um vale, florestas, cruzamos um rio gelado e começamos a subir uma trilha pesada que parecia não ter mais final. E quando chegamos ao topo dessa trilha, estávamos apenas na metade da subida da trilha do Vulcão Quilotoa, com uma cratera gigantesca com água cor verde esmeralda. A subida lenta e gelada, com ventos fortes, nos cortando a pele, depois de circular a cratera chegando a quase 4000 metros de altura, começamos a descer uma trilha entre florestas e cheias de areias e pedras, que me fez cair por três vezes e a forçar todas as minhas articulações de joelho, tornozelo e pés. Ao chegar no acampamento o enjoo cresceu, fiquei mais fraco e tenso, pois o dia seguinte seria a etapa longa. Passei a noite me recuperando e elevando minha mente ao meu filho Vinícius, aos meus pais e em todas as pessoas que torcem por mim.

A minha alegria era poder olhar para meus pés e ver que não tinha nenhuma bolha. Isso me deixava mais tranquilo, pois sabia que estava cumprindo o que eu desenhei: trabalhar com calma, paciência e leveza.

O quinto dia chegou e seria longo. Mais de 60 km para cumprir e mais subidas e descidas. Fui cantando na trilha, focado em chegar bem. Nesse dia passamos por fazendas, me integrei com as pessoas, procurei buscar em minha mente momentos de alegria, na minha vida e isso me trazia momentos leves, esquecendo um pouco o cansaço e as tonturas.

Começamos a percorrer a florestas de nuvens, que não dava para enxergar nada pois o nevoeiro era fortíssimo. Me assustava com os cachorros das fazendas e outros pequenos animais da floresta. A noite chegou e com ela a lua cheia. Comecei sozinho na escuridão da floresta, que pulsava em vida com corujas, sapos, gambas e outros tantos bichos com tantos ruídos.

O meu maior companheiro foi o rio que descia a montanha ao meu lado e a cada passo ia mostrando sua força, com um barulho incrível da água batendo em rochas a sua frente.

Por algumas horas tive como companhia, os amigos da Coréia do Sul Elizabeh e Tong shing, depois voltei a seguir sozinho na trilha e cheguei ao acampamento às 2h 55 min.
Foi uma emoção enorme, ali eu sabia que tinha conseguido superar todas as minha fraquezas e a força da altitude do Equador.

A última etapa era a mais curta, cerca de 11 km, mas cheia de obstáculos. A cabeça só pensava em chegar e não importava se tinha um rio, uma subida, uma ponte fina ou uma descida difícil. A verdade era que eu estava pleno de felicidade e disposto a chegar para conseguir celebrar com todos os amigos construídos na trilha.

E o dia 1 de agosto não irá sair da minha mente. Levantei e meditei, pois foi o dia que fazia 5 anos da morte da minha mãe. Segui pela trilha lembrando todos os momentos superados para chegar até aquele dia e quando vi, me deparei com a chegada e a festa de todos na cidade. Foi um grande alívio.

Terminei o percurso de 250 km em altitude, com 63 horas. A minha colocação geral ficou entre 112° colocado, mas o meu maior êxito foi me manter na trilha até o final sem ter nenhuma lesão e nenhuma bolha.

O campeão no masculino foi Ake Fagereng, da Dinamarca, com 27 h 15 min e no feminino, Sarah Sawyer, da Inglaterra, com 35 h 25 min.

À noite, na cerimônia de premiação, eu estava junto com outros atletas na mesa celebrando a jornada e muito feliz com minha medalha na altitude, quando ouvi meu nome ser chamado pela organização da prova. Foi um momento incrivelmente mágico. Todos se levantaram e aplaudiram entusiasmados. Eu andei da minha mesa até o palco com a respiração sufocada pela emoção e o choro desceu de forma abundante. Eu estava recebendo um troféu muito especial, o Troféu Spírit Awards pelo espírito esportivo em momentos extremos e por ser solidário aos atletas em momentos de adversidade na trilha.

Sigo aqui agradecendo minha família, meus pais em espírito, meu filho Vinícius, minhas irmãs, tios, tias, primos e primas, meu treinador Herói Fung, Mariana Lopes Quiropraxista, Espaço Bel Estética, Sportslab. Aos meus patrocinadores Skechers e Movement ao apoio da Tegma, a torcida dos amigos. e o suporte da equipe da Racing The Planet Mary Gadans, Samantha, Zeana, Riittaa, Tonny, Zandy Mangold, equipe médica de prova, staffs, voluntários.

 

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26.07.2015
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Por Redação
05 Ago 2015 - 09h36 | geral | Trail Running
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