Qual foi a última vez que você teve frio na barriga por causa de um novo desafio? Em minha história como corredor, algumas provas remetem a essa sensação: a primeira corrida de rua (6km, em 2003), a primeira São Silvestre (2008), a KTR na Serra Fina. É uma sensação que já conheço e que, fisicamente, não é nem um pouco agradável: vem acompanhada de acessos de tosse, diarreia e, principalmente, noites mal dormidas na véspera. Mas também é uma sensação que, se encarada da maneira correta, faz bem pro espírito. É como se o corpo não quisesse, mas a cabeça dissesse “sim, é possível”. Lições que tenho aprendido nesses 14 anos como corredor e que me fazem continuar encarando desafios na corrida.
Foi esse frio na barriga que senti nos dias que antecederam os 32 km do Brasil Ride em Botucatu. O Brasil Ride é a principal corrida de trail running do País. São 1.300 inscritos e participantes de 16 Estados e quatro países. É uma das provas brasileiras que mais contam pontos na Associação Internacional de Corridas de Montanha.
Esses seriam, por si, motivos mais que suficientes pra participar. Mas, pra mim, havia outros. Em primeiro lugar porque, embora viva em São Paulo, nasci e cresci em Botucatu. Segundo e, mais importante, porque seria a prova mais longa da minha vida. Meu recorde, até então, foram três meias-maratonas. Mas otrail running não é um esporte apenas sobre distância. A altimetria acumulada (ou a quantidade de pirambas) do Brasil Ride é insana. São 1.100 metros nos já mencionados 32 km - como referência, a Mizuno Uphill, provavelmente a prova de asfalto mais casca grossa do País, acumula 1.400 metros de altimetria, mas em 42 km. E, pra tornar o desafio um pouco mais pesado, a previsão do tempo indicava sol com a temperatura chegando aos 32 graus. Haja perna. E haja hidratação.
Eu teria ficado um pouco mais tranquilo se tivesse cumprido um cronograma de treinamento decente. Mas não foi o caso. Somente um mês antes, decidi treinar de forma organizada, com personal trainer. O bom senso aconselharia iniciar essa preparação com pelo menos três meses de antecedência.
Altimetria do Brasil Ride (registrada no Strava)
Mas não bastasse ter iniciado a preparação específica tão em cima da hora, meu treinamento foi interrompido nas duas semanas que antecederam a prova, justamente o período mais crítico do ciclo. Primeiro por um ataque de herpes-zoster, uma doença originária da catapora que pode causar dores fortíssimas nos nervos e que me deixou de molho uma semana – deixo aqui um link explicando melhor a doença drauziovarella.com.br/entrevistas-2/herpes-zoster/.
Já recuperado, mal voltei a treinar e um acidente doméstico me tirou de circulação novamente: uma inocente topada no armário de casa provocou uma fratura em meu dedinho. Contrariando recomendações médicas, decidi que faria a prova. Era minha maior meta do ano e um compromisso assumido com a Adventuremag. Em nome do dever de atleta e do dever de jornalista, decidi seguir em frente.
Mesmo com anos de tarimba como corredor de rua e de aventura, cheguei à véspera do Brasil Ride com várias dúvidas em relação à logística ideal. Por exemplo: largar com a mochila de hidratação carregada ou iniciar a prova mais leve para encarar as subidas, deixando para abastecer num dos dois postos de hidratação? Encher as caramanholas com água ou isotônico? Correr com o Salomon Speedrak (que já testei aqui e que é super leve e, portanto, me deixaria menos cansado na parte final da prova) ou com o ‘trator’ XAPro, mais pesado, porém mais resistente contra os inevitáveis obstáculos? Numa prova longa e quente, as respostas para essas perguntas poderiam significar a diferença entre completar ou abandonar a corrida. Acabei largando com carga de hidratação completa. E nada de isotônico. Com a previsão de temperatura nas alturas, não valeria a pena brincar com o risco de ficar sem água. Em relação ao tênis, optei pelo XAPro, que protegeria bem meu ainda quebrado dedinho do pé. No final do post, você tem a lista de equipamentos usados.
Fui para a base do evento no sábado de manhã, lembrando das palavras do escritor e maratonista japonês Haruki Murakami sobre sua tensão pré-Maratona de Nova York:
Tudo o que tenho para ir em frente é a experiência e o instinto. A experiência me ensinou isto: você fez tudo o que precisava fazer e não tem sentido repetir. Tudo o que resta agora é esperar pela corrida. E o que o instinto me ensinou é apenas uma coisa: use a imaginação. Então, fecho meus olhos e vejo tudo isso. Eu me imagino, junto com milhares de corredores atravessando as ruas de Nova York (...). Essas cenas emprestam a meu corpo uma vitalidade tranquila. Não fixo mais meu olhar nas sombras da escuridão. Não escuto mais os ecos do silêncio.
No próximo post, detalhes da prova.
Equipamentos usados
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