Dá pra treinar na esteira pra uma prova de montanha?

Por Danilo Vivan - 01 Fev 2018 - 12h14

É possível se preparar para uma prova de trail running correndo apenas na esteira? No limite, se não houver outra opção, sim. Mas sempre tendo em mente que esse tipo de preparação possui falhas, sendo a principal delas a falta de treinos técnicos pra encarar descidas com pedras, galhos ou ravinas, por exemplo, tão comuns nas provas de montanha.

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Essa pergunta me veio à cabeça após ler um artigo da colunista de corridas do New York Times, Jen Miller, tratando das dificuldades dos corredores americanos de treinar nesses dias em que os norte-americanos enfrentam uma onda de frio que tem feito as temperaturas despencarem para dezenas de graus negativos. “Correr na esteira não é uma experiência agradável, mas com um clima como esse não há outra escolha” reconhece Jen.

Longe do risco de intempéries com essa, é pouco provável que aqui no Brasil alguém tenha de correr numa esteira por causa do frio, mesmo no Sul do País. Mas é verdade, também, que numa cidade como São Paulo, questões como as dificuldades de deslocamento e o excesso de compromissos ligados ao trabalho podem obrigar um atleta amador a ir para a esteira.

Esse é o meu caso em particular. Com um filho de 2 anos e outro que acabou de nascer, a esteira da academia do prédio ao alcance de um elevador é sempre uma opção. Mas, conversando com dois caras especializados em trilhas, descobri que meu caso não é o único. “Numa preparação, nem sempre fazemos o que é necessário, mas o que dá pra fazer”, reconhece o diretor da assessoria UpFit, Sidney Togumi.

Outro especialista em provas outdoor, o treinador da assessoria Aksa, Daniel Franquin, vai na mesma linha: “Não existe atleta amador que segue a planilha 100%. Às vezes o momento da vida impõe restrições. Não adianta sair, encarar horas de trânsito, ir para o mato e fazer um ótimo treino, mas depois chegar em casa e se indispor com a família porque ficou muito tempo ausente.”

Franquin lembra, no entanto, que num treino em esteira, perde-se a parte técnica. Por isso, caso o atleta esteja se preparando para uma prova mais longa ou mais desafiadora, o ideal é, pelo menos uma ou duas vezes ao longo do ciclo, ‘encaixar’ um treino outdoor, fora da esteira. Se não for possível ir para a trilha, pode-se treinar na rua, aproveitando para subir e descer ladeiras, por exemplo.

Tanto Franquin quanto Togumi destacam que, mesmo simulando uma corrida, o treino em esteira possui particularidades que o diferenciam das trilhas ou do asfalto. “Na esteira, o chão (na verdade, a faixa) se move sob o pé do atleta, o que cria um tipo de esforço diferente do treino outdoor, em que o pé empurra o chão”, explica Franquin. “Além disso, a esteira absorve mais o impacto, o que, se por um lado ajuda a prevenir lesões, por outro cria menos resistência, o que é diferente de uma situação real de prova”.

Diante dessa situação, os dois treinadores recomendam aproveitar o tempo na academia para fazer treinos de musculação e, desta forma, ganhar resistência. “Nas provas de montanha, o componente ‘força’ é muito mais exigido que nas corridas de rua, e não apenas nas subidas, mas também nas descidas”, lembra Togumi.

Enfim, se a agenda profissional ou familiar exigem, é possível, sim, se preparar para uma prova de montanha treinando somente na esteira, mas considerando dois fatores: (1) complementar os treinos com musculação, de modo a ganhar força e, na medida do possível, buscar fazer pelo menos um treino na rua (2) para atletas que nunca fizeram uma prova de trail running, a preparação exclusivamente em esteira não é recomendada. Afinal, como foi dito, é importante ter alguma tarimba na trilha para, por exemplo, dosar o ritmo nas subidas mais puxadas (e, se você nunca correu em montanha, saiba que elas são bem mais puxadas que na rua) e encarar as descidas com segurança.

Minha experiência
Minha preparação para a prova mais difícil que já encarei até hoje, os 32 km do Brasil Ride Trail Run (com 1.200 metros de altimetria), foi feita quase que exclusivamente em esteira. Durante os dois meses do ciclo preparatório, os únicos treinos outdoor consistiram na participação em duas provas de montanha de 10 km, a Corrida Explore e o La Loucura. Fora isso, todos os treinos foram na academia do prédio, supervisionados por um personal especializado em triathlon, Murilo Ravanini.

É muitíssimo provável que, mesmo sem ter feito essas duas provas outdoor eu conseguisse completar o Brasil Ride numa boa. Mas isso se deve a uma ‘bagagem’ de 10 anos fazendo corridas de aventura e algumas provas de montanha. Trilhas não são, para mim, uma novidade.

Se você nunca participou de uma corrida de montanha, é importante ter alguma experiência em trilha, coisa que esteira nenhuma é capaz de dar. É preciso se acostumar com:

Clima: diferentemente do ambiente controlado da academia, nas provas de montanha você estará exposto aos elementos e isso faz uma diferença danada. Em algumas provas, correrá sob chuva, em outras, com frio e, pior de tudo, em muitas delas terá de encarar um sol forte, capaz de massacrar a resistência até mesmo de atletas profissionais. Basta conferir as diferenças de tempo numa mesma maratona num ano de sol forte e em outro de tempo fechado.

Altimetria: não há esteira no mundo com recurso de inclinação capaz de reproduzir uma subida de prova de trail running. Na montanha, muitas vezes você terá de se agarrar em galhos para subir ou será obrigado a dividir o espaço de uma trilha super estreita com outros dois ou três corredores – ou, nesse caso, andadores. Pior: ainda não foi inventada uma esteira capaz de reproduzir o movimento de descida, que exige músculos diferentes dos usados piramba acima.

Piso: também não se tem notícias de uma esteira capaz de reproduzir a variação de terreno que você irá encarar numa prova de trail running: areião, barro, pedras soltas, galhos, ravinas, tudo isso faz parte do cardápio. Some-se as já mencionadas dificuldades da altimetria e temos a tal da ‘técnica’.

Toda a da dificuldade dos itens anteriores costuma ser compensada por cenários que esteira ou prova de rua nenhuma vai proporcionar. Leve uma câmera, tire fotos (em muitos trechos você irá andar, então, vai dar tempo), poste nas redes sociais. Mas lembre-se de que foto nenhuma é capaz de substituir a sensação de ver ao vivo certas paisagens que só a corrida de montanha proporciona.

Dicas pra correr na esteira
Jen Miller, do New York Times, traz, em seu post, dicas bacanas pra tornar o treino em esteira menos entediante:

Abuse das mudanças de inclinação e velocidade. Treinos de rua nunca são uma coisa uniforme. Há subidas, descidas, trechos que você vai acelerar e outros em que irá mais devagar. Simule com essas variações na esteira.

Arranje um passatempo. Tenho um amigo, o André Siqueira, que é capaz de assistir um filme inteiro enquanto corre na esteira. Não sou capaz disso. Mas adoro preparar playlists do rock’n roll pra treinar: Audioslave, Bon Jovi, Skid Row, System of a Down, tudo entra. Encontre algo que te distraia (pode ser até um audiolivro ou um colega pra bater papo na esteira ao lado) e siga em frente. O tempo vai passar mais rápido.

Garrafinha e toalha - Treinos de rua, mesmo no auge do calor, são sempre acompanhado por algum vento. Isso não acontece na academia, mesmo que ela tenha ventiladores. Garrafinha de água e toalha ajudam a dispersar melhor o suor.

Danilo  Vivan
Por Danilo Vivan
01 Fev 2018 - 12h14 | geral | Trail Running
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